Agricultor e cineasta autodidata, Josafá Duarte tem trajetória homenageada no Cine Ceará

Forquilhense soma mais de 30 filmes, que unem audiovisual e política, produzidos de maneira independente.

Escrito por João Gabriel Tréz , joao.gabriel@svm.com.br
Cineasta autodidata, militante social e agricultor, o forquilhense Josafá Duarte é um dos homenageados do 33º Cine Ceará
Legenda: Cineasta autodidata, militante social e agricultor, o forquilhense Josafá Duarte é um dos homenageados do 33º Cine Ceará
Foto: divulgação

Cineasta autodidata, militante social e agricultor, Josafá Duarte é agitador de uma intensa produção audiovisual independente e coletiva em Forquilha, a 208 km de Fortaleza. Definindo o cinema produzido na região como “sertanejo” — por ser, “acima de tudo, um forte” — e “instrumento de libertação eleitoral”, o forquilhense será homenageado no 33º Cine Ceará pela atuação de importância artística e política.

A trajetória oficial da produção cinematográfica capitaneada pelo diretor e produtor começou em 2006, com o filme “A história de um galo assado”. Já a simbólica, marcada pela aproximação inicial entre o menino Josafá e o cinema, soma quase 50 anos, como ele lembra em entrevista ao Verso.

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Dos encantamentos

Nascido em 1960 em Forquilha, à época ainda distrito de Sobral, ele se mudou com a família para a sede do município em 1969. “Na minha infância, não tive contato (com arte) porque era difícil. Nos mudamos e lembro que, com 14 anos, eu trabalhava no mercado vendendo fruta e sempre guardava algum dinheiro para assistir filme no Cine Alvorada. Era sagrado. Me encantava”, recupera em entrevista ao Verso.

São mais de 30 obras audiovisuais dirigidas e produzidas pelo cineasta forquilhense Josafá Duarte
Legenda: São mais de 30 obras audiovisuais dirigidas e produzidas pelo cineasta forquilhense Josafá Duarte
Foto: divulgação

O verbo “encantar” surge no discurso de Josafá também ao narrar memórias de outra descoberta: os primeiros contatos com movimentos sociais. Estes ocorreram mais tarde, entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando ele e a família se mudaram para Fortaleza. 

Na Capital, já jovem adulto, rapidamente se envolveu com associações e comunidades. “Comecei a conhecer e ver as questões dos movimentos sociais, fui começando a me encantar com aquilo, a participar das reuniões. Assim, descobri que queria também fazer parte desse movimento, lutar por essas causas sociais”, relembra. 

Da atuação em defesa do direito à habitação na Parangaba ao ingresso no Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) para lutar pela reforma agrária, Josafá se fundou e firmou como militante social.

Início da produção

A união entre as frentes da produção audiovisual e da militância, enfim, se concretizou de fato nos anos 2000, quando voltou a morar em Forquilha. “A questão do cinema foi política”, atesta. “Minha comunidade, o distrito de Salgado dos Mendes, é rural, pequena, muito explorada politicamente. Meu objetivo era tentar mostrar à comunidade como funciona a política”, explica.

A intenção inicial foi se firmando e reafirmando ao longo dos anos. De 2006 para cá, são mais de 30 filmes concretizados que abordam, a partir de diferentes formas, o tema central da produção de Josafá. “Meu cinema é voltado para a formação política”, define.

“O cinema popular que eu faço é instrumento de defesa, luta e libertação eleitoral. Luta por habitações, moradias mais dignas, melhorias nas favelas, reforma agrária. Busca libertar a democracia dos currais eleitorais, das ‘monarquias partidárias’ e de grupos familiares que se apossam”, defende, veemente.

Entre dificuldades e reconhecimentos

Toda a produção, desde o início, é realizada de maneira independente. “Fui pedindo equipamentos emprestados, reuni a comunidade e perguntei se eles queriam fazer um filme. Comecei fazendo”, explica o diretor. Os desafios, ele ressalta, nunca pararam.

“Ainda hoje não tenho equipamentos. Depois de 17 anos continuo fazendo meu cinema, mas sem recursos financeiros e materiais, somente humanos”, reconhece. “A situação é precária, mas a vontade de fazer arte, de transformar a comunidade, é grande”, atesta.

Imagem das filmagens de
Legenda: Imagem das filmagens de "A velha debaixo da cama", de Josafá Duarte, produção de 2014
Foto: Cinecordel / reprodução

Com o apoio da própria comunidade à parceria com figuras como o cineasta Rosemberg Cariry, a produção forquilhense veio se mantendo — e passando a também ser reconhecida local, nacional e internacionalmente.

Prêmios nos festivais de Jericoacoara e Meruoca; obtenção do título de “capital cearense do cinema popular” para Forquilha por parte do Governo do Estado; exibição de filmes em países como Alemanha e Uruguai; pesquisas acadêmicas pelo Brasil sobre a produção da cidade; e, agora, a homenagem no Cine Ceará. 

“É de se chamar atenção. Como diz João Grilo no ‘Auto da Compadecida’: não sei, só sei que foi assim. Tudo isso soma e quer dizer que é o caminho certo e que vale a pena a gente lutar por uma causa justa”, celebra Josafá.

Cinema sertanejo

Reconhecimentos à produção feita em Forquilha se somam ao longo dos anos;
Legenda: Reconhecimentos à produção feita em Forquilha se somam ao longo dos anos; "Quer dizer que é o caminho certo e que vale a pena a gente lutar por uma causa justa”, celebra Josafá Duarte
Foto: Cinecordel / reprodução

Apesar dos desafios de manter uma produção fora das estruturas e acessos da “indústria” audiovisual, Josafá destaca: “A independência me dá o direito de colocar meus pensamentos em público”. 

Até a parte de exibição e distribuição se dá por fora da lógica regular, seja pela disponibilização de filmes no YouTube, seja pela promoção de exibições públicas das obras na própria casa do diretor ou em espaços das comunidades.

A recepção às obras — e às ideias — de Josafá, inclusive, é um dos motivos de orgulho para o realizador. “No início eu levava o nome de ‘abestado’, ‘doido’. Hoje as pessoas reconheceram que o ‘doido’ tava construindo um caminho, respeitam, valorizam. Isso me fortalece e me dá liberdade de continuar nesse trabalho. Vejo que essa é a minha missão”, compartilha.

Cena do longa
Legenda: Cena do longa "De olhos vendados", de Josafá Duarte, obra lançada em 2015 e produzida em Forquilha
Foto: Cinecordel / reprodução

“Lutamos não por dinheiro, título ou reconhecimento pessoal, mas por uma causa justa. Começamos essa formação política e continuamos porque nós somos sertanejos e o sertanejo, acima de tudo, é um forte”, define, citando Euclides da Cunha (1866-1909) em “Os Sertões” (1902).

“Quem vier na minha casa vai conhecer uma casa sertaneja. Quem vier na minha comunidade vai conhecer uma comunidade rural. Quem conhecer meus atores vai ver que eles são da comunidade. O cinema popular forquilhense é um cinema sertanejo porque é feito por sertanejos que trabalham, fazem roça, plantam milho e feijão, pescam, caçam. É por isso que ele resiste até agora”, sustenta.

Assista a filmes

Onde: no YouTube

Homenagem a Josafá Duarte no 33º Cine Ceará

Quando: quinta (30), às 19h30min
Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500, Centro)
Entrada gratuita, seguida de exibições de filmes nas mostras Brasileira de Curta-metragem e Ibero-americana de Longa-metragem

33º Cine Ceará - Festival Ibero-americano de Cinema

Quando: até 1º de dezembro
Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500, Centro) e Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema)
Entrada gratuita; para sessões no Cineteatro, até dois ingressos por pessoa serão disponibilizados na plataforma Sympla a partir de 12h do dia que antecede a sessão; para sessões no Cinema do Dragão, os ingressos serão disponibilizados na bilheteria a partir de 13 horas, uma hora antes do início de cada sessão
Mais informações: no siteInstagram e Facebook

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