A história do livreiro de 25 anos que transformou garagem em livraria no interior do Ceará

Sediada em Pentecoste, a Raiz de Livro é tocada pelo multiartista Alexandre de Almeida, com especial destaque à literatura cearense

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: O apoio dos pais de Alexandre de Almeida oportunizou a realização do sonho de abrir uma livraria, justamente em um difícil momento para o mundo e o mercado editorial
Foto: Arquivo pessoal

As velhas paredes deram lugar a novas, coloridas e vibrantes. E o lugar que parecia galpão agora tem perfume de oportunidade. No município de Pentecoste, interior do Ceará, um jovem de 25 anos abriu uma livraria onde antes era a garagem de casa. A Raiz de Livro nasceu durante a pandemia de Covid-19, e tem rendido frutos para o entorno.

Foi entre agosto e setembro de 2020 que tudo começou. “Comprei alguns livros novos e seminovos, comecei a divulgar para conhecidos na cidade e foi chegando mais gente. Foi só em dezembro daquele ano que abrimos a loja física. Digo ‘abrimos’ porque minha família deu uma força nisso”, explica Alexandre de Almeida, à frente da iniciativa.

O sonho de lançar algo no segmento era antigo. Caminhava com o multiartista desde muito cedo – apesar de ele não saber quando nem como faria isso. O apoio dos pais oportunizou a realização do desejo justamente em um difícil momento para o mundo e o mercado editorial. “Resolvemos trabalhar juntos pra fazer acontecer”, diz.

Legenda: Pequena e aconchegante, a Raiz de Livro é um verdadeiro refúgio para conversar, estudar e fazer pequenos eventos
Foto: Arquivo pessoal

“O interior do Ceará tem muitos leitores. Eu até usaria ‘por incrível que pareça’ nessa colocação, mas não faz sentido. Estar rodeado de leitoras e leitores é algo que se espera. O público da Raiz é tão variado que imagino aonde eu estava que ainda não havia feito isso”.

Segundo ele, Pentecoste possui uma ampla biblioteca pública, bibliotecas nas escolas e bibliotecas comunitárias. A cidade necessitava de um lugar onde a população também pudesse encontrar obras para ter por perto, dentro de casa. A Raiz de Livro surge nesse contexto, batizada assim por conta da paixão de Alexandre por plantas

Tanto é que, se observarmos o logotipo com atenção, notamos que ele traz um livro do qual brotam raízes para baixo. “Criei essa identidade visual, o nome e a livraria para mostrar que podemos nos permitir criar raízes na literatura a partir da diversidade”.

Refúgio

O estabelecimento é pequeno e aconchegante. Um verdadeiro refúgio para conversar, estudar e fazer pequenos eventos. Hoje, o maior acervo é de literatura cearense contemporânea, com cerca de 150 títulos – passeando por editoras e escritores independentes. Mas também há livros usados e seminovos, romances e clássicos nacionais e estrangeiros. HQs, livros infantis, religiosos e material de papelaria igualmente ocupam as prateleiras.

No momento, apenas Alexandre trabalha no local. “Não é fácil, mas me viro como posso. Às vezes a família ajuda também, quando preciso me ausentar”, sublinha. O desafio é apenas um dentre tantos em empreender do ramo das letras. 

“Consigo chegar em uma galera nova e manter um fluxo de clientes ativos também. E eu gosto de chamar de amigas e amigos quem já vem com mais frequência por aqui, o que é maravilhoso”.
Alexandre de Almeida
Livreiro, escritor e músico

Ao mesmo tempo, ele avalia que o maior entrave de estar no interior é entender que, por mais que haja uma população de quase 38 mil habitantes na cidade onde está a livraria, nem todos veem o livro como prioridade

Assim, quando faz curadoria para o acervo, escolhe novos títulos e pensa conteúdos e atrações, Alexandre precisa imaginar muito o que o público gostaria de vivenciar. Para ele, é impossível não pensar no que venderia bem no interior

“Para esse tipo de negócio se sustentar e crescer aqui, o viés da venda sempre está presente. Mas espero que, daqui há algum tempo, não seja o principal. A Raiz é um lugar para acolher e dispersar literatura de todas as formas, enraizar mesmo”.

É preciso esforço

A visão do livreiro apenas comprova o quanto é preciso um maior esforço de toda a cadeia do livro para mostrar a real importância dessa seara. Antes dele, outras pessoas compartilharam o sonho de abrir uma livraria em Pentecoste. Mas o que faltava? Por que não conseguiram realizar essa vontade? A experiência de Alexandre talvez ajude a pensarmos de outra forma.

“Faço muita coisa sozinho. Redes sociais, faxina, promoções, a parte financeira… E tem muita coisa que peço ajuda mesmo, pago alguém pra fazer. É preciso ousadia, mas também apoio. Como bom conversador, sempre me coloco à disposição quando alguém fala de um sonho como o meu. Não é fácil, não foi do dia pra noite, mas é possível”.

Legenda: São iniciativas da sociedade civil e também de gestões públicas as responsáveis por construir e favorecer uma nação leitora
Foto: Arquivo pessoal

Há outro detalhe importante: por ser multiartista – Alexandre é escritor e músico –, o jovem acredita que gostar de experimentar e permanecer constantemente na arte são chave para um maior conhecimento e aposta nas coisas. Ainda que não soubesse muito sobre o mercado livreiro no início, ele aprimorou os estudos na área e tenta continuamente se sobressair.

Além disso, estar no meio das pessoas da literatura – sendo uma delas, na verdade – lhe proporcionou inúmeras vantagens. “Nosso networking é diferente de qualquer outro negócio”, observa. “Conseguir o acervo que tenho hoje não foi possível sem os anos que passei fazendo amigos nesse meio em Fortaleza e outras cidades do nosso estado, conhecendo a cultura de perto, valorizando e sendo valorizado. Quero mais é retribuir isso e mostrar a novos nomes que essa casa e tantas outras estão de portas abertas para a Literatura Cearense – que é plural, diversa, imensa”.

Poucos investimentos, grandes abismos

Sem nenhuma atenção federal do Plano Nacional de Livro e da Leitura (PNLL) – instrumento com diretrizes para assegurar a democratização do acesso à leitura e o fortalecimento da cadeia produtiva do livro – são essas iniciativas da sociedade civil e também de gestões públicas as responsáveis por construir e favorecer uma nação leitora.

A constatação é revelada na pesquisa “O Brasil que Lê”, cujos dados foram divulgados no último mês de março. De acordo com Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, muitas organizações existiam antes das políticas de incentivo à leitura, mas foram potencializadas quando esse fomento chegou com mais intensidade em anos anteriores.

Apesar de um grande número ter fechado as portas, principalmente em épocas recentes, uma boa quantidade ainda permanece, movimentando positivamente o cenário. “Na pesquisa, temos acesso a um universo importante de organizações da sociedade civil profundamente resilientes, vivendo momentos muito difíceis – principalmente devido à absoluta ausência do Governo Federal”, destaca o gestor.

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Assim, conforme sublinha, o interesse das pessoas e instituições à frente da pesquisa é de sobretudo não deixar que o País seja desinstitucionalizado. “Temos visto um movimento bastante agressivo para desinstitucionalizar o Brasil em todas as áreas, e naturalmente a cultura é um dos segmentos mais afetados”, sublinha Saron.

O estudo aponta dados bastante pertinentes. Ao mensurar as dificuldades enfrentadas pelos projetos, 76,74% deles responderam que um dos maiores entraves para a continuação das atividades é a falta de recursos financeiros, algo ligado a outra lamentável estatística. 

39% das iniciativas são mantidas a partir de recursos próprios dos responsáveis, demonstrando os desafios em conseguir apoio para a concretização das ações. Por outro lado, a abrangência dos projetos encontra maior vigor nas esferas municipal (28,01%) e comunitária (23,3%), sinal de que a leitura está se perpetuando em esferas mais próximas da população.

Legenda: Hoje, o maior acervo da Raiz de Livro é de literatura cearense contemporânea, com cerca de 150 títulos – passeando por editoras e escritores independentes
Foto: Arquivo pessoal

No que diz respeito à Raiz de Livro, o maior desejo de Alexandre de Almeida é que ela possa ir para outras cidades. Hoje, ele já consegue fazer com que o empreendimento esteja, de forma itinerante, em alguns locais – a exemplo de feiras e eventos. Porém, o intento maior é mesmo se fixar em outros interiores, próximos a Pentecoste ou não. 

“E quero chegar em Fortaleza, claro! Porém, a capital é uma espécie de linha de chegada. Quando chegar nela, provavelmente vou passar um tempo dando atenção especial antes de pensar mais à frente. Mas, sonhos, né? Eu sou um sonhador; escritor de fantasia é assim mesmo”.
Alexandre de Almeida
Livreiro, escritor e músico

“A livraria é a grande realização de um sonho. Muita gente nunca teve acesso a uma ou à possibilidade de comprar livros. É prazeroso ver essa descoberta nos olhos das pessoas. Já chega a faltar espaço para colocar tantas obras, e a loja vai se adaptando para receber mais”.


Serviço
Livraria Raiz de Livro
Localizada em Pentecoste (CE). Aberta a programações culturais. Aceita doações – sejam para a livraria ou para repassar às bibliotecas do município – além de receber livros de autoras, autores e editoras independentes em consignação. Mais informações: por e-mail (raizdelivro@hotmail.com), pelo WhatsApp (85) 98129-7483 ou pelas redes sociais.

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