Durante os primeiros anos de vida, o sistema imunológico das crianças está em processo de amadurecimento. Por isso é comum que, na primeira infância, os pequenos sejam acometidos com frequência por gripes, resfriados e doenças virais.
Nos períodos mais frios ou chuvosos do ano, essas doenças são mais comuns, já que trata-se da época de sazonalidade de diversos vírus, entre eles, o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), que causa a bronquiolite, infecção respiratória responsável pelo maior número de internações de crianças nos últimos anos.
Entre janeiro e março de 2023 foram registrados, pelo Ministério da Saúde, mais de três mil casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave por VSR. “A maioria dos casos se tratava de criança menores de quatro anos de idade (94%). A maioria delas é infectada pelo VSR no primeiro ano de vida e praticamente todos até os dois anos de idade”, ressalta o médico pediatra, neonatologista e infectologista pediátrico, Yuri Picanço*.
O que é a bronquiolite?
A Bronquiolite Viral Aguda (BVA) é uma doença infecciosa e inflamatória do trato respiratório inferior, caracterizada pela obstrução das vias aéreas de pequeno calibre.
O acometimento respiratório é variável em gravidade, destaca o pediatra Yuri Picanço. “A maioria das infecções tem quadros leves, porém, o primeiro contato com o vírus no início da vida é responsável pelo elevado índice de hospitalizações, inclusive em crianças previamente saudáveis”, relata.
O risco em adquirir a BVA é maior em:
- Prematuros;
- Pneumopatas (pessoas com doenças que afetam os pulmões);
- Cardiopatas;
- Imunodeprimidos (pacientes que possuem o sistema imune fragilizado por conta de determinadas condições).
Porém, acrescenta o médico, é importante frisar que 70% a 80% das hospitalizações e mortes ocorrem em crianças previamente hígidas (que desfrutam de boa saúde).
A BVA é uma doença contagiosa?
Sim, é uma doença contagiosa e tem como principal agente o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), responsável pelas infecções respiratórias em até 80% a 90% dos casos em períodos de sazonalidade, detalha o pediatra.
Outros agentes etiológicos podem causar a BVA em menor frequência como: rinovírus humano, metapneumovírus humano, influenza, parainfluenza, coronavírus e adenovírus.
Quais as causas e como ocorre a transmissão?
O Vírus Sincicial Respiratório (VSR), principal agente da bronquiolite, é altamente contagioso. A disseminação na comunidade é rápida e ampla, de forma que uma pequena quantidade de casos graves é suficiente para a superlotação dos serviços de saúde durante os meses de circulação do VSR.
Em países de clima temperado, as infecções ocorrem no inverno e no início da primavera. No Brasil, a circulação do VSR acontece em épocas diferentes por região.
Sazonalidade do VSR, principal agente da bronquiolite, no Brasil:
Região | Período |
Norte | Fevereiro a junho |
Nordeste | Março a julho |
Centro-Oeste | Março a julho |
Sudeste | Março a julho |
Sul | Abril a agosto |
A aquisição do VSR ocorre pelo contato direto de secreções respiratórias contaminadas em superfícies porosas. “Ao tocar nestas áreas contaminadas e levar os dedos aos olhos, a boca ou a mucosa nasal, é possível a contaminação. O vírus pode permanecer por até 24 horas em superfícies porosas como bancadas, berços, estetoscópios, por exemplo”, frisa o neonatologista.
Bronquiolite em bebê
Nos EUA, a BVA é considerada a primeira causa de hospitalização de lactentes, com mais de 100 mil internações ao ano. Na cidade de São Paulo, de acordo com Yuri Picanço, cerca de 60 a 70% dos lactentes hospitalizados com problemas respiratórios, nos meses do outono e inverno no Hospital Universitário da USP (HU-USP), são portadores de infecção por VSR.
O pico de incidência da BVA é no 1° semestre, diz o médico. A média de idade de pacientes hospitalizados com a doença está em torno de três a quatro meses. Há predominância discreta de infecções no sexo masculino.
“Este predomínio de BVA nos primeiros dois anos de vida se dá em decorrência da imaturidade do sistema imunológico neste período. O maior risco de doença grave se dá em crianças abaixo de dois anos de idade que nascem prematuros, sem tempo, portanto, para receber uma quantidade eficiente de anticorpos intraútero. A passagem de anticorpos neutralizantes transplacentários ocorre primordialmente no terceiro trimestre da gestação”, explica o pediatra.
Outros fatores para doença grave que acometem os prematuros:
- Reduzido calibre de vias aéreas;
- Imaturidade imunológica;
- Frequente desmame precoce;
- Baixa reserva energética.
Outros grupos, também, têm um maior risco de adquirir bronquiolite grave:
- Doença pulmonar crônica;
- Cardiopatia congênita;
- Hipertensão pulmonar;
- Portadores de doenças neuromusculares
Sintomas da bronquiolite
O período de incubação desde a infecção até o início dos sintomas varia de dois a oito dias. O período de transmissibilidade inicia 48 horas antes do início dos sintomas e vai até a melhora clínica do paciente, cita o pediatra.
Tem início com sinais de um resfriado comum, como:
- Espirro;
- Obstrução nasal;
- Coriza clara
- Tosse, podendo ou não ter febre associada;
- A dispnéia (desconforto respiratório) dificulta a alimentação e ocasiona vômitos, principalmente, após tosse intensa.
“A evolução é variável quanto à gravidade. Após 48 a 72 horas do início dos sinais de Infecção de Vias Aéreas Superiores (IVAS), pode ocorrer o período de piora, quando acontece aumento da frequência respiratória e sibilância (chiado no peito)”, acrescenta Yuri Picanço.
Sintomas possíveis:
- Coriza (nariz escorrendo);
- Tosse;
- Febre (temperatura ≥ 37,8°C);
- Respiração rápida;
- Dificuldade para respirar;
- Apneia (pausa na respiração por mais de 15 segundos);
- Chiado no peito;
- Taquicardia (batimento cardíaco rápido);
- Cansaço;
- Sonolência;
- Dificuldade para se alimentar;
- Dificuldade para sugar (bebês).
Tratamentos para bronquiolite
As crianças devem ser tratadas em domicílio, enquanto aquelas com dificuldade para respirar, dificuldade para mamar, para se alimentar, devem ser hospitalizadas, indica o neonatologista.
Outras medidas:
- Deve-se ter cuidado especial com o risco de apneia, insuficiência respiratória grave nas crianças com menos de dois meses e nos prematuros. Além da displasia broncopulmonar (doença pulmonar crônica causada pela lesão e disrupção do desenvolvimento pulmonar), doença cardíaca e imunodeficiência:
- Não tem um tratamento específico. O tratamento é de suporte e em geral os pacientes apresentam boa evolução.
Tratamento domiciliar deve ser recomendado e os cuidados devem ser orientados:
- Fazer higiene das mãos com água e sabão e/ou álcool a 70%;
- Fazer higiene da cavidade nasal com solução salina;
- Uso de antitérmicos, se necessário;
- Evitar tabagismo passivo;
- Manter alimentação normal para a idade da criança;
- Reavaliação médica se houver dúvidas ou se sinais de alerta presentes.
Quando internar?
- Episódios de apneia;
- Piora do estado geral (hipoatividade, retração torácica, frequência respiratória > 60 mpm, cianose central, saturação < 92%);
- Sinais de desidratação (língua seca, redução da diurese);
- Recusa alimentar (paciente com dificuldade para se alimentar);
- Idade menor que três meses;
- Presença de comorbidades: displasia, cardiopatia, imunodeficiência, doença neuromuscular.
Tratamento hospitalar
- Oxigênio: na saturação entre 90-92%, presença de esforço respiratório e em menores de três meses de idade;
- Oxímetro de pulso: monitorar a saturação de oxigênio;
- Hidratação venosa: para crianças com dificuldade de alimentação;
- Salina hipertônica: uso em pacientes com mais de três dias de internamento.
Como prevenir a bronquiolite?
A prevenção inclui medidas gerais:
- Lavagem das mãos;
- Uso de álcool gel;
- Evitar ambientes fechados e aglomerados, além de exposição a pessoas com quadros respiratórios;
- Incentivo ao aleitamento materno;
- Os bebês não devem ser expostos ao tabaco;
- Medidas de bloqueio de infecção hospitalar são necessárias e a higienização rotineira das mãos não deve ser negligenciada;
- Administração do Palivizumabe, que é um anticorpo monoclonal, o qual apresenta atividade neutralizante e inibitória da fusão do VSR no epitélio respiratório da criança.
“O palivizumabe é indicado em pacientes pediátricos de alto risco, menores de dois anos de idade, que inclui crianças prematuras (idade gestacional < 35 semanas), portadoras de doença pulmonar crônica da prematuridade e portadores de cardiopatia congênita hemodinamicamente significativa”, comenta o médico.
Existem novas perspectivas na prevenção da bronquiolite?
A Anvisa aprovou, em 30 de outubro, o Beyfortus (Nirsevimabe), da empresa Sanofi Medley Famacêutica. “Trata-se de um anticorpo monoclonal com potente atividade neutralizante contra o VSR. Deve ser aplicado em dose única e visa fornecer proteção durante toda a temporada do VSR para recém-nascidos e lactentes entrando em sua primeira temporada do VSR”, destaca Yuri Picanço.
O anticorpo Nirsevimabe também é indicado:
- Para crianças de até 24 meses de idade que permaneçam vulneráveis à doença grave:
- Doença pulmonar crônica da prematuridade;
- Doença cardíaca congênita hemodinamicamente significativa;
- Fibrose cística, doenças neuromusculares, imunocomprometidas;
- Síndrome de Down.
“Outra importante novidade é a vacina ABRYSVO, do laboratório Pfizer, já autorizada nos EUA pelo FDA (Agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA). Foi protocolado no Brasil em 28/08/2023 na Anvisa um pedido de registro desta vacina”, acrescenta o pediatra.
A ABRYSVO é uma vacina indicada para imunização ativa de gestantes com idade gestacional entre 32 a 36 semanas, para a prevenção de doenças do trato respiratório inferior causada pelo VSR em bebês desde o nascimento até os seis meses de idade. “Esta proteção ocorre através da passagem de anticorpos neutralizantes transferidos via transplacentária no terceiro trimestre de gravidez”, diz o médico.
*Yuri Picanço é pediatra, neonatologista e infectologista pediátrico. Formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), tem residência em Pediatria no Hospital Geral de Fortaleza (HGF), residência em Infectologia Pediátrica no HC UFC e residência em Neonatologia no HGF. Neonatologista da Meac-UFC. É membro da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM).