'Maçãs podres': 81 policiais foram acusados de envolvimento com o crime organizado no CE, em 3 anos

Série de reportagens do Diário do Nordeste mostra como o MPCE e a CGD intensificaram, nos últimos anos, investigações contra agentes de segurança e penitenciários suspeitos de delitos, no Estado

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
A Operação Gênesis, deflagrada pelo Gaeco pela primeira vez em 2020, expôs o envolvimento de policiais civis e militares com o crime organizado no Ceará
Legenda: A Operação Gênesis, deflagrada pelo Gaeco pela primeira vez em 2020, expôs o envolvimento de policiais civis e militares com o crime organizado no Ceará
Foto: Ilustração/ Diário do Nordeste

O policial tem como função pública proteger a sociedade. Mas alguns agentes preferem se associar a criminosos e ficam conhecidos como "maçãs podres" da Polícia. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Ceará (MPCE), denunciou 81 policiais por envolvimento com o crime organizado - principalmente com facções - nos últimos 3 anos.

A série de reportagens "Maçãs podres: Quadrilhas formadas por policiais viram alvos das autoridades", publicada pelo Diário do Nordeste entre 1º e 3 de novembro deste ano, mostra como o MPCE e a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD) intensificaram, nos últimos anos, investigações contra agentes de segurança e penitenciários suspeitos de delitos, no Estado.

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A Operação Gênesis, deflagrada pelo Gaeco pela primeira vez em 2020, expôs o envolvimento de policiais civis e militares com o crime organizado no Ceará e, por isso, se tornou um marco no combate às facções no Estado. De lá para cá, foram mais sete fases da Operação, além de outras três ofensivas policiais deflagradas pelo Órgão.

"Em 2016, nós começamos a investigar a atuação de facções em Fortaleza e na Região Metropolitana. Durante essas investigações, a partir das intercepções que foram feitas, nós percebemos o envolvimento desses faccionados, inclusive líderes, com policiais, em um verdadeiro consórcio criminoso", explica o coordenador do Gaeco, o promotor de Justiça Adriano Saraiva.

Um dos alvos do Gaeco, que o levou à trama entre agentes de segurança do Estado e traficantes, era Francisco Márcio Teixeira Perdigão, líder de uma facção criminosa paulista, com atuação em regiões como o Bom Jardim, em Fortaleza, e o Município de Maracanaú. Segundo as investigações, Márcio Perdigão tinha amizade com policiais, sendo que um deles até emprestava dinheiro para o faccionado.

Adriano Saraiva revela que os PMs se ligavam às facções "ora fazendo um esquema para divisão do lucro obtido pela venda de objetos apreendidos. E ora fazendo uma verdadeira proteção aos traficantes de determinados locais, inclusive passando informações privilegiadas do Sistema da Polícia, para que eles agissem livremente, sem a preocupação com a atuação da Polícia".

Nas oito fases, a Operação Gênesis visou cumprir um total de 99 mandados de prisão preventiva (contra agentes de segurança, ex-policiais e traficantes), além de 106 mandados de busca e apreensão, expedidos pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas e pela Vara da Auditoria Militar do Estado do Ceará, da Justiça Estadual.

Confira um resumo das oito fases da Operação Gênesis:

  • Primeira fase (setembro de 2020): foram cumpridos 17 mandados de prisão e de busca e apreensão em Fortaleza e em Maracanaú. Do total de alvos, nove eram policiais militares da ativa, três eram policiais civis da ativa e cinco eram civis (sendo quatro homens suspeitos de atuarem como traficantes e um policial civil aposentado, apontado como o líder da organização criminosa). Leia mais.
  • Segunda fase (outubro de 2020): foram cumpridos 16 mandados de prisão e de busca e apreensão em Fortaleza e em Caucaia. Entre os alvos estavam três policiais militares e três policiais civis da ativa, nove suspeitos de tráfico de drogas e um ex-policial militar. Leia mais.
  • Terceira fase (maio de 2021): foram cumpridos 26 mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão, sendo 21 contra integrantes de organizações criminosas (oito já recolhidos ao sistema penitenciário estadual) e cinco contra policiais militares do Ceará em Fortaleza e em Caucaia. Leia mais.
  • Quarta fase (julho de 2021): foram cumpridos 12 mandados de prisão preventiva e busca e apreensão, dentre eles sete mandados de condução coercitiva contra policiais militares e um mandado de prisão contra um militar apontado como líder do grupo, além de medidas cautelares restritivas em desfavor de todos dos suspeitos. Leia mais.
  • Quinta fase (setembro de 2021): foram cumpridos 5 mandados de prisão e de busca e apreensão expedidos pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas em Fortaleza e Pacatuba. Ainda houve o cumprimento de mandados em três unidades prisionais do Estado. Na ocasião, foi desarticulada uma organização criminosa dedicada ao tráfico de drogas ilícitas, receptação e desmanche de veículos roubados. Leia mais.
  • Sexta fase (fevereiro de 2022): foram cumpridos 6 mandados de prisão preventiva e 9 mandados de busca e apreensão, todos na cidade de Fortaleza, havendo ainda o cumprimento dos mandados em duas unidades prisionais do Estado do Ceará. Nessa fase da operação foi desarticulada uma organização criminosa conhecida nacionalmente, com atuação preponderante no bairro Jangurussu, na capital, e que se dedicava ao tráfico ilícito de drogas. Leia mais.
  • Sétima fase (abril de 2022): foram cumpridos 11 mandados de prisão preventiva e 12 mandados de busca e apreensão na Capital, na Região Metropolitana de Fortaleza e no interior do Estado. Na ocasião, foi desarticulado um núcleo que integrava uma facção criminosa com envolvimento em tráfico de drogas ilícitas, comercialização ilegal de arma de fogo, dentre outros crimes, com atuação preponderante na região dos bairros Serrinha e Itaoca, em Fortaleza.
  • Oitava fase (julho de 2022): 6 mandados de prisão preventiva foram cumpridos, sendo 3 contra policiais militares e 3 contra traficantes que atuavam como "informantes" da organização criminosa. Outros 3 PMs são investigados por integrar a quadrilha, mas a Justiça Estadual negou os mandados de prisão contra eles. Leia mais.

Três processos originados pela Operação Gênesis já tiveram sentenças condenatórias contra policiais. "O primeiro efeito positivo dessa Operação foi afastar esses policiais desses esquemas criminosos. E tem também o efeito pedagógico, de que não vale a pena cometer crime. O agente de segurança pública foi instruído para defender a sociedade e para combater o crime, e não para se associar a ele. Os bons policiais são a maioria", conclui Saraiva.

PMs envolvidos com tráfico de drogas e jogos de azar

Nos últimos anos, o Gaeco deflagrou outras duas operações para coibir organizações criminosas ligadas a facções. Em um caso, o objetivo da quadrilha era faturar com jogos de azar; e no outro, com o tráfico de drogas.

A Operação Crotalos, deflagrada em setembro de 2020, tinha como principal alvo um soldado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) suspeito de liderar uma organização criminosa, ligada a uma facção, que atuava no tráfico de drogas em Cascavel, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O agente de segurança tinha o apoio de familiares, como a companheira e o irmão, para vender drogas e cometer torturas, segundo o Gaeco.

Já a Operação Bet, deflagrada em dezembro de 2020, cumpriu mandados de prisão contra 8 policiais militares (sendo dois oficiais - tenentes - e seis praças - soldados e cabos), suspeitos de receberem propina para acobertarem o funcionamento de bingos e casas de jogos ilegais em Fortaleza.

Segundo Adriano Saraiva, os processos criminais gerados pelas duas operações estão em fase final e devem ser julgados pela Justiça Estadual nos próximos meses.

Esquema criminoso formado dentro de delegacia

Policiais civis, que pertenciam à Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD), também entraram no alvo do Gaeco, após serem investigados pela Polícia Federal (PF) na Operação Veredas Sombria - que tinha como vítima um homem de nacionalidade portuguesa. 

Ao descobrirem extorsões contra outras pessoas, além de outros crimes (como corrupção e tortura), os promotores de Justiça deflagraram a Operação Game Over, em setembro de 2021.

Nós descobrimos um esquema criminoso de delegados, juntamente com policiais, informantes e traficantes. A base de muita torturas e extorsões, eles cometiam crimes visando o lucro financeiro e flexibilizar prisões. Esse processo ainda está na fase inicial, estamos aguardando o início da instrução processual."
Adriano Saraiva
Promotor de Justiça e coordenador do Gaeco

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