Corrupção, extorsão e motim: 66 policiais foram denunciados por núcleo do MPCE, em 6 anos

No mês passado, o Núcleo de Investigação Criminal deflagrou uma nova operação para combater a suspeita de tortura em um presídio cearense

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Policiais penais suspeitos de corrupção foram alvos da Operação Masmorras Abertas, deflagrada em 2017
Legenda: Policiais penais suspeitos de corrupção foram alvos da Operação Masmorras Abertas, deflagrada em 2017
Foto: Ilustração/ Diário do Nordeste

Policiais que desviam a função pública para cometerem crimes e obterem vantagens financeiras e poder. Esses são alguns dos alvos do Núcleo de Investigação Criminal (Nuinc), do Ministério Público do Ceará (MPCE), que, em seis anos de existência, denunciou 66 agentes, por crimes como corrupção, extorsão e motim.

A série de reportagens "Maçãs podres: Quadrilhas formadas por policiais viram alvos das autoridades", publicada pelo Diário do Nordeste entre 1º e 3 de novembro deste ano, mostra como o MPCE e a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD) intensificaram, nos últimos anos, investigações contra agentes de segurança e penitenciários suspeitos de delitos, no Estado.

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O Nuinc foi criado em 2016 para abranger investigações especiais. Entre elas, contra policiais investigados por crimes de impacto coletivo, mas que não têm relação com o crime organizado, o que é de atribuição do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco); nem com pessoas de foro privilegiado, o que é de responsabilidade da Procuradoria de Justiça dos Crimes Contra a Administração Pública (Procap).

O Núcleo de Investigação Criminal serve para investigar todo e qualquer delito de pessoas que são economicamente expostas, que têm muito dinheiro e que podem usar desse poder econômico para tentar evitar uma investigação na Polícia Civil ou em qualquer outro órgão, como também aquilo que causa grande repercussão social. Ou então quando o Procurador-Geral entende que determinado crime deve ser investigado, ele chama o Nuinc, como foi o caso do Exposed Fortal ou do guru espiritual da comunidade Afago", explica o coordenador do Núcleo, o promotor de Justiça Humberto Ibiapina.

As principais ações desenvolvidas pelo Nuinc foram a Operação Masmorras Abertas, que desarticulou um esquema de corrupção no Sistema Penitenciário do Ceará, em 2018; a Operação Espanta Raposa, contra um esquema de corrupção e extorsão formada por policiais militares, na Região Norte do Estado, em 2019; a denúncia contra um bombeiro militar e vereador por Fortaleza, por participação no motim dos militares de 2020; e, por fim, a Operação Martírio, deflagrada no mês passado para combater torturas em um presídio cearense.

Policiais acusados de corrupção aguardam julgamento

Tanto policiais penais, alvos da Operação Masmorras Abertas, como militares (inclusive oficiais) presos na 'Espanta Raposa', ainda aguardam julgamento na Justiça Estadual, 4 e 3 anos após a deflagração das operações.

A primeira Operação, deflagrada pelo Nuinc com apoio da CGD, em abril de 2018, atingiu a alta cúpula da antiga Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus) - substituída pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) - por corrupção e crimes administrativos, em presídios na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Sete agentes penitenciários foram afastados das funções por 120 dias - dentre eles seis tinham cargos de gestão: Edmar de Oliveira Santos, ex-titular da Coordenadoria do Sistema Penal (Cosipe); Celso Murilo Rebouças de Mendonça, ex-adjunto da Cosipe; Paulo Ednardo Oliveira de Carvalho, ex-coordenador de Patrimônio da Sejus; Herlano Walquer Falcão Macieira, ex-diretor da Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL) II; Francisca Celiane de Almeida Celestino, ex-diretora do Centro de Triagem e Observação Criminológica (Cetoc); Mauro César Ximenes Andrade, ex-diretor adjunto da CPPL I; e João Augusto de Oliveira Neto, agente penitenciário.

A Operação Masmorras Abertas iniciou-se com a constatação de que os presídios da Região Metropolitana de Fortaleza estavam com presos possuindo celulares e outras regalias. O Ministério Público do Ceará fez inspeções para fazer a busca e apreensão e arrancou, de dentro dos presídios, muitos aparelhos celulares. Com isso, a gente teve a certeza de que a entrada desses aparelhos era fruto de corrupção."
Humberto Ibiapina
Promotor de Justiça e coordenador do Nuinc

O processo criminal tramita sob sigilo de Justiça, na Comarca de Itaitinga. "Infelizmente, a instrução criminal ainda não começou. O processo está aguardando, obviamente, os encaminhamentos da Justiça. O que nós sabemos hoje é que é um processo muito volumoso. Já foi declarada a situação de incompetência da Comarca, mas o Tribunal de Justiça determinou que o processo voltasse para Itaitinga", explicou Ibiapina.

Já a Operação Espanta Raposa, deflagrada pelo Nuinc em março de 2019, desarticulou uma suposta quadrilha formada dentro do Batalhão da Polícia do Meio Ambiente (BPMA), da Polícia Militar do Ceará (PMCE), em Sobral, que cometeria crimes como corrupção e extorsão, na Região Norte do Estado.

O tenente-coronel Paulo de Tasso Marques de Paiva (comandante da unidade do BPMA de Sobral); o major Francisco Marcelo Nantuã Beserra; os sargentos Raimundo Nonato Cruz, Jorge Luís de Sousa, Marcelo Cristiano de Melo, Reginaldo Bento de Araújo, Antônio Barbosa Filho e Décio Alves Fernandes; e o soldado Pablo Weslly Cavalcante de Sousa foram presos no dia da Operação e, depois, se tornaram réus na Justiça. Hoje, eles respondem em liberdade.

"Os policiais exigiam dinheiro para não fazer prisões ou para deixar passar determinadas situações irregulares. Essas denúncias chegaram aqui e nós fizemos uma investigação preliminar, quando constatamos que, de fato, existiam fortes indícios desses atos de transgressão. Inclusive, o processo já está bem encaminhado. Nós estamos aguardando a sentença do magistrado", revela o coordenador do Nuinc.

Vereador por Fortaleza denunciado pelo motim

O Nuinc também investigou representantes de associações militares, suspeitos de envolvimento no motim de policiais e bombeiros, em fevereiro de 2020. Dentre 11 pessoas, o único militar denunciado foi o Sargento Reginauro, vereador por Fortaleza e eleito deputado estadual pelo Ceará neste ano.

Reginauro Sousa Nascimento virou réu na Justiça Estadual pelos crimes militares de motim, incitamento, aliciação para motim, omissão de lealdade e inobservância de lei, regulamento ou instrução, no último dia 14 de setembro.

A promotora de Justiça Alice Aragão, integrante do Nuinc, detalhou que a participação de Reginauro no motim ficou comprovada "a partir de publicações nas redes sociais, vídeos, chamamentos, depoimentos de testemunhas. O que se postou na Internet foi muito importante para as nossas investigações".

Ao ser questionado sobre a decisão judicial, o vereador se disse surpreso, em nota: "E essa surpresa se dá pela denúncia partir do MPCE, que, assim como eu, integrou a Comissão criada pelo governo para mediar o conflito, na figura do Procurador Geral de Justiça, doutor Manoel Pinheiro. Ele é testemunha de todo o meu esforço para por fim ao impasse entre o governo do Estado e os militares".

Policiais penais são presos por tortura

O Nuinc e a CGD deflagraram a Operação Martírio, no último mês de outubro, para apurar indícios de tortura contra detentos da Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II (UPPOO II), em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Mais de 100 internos foram levados à Perícia Forense do Ceará (Pefoce), onde passaram por exames de corpo de delito. Destes, pelo menos 70 apresentaram lesões e hematomas no rosto, braços ou pernas.

Quatro policiais penais foram presos, por suspeita de cometer as agressões: o diretor da UPPOO-II, Pedro Paulo Sales Damata; o diretor-adjunto da Unidade, Thiago Phelipe Mariano de Sousa; e os agentes Daniel George Abreu Andrade e Eduardo Caldeira Rodrigues.

A reportagem do Diário do Nordeste apurou que a Unidade Penitenciária se tornou palco de sessões de tortura, com enforcamento, inalação a gás e pisões na cabeça. Os internos ainda foram obrigados a beber 'asseptol' e banhados com água sanitária, conforme depoimentos das vítimas.

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