Enforcamento e inalação de gás: as sessões de tortura praticadas por policiais nos presídios do CE

Quatro policiais penais foram presos, dentre eles o diretor do UPPOO II.

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: A ordem para os detentos ficarem sem roupa partia dos policiais penais
Foto: Reprodução

O que se passa dentro de uma unidade prisional? A depender de quem 'está no comando' a realidade dentro de um presídio pode ser cruel e compor práticas criminosas. A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso a documentos onde constam, com detalhes, os requintes de crueldade perpetrados por policiais penais na Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II (UPPOO II), em Itaitinga.

Ao invés de ser um equipamento para a ressocialização, o espaço se tornou palco de sessões de tortura, com enforcamento, inalação a gás e pisões na cabeça. Dentro da prisão, internos foram obrigados a beber 'asseptol' e banhados com água sanitária, conforme depoimentos das vítimas.

Quatro policiais penais foram presos sob suspeita de tortura: Pedro Paulo Sales Damata (diretor do UPPOO II), Thiago Phelipe Mariano de Sousa (diretor-adjunto da mesma unidade), Daniel George Abreu Andrade e Eduardo Caldeira Rodrigues. Juntos, eles teriam cometido 18 crimes de tortura, em um dia.

Dezenas de presos foram ouvidos a fim das autoridades aprofundarem as investigações sobre o que até então eram "supostas condutas irregulares que estariam ocorrendo nos últimos dias no interior da Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira". Os depoimentos são reveladores e indicam que a prática criminosa havia se enraizado como rotina no prédio.

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Legenda: As cenas foram registradas e extraídas do circuito interno das unidades. Posteriormente, os exames constataram as agressões.
Foto: Reprodução

PRESOS ERAM OBRIGADOS A FICAR NUS E DANÇAREM

Detentos do UPPOO II mencionaram a existência de um ambiente nominado pelos policiais penais como “Quartinho do Amor”, local reservado da unidade prisional, posicionado próximo ao parlatório, onde eram realizadas sessões de tortura contra internos.

Constam nos depoimentos que os internos seriam obrigados a se despir e dançar para os policiais penais músicas infantis ou constrangedoras. Um dos presos mencionou ter sido “obrigado a dançar a música Conga la Conga, sempre nu”.

Em outras oportunidades, os policiais penais da unidade teriam mandado os detentos ficarem sem roupa e exigido "uma espécie de encenação teatral, onde um detento ficaria “de quatro” e outros dois detentos ficariam sentados em cima, simulando uma equipe de policiais militares sobre a moto".

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Para os investigadores, ficou evidente que os episódios de violência física e mental não são fatos isolados, mas um comportamentos desvirtuados e corriqueiros desses profissionais, cenário que autoriza a conclusão quanto à ofensa permanente à ordem pública por parte desses agentes de segurança".

Questionada sobre as prisões, a Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará (SAP-CE) respondeu que "todas as medidas solicitadas pela decisão do Poder Judiciário, nesse caso, foram acatadas e seguidas pelo comando da Pasta, inclusive o afastamento imediato dos referidos policiais penais de todas as suas atribuições no sistema prisional cearense". 

A rapidez e eficiência das ações possibilitaram uma investigação correta, célere e transparente das denúncias em questão. A SAP repudia qualquer ato que possa atentar contra a integridade física e emocional das pessoas privadas de liberdade e se coloca à disposição das autoridades competentes para o que for necessário."
Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará (SAP-CE)
Em nota

O QUE ACONTECEU NOS DIAS 20 E 21 DE SETEMBRO DE 2022

As autoridades chegaram ainda mais perto de desvendar os crimes cometidos dentro da unidade depois dos registros nos dias 20 e 21 de setembro de 2022. Os agentes passaram a ser investigados pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD).

No dia 22 de setembro, a CGD disse que assim que tomou conhecimento da denúncia "adotou todas as providências cabíveis para iniciar a investigação por meio da DAI". A denúncia foi recebida por um juiz da Corregedoria dos Presídios, que realizou uma vistoria na Unidade Penitenciária, com outros órgãos como Ministério Público e Defensoria Pública, e presenciaram indícios de tortura.

A Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará (SAP) informou que "todos os internos foram encaminhados para a execução dos exames de corpo de delito"

As cenas foram registradas e extraídas do circuito interno das unidades. Posteriormente, os exames constataram as agressões. Os detentos teriam atendido ao chamado dos policiais, e mesmo assim foram alvos de socos, chutes, chineladas no rosto, agressões com uso de cassetete e tonfa, pisões na cabeça, torção de dedos, enforcamento, inalação de gás de pimenta, ameaças de flagrante forjado, além de terem sido obrigados a se despir e ficarem desnudos até a manhã do dia seguinte, inclusive com as peças de roupas molhadas.

"De fato, após inspeção realizada pelas autoridades nas dependências daquela unidade penitenciária, mais precisamente na Ala de Isolamento, foram identificados diversos presos com escoriações, hematomas e lesões corporais variadas, todas sugestivas de acontecimentos recentes, contexto que em muito emprestou credibilidade às palavras do detento", diz trecho de um dos documentos.

VEJA TRECHOS:

"Como se não bastassem as modalidades de violência mencionadas acima, outras tantas foram relatadas como sendo cometidas naquela mesma noite. O detento Paulo (nome fictício), conforme será melhor explanado adiante, citou que fora "algemado durante as agressões e os agentes o levantaram e colocaram o declarante de cabeça para baixo dentro do tanque de água que fica dentro da cela para os internos tomarem banho”.

O detento Cláudio (nome fictício), por sua vez, mencionou que os agentes “(...) mandaram entrar em procedimento, formaram três filas nus, sentados no chão da cela, com a genitália de um encostando na bunda do da frente e as pernas encangadas no quadril do da frente” (circunstância confirmada também por outros quatro internos)

"ESTAMOS CONCLUINDO A MISSÃO"

A investigação das autoridades registrou que, "após as agressões cometidas contra os detentos da UPPOO 2, ocorridas aos 20.09.2022, fora, de imediato, providenciada a audiência extrajudicial, em sede policial, de 10 (dez) presos, cujos depoimentos são firmes em sustentar que fora perceptível uma mudança de comportamento dos policiais penais daquela unidade penitenciária após a assunção, no início do ano de 2022, pelo policial penal Pedro Paulo Sales da Mata, no cargo de diretor da unidade".

Quanto à presença física do diretor da UPPOO 2 na data dos fatos investigados, os 10 detentos ouvidos em sede policial afirmaram não tê-lo visto no momento das violências praticadas, "embora tenham presenciado nitidamente uma comunicação telefônica entre Mariano e Da Mata, onde o primeiro afirmava que 'Diga, meu Diretor. Você é o melhor. Estamos concluindo a missão '' '.

Após a confirmação dos fatos, os promotores do Núcleo de Investigação Criminal (Nuinc), do Ministério Público do Ceará (MPCE) destacaram a necessidade da decretação da prisão preventiva, pedindo formalmente os mandados no dia 28 de setembro de 2022. Dois dias depois, o juiz se posicionou a favor das prisões e em 4 de outubro os mandados foram expedidos.

No início desta semana, MPCE e CGD deflagraram a Operação Martírio para cumprir os mandados. Primeiro, foram detidos Daniel e Eduardo. Pedro Paulo Sales Damata e Thiago Phelipe Mariano de Sousa se apresentaram às autoridades nessa quinta-feira (20) e foram presos.

 

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