Legislativo Judiciário Executivo

Quarentena para candidaturas de juízes, promotores e policiais pode trazer impactos ao Ceará

Analistas criticam o pouco tempo dado às discussões e também a personificação no debate dessa e de outras propostas na Câmara dos Deputados

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
PM
Legenda: Agentes de segurança, juízes e promotores são algumas das categorias que devem passar por quarentena antes de concorrer a uma eleição
Foto: Kid Júnior

Apesar da resistência no Congresso, uma articulação de deputados federais do Centrão e da oposição ao Governo Bolsonaro conseguiu aprovar, na madrugada de quinta-feira (16), uma nova regra eleitoral que estabelece quarentena para juízes, promotores e agentes de segurança pública.

A medida, incluída no Código Eleitoral, gerou embate entre grupos políticos por atingir muitos interesses. A nova regra poderá ser aplicada apenas em 2026. No Ceará, a medida também traz impactos eleitorais

A aprovação da proposta se confirmou na Câmara, mas segue gerando polêmica entre parlamentares. Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste apontam uma preocupação dos legisladores com a crescente politização destas categorias, o que seria danoso para a democracia. Entretanto, a pressa na aprovação nas alterações da legislação eleitoral pode ser prejudicial, na avaliação deles.

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A discussão em torno da criação da quarentena para algumas categorias de profissionais esbarrou, inclusive, no debate da sucessão presidencial. Parlamentares criticaram, por exemplo, que uma quarentena já para as eleições de 2022 impediria uma candidatura do ex-juiz federal, Sérgio Moro, que ganhou notoriedade após a operação Lava-Jato. 

Apesar de não confirmar pré-candidatura à Presidência, aliados e apoiadores de Moro defendem o nome dele para a disputa do próximo ano. O Podemos, que tem interesse em filiar o ex-ministro, foi um dos partidos que votou contra a quarentena. Também foram contra PSL, Novo, PSOL e PV.

 No Ceará, a medida também traz impactos eleitorais. Grupo político capitaneado pelo deputado Capitão Wagner (Pros) - oposição ao governador Camilo Santana e ao PDT, dos irmãos Ferreira Gomes - tem como uma das principais bases eleitorais agentes de segurança, especialmente militares. Apesar de não ter impacto em que já exerce mandato eletivo, a regra pode vir a prejudicar futuros candidatos vinculados à estas categorias. 

Mudança no prazo da quarentena

Um trecho do texto-base do novo Código Eleitoral - aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada - já trazia a previsão de uma quarentena válida já para 2022, mas a regra foi derrubada no plenário.

Câmara dos Deputados
Legenda: A Câmara dos Deputados concluiu, na madrugada desta quinta-feira (16), a votação do novo Código Eleitoral
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Depois da derrota, líderes do centrão e da oposição costuraram um acordo para retomar a quarentena por meio de um mecanismo chamado "emenda aglutinativa". 

Nela, fica estabelecido que juízes e membros do Ministério Público terão de se afastar definitivamente de seus cargos e funções quatro anos antes do pleito. De igual forma, a norma valerá para policiais federais, rodoviários federais, policiais civis e guardas municipais.

Quanto a militares e policiais militares, os quatro anos deverão ser anteriores ao começo do período de escolha dos candidatos e das coligações previsto para o ano eleitoral - agendado para o dia 20 de julho.

"A ideia é que, essas pessoas se mantendo na atividade, elas estariam em situação de vantagem, porque (por exemplo) estaria em contato direito com as tropas. Ou, no caso do juiz, pode criar empecilhos para um possível concorrente". 
Cleyton Monte
Cientista político

Pressa na discussão da quarentena

Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), ele afirma que há "um movimento, que não é consensual, de tentar barrar a militarização e a judicialização da política". 

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Movimentos como o motim dos agentes de segurança ocorrido no Ceará, no começo de 2020, e o aumento da "inserção do bolsonarismo nas tropas" é visto como algo que "poderia criar problemas sérios nas eleições", completa Monte. 

Também pesquisadora do Lepem-UFC, a socióloga Paula Vieira argumenta que, embora entenda as razões por trás da aprovação da quarentena, o processo acelerado de tramitação dificulta o debate. Um problema que é comum a todo o novo Código Eleitoral, completa ela. 

"O que considero prejudicial é que, mesmo o Código sendo estudado desde o início do ano, ele não foi debatido. Quando se pensa no imediato, se tem pouca reflexão sobre as consequências futuras".
Paula Vieira
Pesquisadora do Lepem-UFC
 

Impacto nas candidaturas 

Outro prejuízo é quando ocorre a personalização de regras eleitorais que, se aprovadas, serão aplicadas a qualquer candidato. No caso da quarentena, Sérgio Moro foi citado, mais de uma vez, e aliados chegaram a acusar os defensores da quarentena de querer acabar com a candidatura do ex-juiz. 

"A legislação tem que ter um caráter universal, tem que ter uma finalidade para além de figuras que possam ser prejudicadas. Então, isso é muito negativo. Ao mesmo tempo, acontece demais", ressalta Monte.

Outro projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados ainda pode ter impacto sobre a corrida presidencial em 2022. O deputado federal Cabo Junio Amaral (PSL-MG) apresentou proposta que pretende tornar inelegível, por oito anos, o cidadão que tenha sido condenado à prisão - mesmo que as condenações tenham sido revogadas pela Justiça. 

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A aprovação deste texto antes de outubro poderia impedir, por exemplo, a pré-candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Quando (a proposta) é para o imediato, o interresse é mais pontual e perdemos a referência de como funciona. E, enquanto estivermos de frente a pautas imediatas, que não tenham um debate, uma discussão, a população não vai ter confiaça no sistema e nas instituições", afirma Vieira. 

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