Qual a importância do Fundo Eleitoral na eleição municipal mais cara da história
Ao todo, R$ 4,9 bilhões serão disponibilizados aos partidos políticos para financiarem campanhas em todo o Brasil
Com R$ 4,9 bilhões, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido como Fundo Eleitoral, será o mais expressivo da história das eleições municipais. O montante é duas vezes maior que o o disponibilizado em 2020, no último pleito em que prefeitos e vereadores foram eleitos — naquele ano os partidos políticos tiveram à disposição R$ 2 bilhões.
A disponibilização do recurso foi garantida ainda no ano passado, com a aprovação do Orçamento da União pelo Congresso Nacional e a posterior sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas qual a relevância desse recurso ao ser injetado nas campanhas eleitorais que buscam ocupar o Poder Executivo e como esse dinheiro deverá ser usado pelos partidos políticos?
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O Diário do Nordeste conversou com especialistas no Direito Eleitoral para entender as dinâmicas que a fonte de recursos mobiliza e mapeou, a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quanto cada partido político com pré-candidaturas nos quatro maiores colégios eleitorais do Ceará — Fortaleza, Caucaia, Juazeiro do Norte e Sobral — deverá receber.
Como o Fundo é dividido
Pelo que prevê a legislação, as 32 legendas partidárias registradas na Justiça Eleitoral têm direito a uma parcela do Fundo Eleitoral. O volume, entretanto, é maior para aquelas que cumprem requisitos como a ocupação de cadeiras no Legislativo federal e a quantidade de votos obtidos por senadores que integram a sigla na última eleição.
Os critérios de distribuição do Fundo Eleitoral entre as legendas partidárias estão fixados com base na Lei das Eleições, assim:
- 2% do valor total é dividido igualitariamente entre todas as agremiações com estatutos registrados no TSE;
- 35% do FEFC é repartido entre siglas que tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por eles obtidos na última eleição geral para a Casa;
- 48% é dividido entre os partidos, na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados, consideradas as legendas dos titulares;
- 15% é dividido entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado Federal, consideradas as legendas dos titulares;
Em 2021, o Congresso promulgou uma reforma eleitoral que promoveu, dentre outras modificações, o incentivo às candidaturas de mulheres e pessoas negras por meio do estabelecimento de parâmetros para a distribuição de valores aos partidos políticos.
Conforme estabeleceu a mudança, os votos dados a candidatas mulheres e pessoas negras na última eleição geral passaram a ser contados em dobro no cálculo de proporcionalidade de votos realizado pelo TSE para a distribuição do fundo.
Os quatro maiores colégios do CE
Fortaleza, Caucaia, Juazeiro do Norte e Sobral representam os municípios com os maiores quantitativos de eleitores do Estado. Por conta do aumento no volume de recursos disponíveis para os partidos pelo FEFC, a corrida eleitoral nesses colégios poderá ter um aparato maior de campanha.
De acordo com um levantamento de pré-candidaturas nestas cidades, 12 partidos já lançaram nomes para disputas eleitorais pelo comando dos quatro maiores municípios em outubro. Cada sigla, seguindo a divisão divulgada pelo TSE, terá, nacionalmente, verbas milionárias para investir em seus postulantes ao Executivo e ao Legislativo muncipal em todo o Brasil. A distribuição para as campanhas é decidida pelos líderes nacionais em articulação com as presidências locais.
O Partido Liberal (PL), que tem como pré-candidatos o deputado federal André Fernandes (em Fortaleza), o militar Coronel Aginaldo (em Caucaia) e o instrutor de tiro David Vasconcelos (em Sobral), ocupa o primeiro lugar no ranking de maiores recebedores de recursos, já que tem à sua disposição R$ 886,8 milhões.
O Partido dos Trabalhadores (PT), que já escolheu o deputado estadual Evandro Leitão em Fortaleza, o ex-secretário estadual Waldemir Catanho em Caucaia e o deputado estadual Fernando Santana em Juazeiro do Norte, terá direito ao segundo maior montante do fundo: R$ 619,8 milhões.
Esse é o montante do Fundo Eleitoral para 2024
O União Brasil (UNIÃO), por sua vez, tem o ex-deputado federal Capitão Wagner como pré-candidato em Fortaleza e o deputado estadual Oscar Rodrigues em Sobral, e receberá R$ 536,5 milhões do Fundo Eleitoral.
O Partido Social Democrático (PSD) só tem um pré-candidato na lista de colégios eleitorais citados, o ex-deputado federal Naumi Amorim, que foi lançado para a disputa pelo Paço Municipal de Caucaia. A sigla terá R$ 420,9 milhões para direcionar aos postulantes.
O Podemos (PODE), que disponibilizou a legenda para a tentativa de reeleição do prefeito de Juazeiro do Norte, Glêdson Bezerra, contará com R$ 236,6 milhões.
Já o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), da deputada estadual Emília Pessoa, que é pré-candidata em Caucaia, terá um total de R$ 147,9 milhões.
Com uma diferença um pouco menor, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), da ex-governadora Izolda Cela, que já foi lançada para a disputa em Sobral, terá uma carteira de R$ 147,6 milhões.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT), do prefeito fortalezense e pré-candidato à reeleição, José Sarto, e do pré-candidato em Caucaia, Zé Gerardo Arruda, tem o oitavo maior orçamento entre os listados, já que o FEFC disponibilizou para ele R$ 173,9 milhões.
Anunciaram que terão pré-candidatos nos 4 maiores colégios do Ceará
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), do produtor cultural Técio Nunes (pré-candidato em Fortaleza) e do professor Germano Lima (pré-candidato em Juazeiro do Norte) terá R$ 126,8 milhões.
Enquanto isso, o Partido Novo (NOVO), que deverá ser representado em Fortaleza pelo senador Eduardo Girão e em Sobral por Edna Guerra, contará com R$ 37,1 milhões.
Abaixo dos dois dígitos, o Agir36, que terá Pedro Aurélio Aragão em Sobral, e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que lançou Zé Batista em Fortaleza, terão acesso ao mesmo volume do fundo: R$ 3,4 milhões.
Composições de chapas majoritárias com partidos que tenham fatias expressivas do Fundo Eleitoral poderão ampliar ainda mais a carteira de campanha dos postulantes, já que os diretórios das agremiações com vices também contribuem financeiramente com percentuais do dinheiro que recebem do Tesouro Nacional.
Quem tem direito ao recurso
Em tese, qualquer candidato ou candidata poderá ter acesso ao dinheiro. Isso foi o que explicou Francisco Medina, coordenador da Especialização em Direito e Processo Eleitoral da Universidade de Fortaleza (Unifor).
"Candidatos a cargos eletivos municipais, como prefeitos e vereadores, têm direito a acessar esses recursos por meio de seus partidos, desde que cumpram com as exigências e regulamentações estabelecidas pelo partido e pela legislação eleitoral", alegou.
Entretanto, os partidos têm autonomia para distribuí-lo internamente. Desta maneira, as estratégias elaboradas pelos partidos são consideradas nos processos. "Em geral, esses critérios levam em consideração fatores como a viabilidade eleitoral do candidato, a importância estratégica do município, o histórico eleitoral e a necessidade de promover a diversidade de candidaturas", reforçou Medina.
As diretrizes utilizadas pelas cúpulas partidárias na repartição, assim como os valores investidos em cada candidato, devem ser tornadas públicas. Os percentuais obrigatórios para o financiamento de candidaturas femininas e a proporcionalidade para candidaturas de pessoas negras (pretos ou pardos) também devem ser obedecidos.
A legislação prevê que pelo menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral devem ser aplicados pelas siglas em candidaturas femininas. As agremiações também são obrigadas a direcionar verbas para postulantes negros, de maneira proporcional ao número dessas candidaturas.
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Professor de Direito da Unifor, Emmanuel Girão lembrou que a instituição do FEFC aconteceu como uma alterativa encontrada pelo Legislativo a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional a doação de dinheiro para campanha por empresas e pessoas jurídicas.
Além dos valores vindos do Fundo Eleitoral, pessoas físicas podem direcionar recursos para seus candidatos, complementando o orçamento das campanhas eleitorais - o que faz o financiamento da corrida eleitoral ter um modelo misto no país.
O docente reforçou a leitura do colega quanto a proporcionalidade entre mulheres e pessoas negras. "Por exemplo, se um partido quiser 50% de candidatos homens e 50% de candidatas mulheres, ele vai ter que dividir o dinheiro meio a meio entre homens e mulheres", iniciou.
"E se o partido tiver 60% de candidaturas de pessoas brancas e 40% de pessoas negras, ele vai ter que usar 60% para os brancos e, no mínimo, 40% para os negros", discorreu em seguida.
A autonomia para distribuir, respeitadas as regras legais, alegou Girão, está respaldada pela Constituição Federal. Tal garantia dá o direito para legenda não direcionar recurso algum para determinados postulantes, se assim entender, sem que isso incorra em qualquer punição.
"Pode ter município que não receba nada, porque o partido não destinou nada para aquele município. É ele que decide onde é melhor utilizar esse dinheiro", frisou o entrevistado.
No que aplicar e qual a relevância
Na visão do coordenador da Especialização em Direito e Processo Eleitoral da Unifor, a relevância do Fundo Eleitoral nas campanhas municipais é significativa. "Esse montante é essencial para garantir a competitividade e a visibilidade das candidaturas, especialmente em um cenário de alto custo para campanhas eleitorais", ressaltou.
"O Fundo Eleitoral permite que os partidos possam financiar atividades essenciais, como produção de materiais de campanha, publicidade, contratação de pessoal, pesquisas eleitorais e eventos de mobilização", complementou.
Ainda segundo Francisco Medina, ele ajuda equilibrar as chances entre candidatos com diferentes capacidades de arrecadação de recursos. Esse feito, pelo que interpretou o professor, acaba "promovendo uma maior igualdade de condições na disputa eleitoral".
À reportagem, Medina enumerou uma lista de atividades de campanha que podem ser financiadas pelos recursos públicos. Estão nessa relação:
- A produção de propaganda eleitoral, como panfletos, santinhos, jingles, vídeos e posts em redes sociais;
- Contratação de serviços de consultoria e marketing político;
- Realização de eventos de campanha, como comícios, carreatas e reuniões;
- Pagamento de aluguel de espaços físicos para comitês de campanha;
- Despesas com transporte e alimentação para a equipe de campanha;
- Produção e distribuição de material gráfico e digital;
- Pagamento de despesas com advogados e contadores para cumprimento das obrigações legais e fiscais da campanha.
A Lei Eleitoral detalha regras sobre a movimentação financeira das campanhas. E cada gasto deve ser especificado na prestação de contas enviada pelos candidatos à Justiça. Conforme falou Emmanuel Girão, existem restrições de gastos que podem ser arcados com dinheiro de campanha, não somente os que são obtidos pelo Fundo Eleitoral.
"De repente você descobre que uma candidata pegou o dinheiro do Fundo Eleitoral e pagou R$ 15 mil numa harmonização facial. Isso daí não tem a ver com a eleição", salientou Girão, apontando que ilícitos como o mencionado poderão incorrer em punições.
Ele indicou duas possibilidades: "A primeira consequência vai ser a desaprovação das contas de campanha. A a segunda é que pode haver uma ação que é uma uma representação por violação à Lei Eleitoral. Essas , elas tendo gravidade, podem ensejar na cassação do registro, cassação do diploma e em 8 anos de inelegibilidade".
Em situações mais graves, argumentou o especialista, o ilícito poderá ocasionar em prisão. "E se houver desvio ou uma apropriação indevida desses recursos. Isso daí constitui crime e a pessoa pode ser responsabilizada criminalmente", finalizou.