O que está em jogo na indicação de Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal
Especialistas apontam que a indicação não surpreendeu, apesar de gerar controvérsias
Depois de quase três meses da saída do ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) oficializou, nessa semana, a indicação do advogado Cristiano Zanin Martins para a vaga de ministro do STF.
Principal nome cotado pelo petista desde o início do seu terceiro mandato, a confirmação do favoritismo de Zanin não é à toa e revela a confiança do presidente, no âmbito pessoal e profissional, no advogado.
Apesar da indicação gerar controvérsias pela proximidade entre os dois, especialistas apontam que o critério "confiança" para a escolha de um nome que irá integrar o Supremo já é tradicionalmente utilizado por aqueles que passaram pela Presidência da República. Como exemplo, eles citam as nomeações:
- Do ex-ministro Marco Aurélio de Mello (aposentado em 2021), indicado então ex-presidente Fernando Collor (à época do MDB) em 1990;
- Do ex-ministro Nelson Jobim (aposentado em 2006), em 1997, e do ministro Gilmar Mendes, em 2002, ambos indicados durante pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB);
- Do ministro Dias Toffoli, indicado por Lula (PT) no seu segundo mandato, em 2009;
- Do ministro Alexandre de Moraes, indicado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) em 2017;
- E do ministro André Mendonça, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2021.
Na lista, há parentes de sangue, ex-advogados de partidos e ex-advogados-gerais da União (AGU) — nomeados pelos mesmos ex-presidentes que também o indicaram ao STF. Por isso, especialistas avaliam que o "eventual desgaste" que a indicação de Zanin pode trazer para Lula não foi suficiente para fazê-lo desistir. Ademais, o "notório saber" do advogado é amplamente reconhecido por juristas, que destacam o bom trânsito de Zanin no Supremo Tribunal Federal.
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Linha sucessória e rito
O ex-ministro Ricardo Lewandowski deixou o STF, oficialmente, em 11 de abril deste ano, para se aposentar. No Tribunal, os ministros podem permanecer no cargo até completar 75 anos, idade que Lewandowski completaria um mês após a data em que se aposentou. Ao todo, 11 ministros compõem o pleno do Tribunal. Eles só deixam o cargo se pedirem para se aposentar, por aposentadoria compulsória (quando atingem a idade limite) ou se falecerem. É dessa forma que a linha sucessória do Supremo é aberta.
Com a cadeira de Lewandowski vaga, cabe ao presidente da República indicar um novo nome para ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, posteriormente, aprovado pelo plenário por maioria simples (41 dos 81 senadores). Por isso, a indicação deve ter aprovação de maioria da Casa.
O indicado precisa ter mais de 35 anos e menos de 75, notável saber jurídico e reputação ilibada. O rito será aplicado a Cristiano Zanin. A indicação dele já está no Senado, aguardando data para sabatina na CCJ. Se for aprovado pelo Senado, Zanin poderá oficialmente ser nomeado como ministro do STF. Depois disso, poderá tomar posse.
Para os especialistas ouvidos pela reportagem, o nome dele deve ser aprovado pelos senadores, caso contrário não seria apresentado. Além disso, eles apontam o bom trânsito do advogado como um dos pontos favoráveis a Zanin.
Ao anunciar, na quinta-feira (1º), que recebeu a indicação de Zanin, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), disse que o advogado "reúne condições" para ser ministro. No mesmo dia, Lula também se pronunciou e disse que acredita que Zanin se "transformará em um grande ministro da Suprema Corte".
Processo de escolha
Pesquisadora dos campos da comunicação, ciência política e direito, a cientista política Grazielle Albuquerque aponta que o fato de Zanin ter sido advogado pessoal de Lula é "peculiar", mas que a relação de proximidade é praxe comum entre os mandatários. Por isso, o critério não é surpresa.
"Por exemplo, Gilmar Mendes foi advogado-geral da União do FHC e foi escolhido pelo FHC. Ou seja, havia proximidade, mas o Gilmar Mendes ocupava uma carreira de Estado. Nelson Jobim tinha sido ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, foi escolhido. O André Mendonça, escolhido pelo Bolsonaro, tinha sido AGU e ministro da Justiça (de Bolsonaro). O ex-ministro Marco Aurélio era primo do Collor. Então, se você olhar no tempo, níveis de proximidade já ocorreram. O próprio Toffoli tinha aproximação com PT, você pode dar uma olhada na biografia dele"
A pós-doutora em Teorias Jurídicas Contemporâneas, professora universitária e advogada, Soraia Mendes, também corrobora com o argumento da cientista política. Para Mendes, a proximidade de Zanin com Lula não deve descredibilizar a atuação dele como ministro, apesar de frustrar expectativas de movimentos da população que pediam mais diversidade na Corte, com mais representantes negros e mulheres.
Desde sua fundação, em 1981, o STF só teve três ministros negros e três ministras mulheres.
Conforme argumenta a professora, o histórico de atuação de Zanin no Judiciário mostra que ele tem um perfil "garantista", ou seja, que irá atuar para garantir os direitos básicos determinados pela Constituição. Apesar disso, ela diz que "não dá" para saber qual a intensidade do posicionamento do ministro.
"Em termos de garantismo, pelas ações que ele defendeu, eu não tenho dúvidas de que o Zanin é um garantista. Agora, por outro lado, ainda é uma incógnita que tipo de garantismo social defende o futuro ministro Zanin. Por mais que tenha sido difundido no senso comum, o garantismo não é tão somente o penal, mas também é social. É um compromisso com direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores, dos povos indígenas, dos grupos vulneráveis na sociedade. Em contraposição ao punitivismo, ele é um garantista. Mas nos resta saber se é um garantismo completo, que também se expressa nos direitos sociais. Nós precisamos muito de garantias no Supremo que sejam penais e que sejam no sentindo mais amplo, sociais"
Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará (UFC), Emmanuel Furtado Filho ressalta que a indicação de Zanin já era esperada, tendo em vista que o nome dele sempre foi defendido por Lula. Para ele, por mais que Zanin não tenha título de mestre e doutor, ele tende atuar "conforme a envergadura do Supremo, com compromisso com as garantias fundamentais e com a Constituição Federal".
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"De fato, o mestrado e doutorado ampliam bastante a visão do pesquisador e do estudioso do Direito. (A falta de títulos) é algo que pode ser passível de crítica, mas cada caso é um caso, cada trajetória profissional tem seus méritos e falhas. Não vejo que isso desabone a notoriedade do saber jurídico do doutor Zanin", acrescenta.
O professor explica que, via de regra, o Poder Judiciário tem um papel contramajoritário, por isso os ministros devem ter coerência com o que determina a Constituição. É isso que é esperado de Cristiano Zanin.
"Via de regra o Poder Judiciário e, especialmente a Suprema Corte do País, tem esse papel de, por vezes, ser contramajoritário, no sentindo de que as decisões que serão ali proferidas vão seguir o que está estabelecido na Constituição Federal. Muitas vezes as decisões podem desagradar a maioria, porque tem que seguir o determina a Constituição"
Representatividade
Para os especialistas, a indicação de Zanin atendendo a interesses "mais pessoais" de Lula pode dar indicativos do próximo nome a ser indicado pelo presidente para o STF. Em outubro, a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, deve atingir 75 anos e se aposentar. Com isso, uma nova vaga será aberta no Tribunal.
Emmanuel Furtado Filho avalia que cada escolha tem o seu contexto e por isso é muito cedo para projetar qual será o próximo nome definido por Lula. Todavia, ele acredita que é importante aliar os requisitos exigidos, como "reputação ilibada, integridade, profundo conhecimento jurídico" com atributos de representatividade regionais, étnicas, de orientação sexual, entre outras.
A advogada Soraia Mendes defende que a próxima indicação para a Corte aprofunde a problematização de falta de diversidade, já que uma das poucas mulheres que passou pela Casa sairá em outubro.
"O que me parece é que agora é inexorável que o presidente faça da indicação não só de "complementação" de uma "cota de mulheres", mas que ele aprofunde essa problematização da falta de diversidade na Corte entendendo que nós precisamos de mais representações. Se agora essa vaga foi ocupada por um homem cis, hétero, branco, isso nos dá ainda mais convicção de que a próxima vaga deve ser ocupada por uma mulher negra que não seja do mesmo parâmetro da Corte"
Perfil
Advogado de defesa de Lula processos penais da operação Lava Jato desde 2013, Zanin conseguiu anular a condenação de Lula no STF após demonstrar falhas no processo de julgamento do petista pelo então juiz Sérgio Moro. Aos 47 anos, ele já atua como advogado há duas décadas, principalmente em casos de litigância complexos.
Além da defesa de Lula, casos de destaque na carreira de Zanin envolvem sucessão e recuperação de empresas, como o processo de falência da Transbrasil e Varig.
Natural de Piracicaba, no interior de São Paulo, Cristiano Zanin é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 1999, se especializando em Direito Processual e Empresarial.
Junto com a esposa Valeska Teixeira Zanin Martins, que também é advogada, Zanin têm escritório em São Paulo e em Brasília. Valeska é filha de Roberto Teixeira, um dos fundadores do PT e amigo íntimo de Lula. Foi ele quem intermediou a atuação de Zanin na defesa do petista.
Mesmo quando juristas recomendavam que Lula fizesse acordo para obter prisão domiciliar no âmbito da Lava Jato, e cumprir a sentença utilizando tornozeleira eletrônica, Zanin sempre apontou falhas na condução do processo que condenou o presidente e acreditou na anulação da condenação do petista. Foi pela sua atuação, segundo avaliam os especialistas, que ele ganhou a confiança de Lula.