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Eleições de 2024: o que os especialistas apontam como marcos da disputa pela Prefeitura de Fortaleza

O PontoPoder conversou com especialistas sobre os marcos das eleições municipais na capital cearense

Escrito por Ingrid Campos , ingrid.campos@svm.com.br
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Legenda: Os destaques da reportagem descreveram o pleito deste ano, indicaram novas configurações políticas e influenciaram o resultado do último domingo (27).
Foto: Davi Rocha

Vencida por menos de 11 mil votos, a disputa pela Prefeitura de Fortaleza em 2024 foi a mais acirrada da história da cidade. Mas o caráter inusitado deste pleito não se restringe ao placar da votação em segundo turno: outros episódios e fenômenos de destaque compõem a trajetória dos protagonistas dessa disputa desde a pré-campanha. 

O PontoPoder conversou com especialistas sobre os marcos das eleições municipais na capital cearense. Com base nisso, separou oito momentos que descreveram o pleito deste ano, indicaram novas configurações políticas e influenciaram o resultado do último domingo (27). Confira a seguir: 

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Disputas antecipadas

A máxima de que uma eleição começa quando a anterior acaba foi levada a sério pelas lideranças envolvidas na disputa em Fortaleza. O rompimento entre PDT e PT no Ceará em 2022 tem desdobramentos até hoje. Em 2023, Evandro deixou o PDT e filiou-se ao PT já com status de pré-candidato. 

“Já no pré-eleitoral, tivemos a ruptura entre os aliados na centro-esquerda e a disputa pela vaga petista entre Luizianne Lins e Evandro Leitão, como também, sua ida ao partido para concorrer como apadrinhado de Camilo Santana”, menciona Gabriella Bezerra, pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC).

Pela frente, encarou outros quatro correligionários interessados na posição, incluindo a petista histórica e ex-prefeita Luizianne Lins. O cenário levou ambos para uma disputa interna, na qual Evandro obteve êxito, após renúncia dos outros concorrentes. “Ele teve que fazer uma disputa para ser candidato, então teve que viver uma experiência partidária que não era da sua rotina”, lembra Marcos Paulo Campos, vice-coordenador do Observatório da Política no Nordeste. 

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Da mesma forma, as articulações no PL começaram antes mesmo da entrada no ano eleitoral. Com a filiação do ex-presidente Jair Bolsonaro ao PL em 2021, o partido perdeu força como base do governo petista no Estado e passou a acomodar nomes à direita do espectro político. Entre eles, os hoje deputado estadual Carmelo Neto e deputado federal André Fernandes, ambos com pretensão de representar o PL nas eleições de Fortaleza. 

No fim de 2023, a influência bolsonarista no PL destronou Acilon Gonçalves da direção estadual da sigla e levou Carmelo a esse posto. Com a mudança, a intenção de lançar candidatura própria se tornou certa em Fortaleza. Não demorou muito para que André fosse anunciado pré-candidato, com direito a evento de lançamento com a presença de Bolsonaro, em abril. 

O movimento, contudo, dividiu apoios no campo da direita. Ainda houve a tentativa de juntar três nomes numa única empreitada, com Capitão Wagner (União), Eduardo Girão (Novo) e André, mas a composição não avançou porque todos eles queriam encabeçar chapa. No segundo turno, o cenário mudou e os dois primeiros aderiram à campanha do candidato do PL.

Discurso adaptado

Como estratégia eleitoral, alguns candidatos em Fortaleza decidiram inovar e mudar o discurso para atrair votos. Os casos mais emblemáticos são José Sarto (PDT) e André Fernandes, segundo os especialistas ouvidos pelo PontoPoder

“A tentativa de conquistar os indecisos durante o primeiro turno acabou gerando um movimento curioso em algumas campanhas, que se utilizaram de uma linguagem caricata e pouco eficiente para conseguir a adesão da juventude, com efeito bem oposto ao esperado”, diz Mariana Dionísio, cientista política e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor). 
 
Gabriella Bezerra também destaca o “tom jocoso” do “HGPE (Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral) e redes sociais do candidato Sarto, buscando uma linguagem divertida que parece não ter surtido o efeito esperado”. O atual prefeito, inclusive, adotou o uso de um elemento muito popular nas periferias e entre os jovens, o óculos do modelo “juliet”.

José Sarto, Fortaleza, juliet
Legenda: O adereço foi uma das marcas da campanha de Sarto, incorporado por todo o seu entorno.
Foto: Divulgação

Em relação a André Fernandes, houve a incorporação de um tom moderado na campanha. O cientista político Clésio Arruda, professor universitário e doutor em Sociologia pela UFC, lembra que, ao contrário destas eleições, o candidato sempre utilizou um discurso mais forte, o que, inclusive, levou-lhe à liderança de votos para deputado estadual em 2018 e deputado federal em 2022.

“Ele mudou totalmente durante o período da campanha, se colocando no papel de bom moço, sempre muito controlado emocionalmente, trazendo um comportamento de quem fugia de provocações e de embates. [...] Saiu da bolha bolsonarista e teve votos que provavelmente se caracterizariam como votos mais ao centro e não à direita radical”, avalia.

Apoios e mudança de lado

Outro evento que merece destaque, segundo especialistas, é a acomodação de lideranças no segundo turno. “Ciro Gomes, que até 2022 discursava energicamente em prol da liderança de Camilo Santana, troca de camisa e passa a apoiar um bolsonarista raiz. Nem mesmo a cadelinha Marrion escapou, porque em 2024, participou das campanhas publicitárias em favor dos governistas e contra o antigo tutor (José Sarto)”, lembra Mariana Dionísio. 

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Além de Ciro, André Fernandes atraiu o ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT), uma parte dos vereadores eleitos pelo PDT, o ex-deputado Capitão Wagner e o senador Eduardo Girão – os dois últimos, derrotados em primeiro turno. O prefeito Sarto, por sua vez, manteve-se neutro no segundo turno.

Já Evandro absorveu outra parte dos vereadores pedetistas e conseguiu o apoio do presidente nacional do PDT, André Figueiredo, com o qual tinha feito queda de braço no ano passado pela sua desfiliação. Observando os dois casos, é inegável que houve uma “divisão da centro-esquerda”, como indica Gabriella Bezerra. 

“O aprofundamento desse racha ficou ainda mais agudo com a adesão inusitada de alguns de seus membros ao candidato bolsonarista, muito distante de seu campo ideológico. Dessa forma, mesmo com o grande apadrinhamento das lideranças de esquerda, o fôlego do campo foi abalado, incluindo a baixa adesão dessas lideranças e da ex-prefeita Luizianne Lins”, comenta. 

Futebol com protagonismo

Nestas eleições, a dicotomia entre alvinegros e tricolores na Capital saiu das quatro linhas dos estádios e entrou no campo da política. Invocando as duas maiores torcidas do Estado, o candidato do PL citou o passado profissional de Evandro Leitão, que já foi dirigente do Ceará Sporting Club entre 2008 e 2015. 

O assunto chegou a jingles de André Fernandes, a materiais impressos de campanha e a debates televisionados, como os promovidos pelo Sistema Verdes Mares, como uma maneira de contestar a capacidade técnica do adversário. Em resposta, Evandro inverteu o conteúdo dos jingles e também distribuiu material impresso.

“A paixão pelo futebol foi utilizada como forma de convencimento e intensificação da polarização, e as torcidas foram manuseadas como uma massa de apoio em uma discussão político-futebolística das mais irracionais”, avalia Mariana Dionísio. 

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Redes sociais pautando o debate

Muito atuante nas redes sociais desde antes de entrar na política, André Fernandes soube usar a internet a seu favor na campanha, segundo os especialistas ouvidos pelo PontoPoder. Foi pelos seus perfis que ele lançou jingles de sucesso, veiculou as principais mensagens de campanha (aliado às inserções gratuitas na TV e no rádio), trabalhou uma imagem moderada e atacou o adversário. Ainda que tenha investido nessa área, as métricas de Evandro não alcançaram a de André, que dominou a discussão online. 

“As imagens, discursos, contradições e memes que viralizaram tiveram forte presença nesse período, porque evidenciaram, em tempo real, a reação do eleitorado”, comenta Mariana Dionísio.

Um vídeo de 2018 do postulante do PL opinando sobre feminicídio voltou a repercutir nas últimas semanas, levando rejeição ao seu nome. “Depois começaram a falar sobre uma outra questão, que foi o feminicídio. ‘Ah, mas o feminicídio, aqui no Brasil tantas mulheres morrem por dia’. Tá, dane-se, e quantos homens morrem por dia?”, questionou André Fernandes na publicação resgatada.

Depois, ao menos dois episódios protagonizados por um forte aliado seu, o vereador Inspetor Alberto (PL), trouxeram temor à sua campanha. Durante agenda de rua de André, o parlamentar apareceu aos gritos em vídeo, dizendo para Evandro “preparar o caixão”. Em outra imagem, ele apareceu maltratando um porco – em referência ao sobrenome do petista, Leitão.

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"Você vai para a panela. Leitão, seu desgraçado, você vai para a panela dia 27. Me aguarde", declarou o vereador no vídeo. A conduta é investigada pela Polícia Civil e pode levar à cassação do seu mandato na Câmara Municipal por quebra de decoro. 

“É possível afirmar, inclusive, que os indicadores de rejeição sentiram diretamente essa reação do público, o que se refletiu nas urnas. [...] Considerando a velocidade e o alcance das informações, é possível que algumas estratégias de campanha não tenham sido rápidas o suficiente para resistir a alguns ataques”, avalia Mariana.

Aproximar ou afastar padrinhos?

Sempre associado às imagens do presidente Lula, do governador Elmano de Freitas e do ministro Camilo Santana – os três do PT –, Evandro começou a reforçar, na última semana de campanha, que teria autonomia para indicar secretários e tocar sua gestão, caso as urnas lhe dessem vitória. “O ministro Camilo é uma das minhas referências, sem sombra de dúvida, mas eu tenho minha identidade”, disse em entrevista ao PontoPoder.

Já André Fernandes evitou acenar para o seu principal padrinho político, Jair Bolsonaro, quase que durante toda a campanha. O ex-presidente até veio a Fortaleza em abril para o lançamento da pré-candidatura e em agosto para uma carreata, mas deixou de compor peças de campanha e discursos nos meses seguintes. 

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Legenda: André Fernandes e Jair Bolsonaro em carreata realizada em Fortaleza no mês de agosto.
Foto: Ismael Soares

Esse apagamento, segundo especialistas, pode ter ajudado a agregar diferentes perfis à sua empreitada, mas a vinculação antiga a Bolsonaro ajudou a fidelizar o eleitorado posicionado mais à direita. “A vinda de Bolsonaro ao Ceará para apontar o André Fernandes como seu candidato criou uma dificuldade para o Capitão Wagner dentro do campo bolsonarista”, explica Marcos Paulo Campos. 

Em outras campanhas, Wagner chegou a ser apontado por Bolsonaro como o seu candidato no Ceará, o que não aconteceu em 2024. Isso pode ter influenciado o desempenho do ex-deputado nessas eleições, além de ele também adotar postura mais moderada, acenando a outros públicos e tematizando outras questões, e não só a segurança pública, sua marca. 

“O que se percebeu é que essa estratégia, inclusive com a mudança no discurso, uma mudança muito mais conciliatória, levou a perder votos dentro do próprio bolsonarismo e não trouxe votos fora desse grupo de eleitores”, avalia, ainda, Clésio Arruda. 

Desempenhos inesperados

Além do já citado Capitão Wagner, que ficou fora do segundo turno em 2024, após bom desempenho nas eleições de 2020 e da liderança em votos na Capital no pleito de 2022 ao Governo do Estado, a votação do senador Eduardo Girão e do próprio prefeito José Sarto no primeiro turno chamam atenção. 

Sobre Girão, a performance nas urnas foi “aquém do esperado” e “extremamente pífia”, dada a posição de visibilidade permanente que ocupa, tornando-se um “vetor do fracasso”. É que o diz Clésio Arruda. 

“Quando você pensa que mesmo que o objetivo fosse se consolidar como uma liderança política bolsonarista, o efeito foi completamente o contrário, passou a imagem de um político que teve o seu momento na onda bolsonarista, mas que já morreu na praia”, avalia.

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Quanto a Sarto, o mandatário foi o primeiro desde 1997 a não se reeleger em Fortaleza. 

“O prefeito José Sarto não consegue ir para o segundo turno, inaugurando um momento aqui parecido com 2004, quando o candidato do prefeito não foi ao segundo turno. O prefeito Juraci Magalhães, naquela época, tinha o candidato Aloísio Carvalho, que não foi ao segundo turno, que acabou sendo disputado entre Luizianne Lins e Moroni Torgan”, lembra.

Acirramento no segundo turno e virada

O resultado do último domingo (27) atraiu atenção de todo o Brasil para a disputa em Fortaleza, devido ao seu acirramento – menos de 1 ponto percentual separou os dois candidatos – e ao fato de esta ser a única Capital em que o PT elegeu prefeito, sobretudo num embate contra o PL. 

Além de alcançar os mais de 80 mil votos de vantagem do adversário no primeiro turno, Evandro conseguiu uma virada suada. Isso, contudo, não tira o mérito do desempenho de André Fernandes. Como afirma Marcos Paulo Campos, o candidato do PL “manteve expectativa de vitória até o fim”, não à toa, o resultado foi confirmado apenas com 99,60% dos votos apurados. 

Além disso, ao menos nos primeiros 30 minutos de apuração, houve várias viradas, com André Fernandes à frente em alguns momentos. A contagem dos votos encerrou às 18h41.

“Mesmo a campanha do Evandro tendo aumentado a sua mobilização e as pesquisas apontado, muitas vezes, empates numéricos, a campanha do André Fernandes foi capaz de manter o viés, a expectativa de vitória. Portanto, o resultado eleitoral foi o último capítulo do desmonte dessa expectativa, e a vitória do Evandro foi uma espécie de reversão da expectativa”, observa.

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