Como programa do Governo Federal pode fortalecer guardas municipais e beneficiar cidades no Ceará
Entregas previstas incluem armamentos, cursos e assistência técnica para as gestões municipais.
O recém-lançado programa Município Mais Seguro, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), pretende investir, em uma primeira fase, R$ 171 milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) no fortalecimento da segurança pública municipal em todo o Brasil. A expectativa é de que o Ceará tenha municípios beneficiados.
Isso pode acontecer porque, segundo contabilizou o Diagnóstico das Guardas Municipais 2025, realizado pelo Ministério, há, no Estado, 89 forças de segurança geridas por governos municipais. Desse total, 12,28% destas corporações utilizam armas de fogo. O número pode ser maior, já que há criações recentes de pelotões municipais no Ceará.
Pelo que alegou o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o Município Mais Seguro foi lançado em um momento estratégico, após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer que guardas municipais podem atuar em ações de segurança urbana por meio de policiamento ostensivo e comunitário.
Conforme o entendimento recente do STF, os órgãos de segurança municipais podem agir diante de condutas lesivas a pessoas, bens e serviços, inclusive realizando prisões em flagrante.
Cidades devem aderir ao programa
Ao que informou o Ministério da Justiça, ainda “não é possível informar quais localidades receberão os valores, uma vez que os repasses dependem da adesão dos municípios ao programa”. Ainda assim, o Ceará já tem contado com cursos e capacitações neste semestre, realizados na Capital.
O doutor em Sociologia e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), José Lenho Silva Diógenes, avalia que o programa “chega com o mérito de estabelecer um marco normativo alinhado ao Estatuto das Guardas Municipais e à Política Nacional de Segurança Pública”.
Ele disse considerar que exigências para adesão, “como corregedoria, ouvidoria e código de conduta, são avanços”. Mas pontuou também que, na prática, “uma minoria de municípios brasileiros, especialmente no Nordeste, cumpre integralmente tais requisitos”.
“O risco é que, em vez de universalizar o impacto, o programa selecione os entes que já são mais estruturados, reforçando desigualdades históricas”, alerta Lenho.
Impacto nos municípios
“Estão previstos mais de R$ 170 milhões em investimentos, sendo R$ 100 milhões destinados ao Projeto Nacional de Qualificação do Uso da Força, R$ 65 milhões por meio de Editais de Chamamento Público e R$ 5,67 milhões voltados a capacitações”, detalhou a pasta, descrevendo as iniciativas que compõem a política pública.
Veja também
O Projeto Nacional de Qualificação do Uso da Força prevê a doação de instrumentos de menor potencial ofensivo, como espargidores e armas de incapacitação neuromuscular, além de equipamentos de proteção individual. Estão previstos ainda treinamentos, capacitação e assistência técnica.
Já a Chamada Pública para Projetos Municipais em Segurança Pública envolve o lançamento de dois editais voltados à gestão da segurança pública municipal e ao fortalecimento das guardas, contemplando projetos nas áreas de governança, tecnologia, capacitação e valorização profissional.
É o número de guardas municipais do Ceará, segundo o Governo Federal
As iniciativas no âmbito da Capacitação e Formação Profissional devem ocorrer por meio de cursos presenciais e integrados, com foco na prevenção da violência e no uso qualificado da força.
Ao que disse o órgão federal, estão sendo realizados, neste semestre, os cursos de: Uso Diferenciado da Força, de Polícia Comunitária Aplicada — Nível Operador e de Atuação nas Patrulhas Maria da Penha — Nível Operador.
“Nos anos de 2026 e 2027, está prevista a doação de Instrumentos de Menor Potencial Ofensivo, Armas de Incapacitação Neuromuscular, espargidores e coletes balísticos”, adicionou o MJSP por meio de nota enviada à reportagem. Para o próximo ano, as localidades serão definidas após pactuação com os entes envolvidos.
A política engloba ainda o Diagnóstico Nacional das Guardas Civis Municipais, assim como a ampliação do Escuta Susp — desenvolvido para oferecer atendimento online em saúde mental com psicólogos, psiquiatras e farmacologistas especializados em segurança pública aos guardas municipais.
Cuidados com os profissionais
No entendimento da professora da Universidade de Fortaleza (Unifor) e doutora em Direito Constitucional, Juliana Mamede, o Município Mais Seguro se apresenta "numa esteira de fortalecimento da segurança pública numa perspectiva da segurança pública cidadã".
"Considero que as políticas que visam o fortalecimento das guardas municipais são oportunas e necessárias, uma vez que o município é o ente federativo que mais se aproxima das dinâmicas do cotidiano. É no município em que nós vivemos, em que a vida acontece, que a vida ela se projeta", pontuou.
"A gente tem que se preocupar em equipar a guarda municipal, mas a gente também tem que refletir sobre o cuidado a esses profissionais que vão estar em campo, que vão estar no território e que vão estar no enfrentamento desses desafios", discorreu.
Fortaleza já recebeu cursos do programa
O Ceará foi um dos contemplados com cursos de formação voltados ao aprimoramento das guardas municipais. Eles foram ministrados na capital cearense no decorrer das últimas semanas.
“Entre os dias 13 e 17 de outubro, foram realizadas, em Fortaleza, duas edições do Curso Nacional de Uso Diferenciado da Força. Na sequência, de 20 a 24 de outubro, ocorreram a 3ª e a 4ª edições do Curso de Polícia Comunitária Aplicada — Nível Operador, também na capital cearense”, discorreu o ministério.
A Secretaria Municipal de Segurança Cidadã (Sesec) da Prefeitura de Fortaleza, responsável pelo maior contingente de guardas municipais do Estado — cerca de 2,6 mil agentes — foi indagada sobre a adesão ao programa do Governo Federal, mas não houve resposta até a última atualização deste texto.
Iniciativas recentes nos municípios
A movimentação das prefeituras em fortalecer as guardas locais segue crescendo. Nesta segunda-feira (27), mais uma corporação foi implementada, com a publicação de uma lei, no Diário Oficial dos Municípios do Estado do Ceará, que cria a Guarda Civil Municipal de Potengi, na região do Cariri cearense.
Na última terça-feira (21), a Guarda Civil Municipal de Sobral, na região Norte, passou por mudanças em sua estrutura, como indicou uma publicação no Diário Oficial do Município (DOM). A alteração ocorreu por meio de uma lei que versa sobre a simbologia, atribuições e valores dos cargos de comandante geral e subcomandante da instituição.
Já no municípoo do Crato, também no Cariri, houve, na sexta-feira (24), a convocação de agentes para o curso de armamento e tiro, para o processo de aquisição do porte funcional de arma de fogo.
Especialistas falam sobre adesão do Ceará
Segundo indicou o professor José Lenho, a situação no Ceará demanda iniciativas como o Programa Município Seguro. “Parte dos municípios possui regulamentação precária das Guardas Municipais, com base institucional frágil em formação, capacitação e protocolos de uso moderado da força”, frisou.
“O programa estabelece princípios nobres como prevenção, participação comunitária e policiamento comunitário, mas mantém uma lógica de adesão formalista, baseada em critérios inacessíveis para a maioria dos pequenos municípios. Isso favorece um federalismo excludente, no qual acessam recursos os municípios que já dispõem de estrutura”, continuou, comentando ser “crucial reconhecer assimetrias regionais e criar mecanismos de equalização”.
“Outro ponto sensível é a legitimidade social. Em um país onde cerca de 41% das Guardas Municipais usam arma de fogo e parte carece de protocolos padronizados para o uso da força, é fundamental que o programa monitore não somente indicadores de violência, mas também queixas, lesões e o nível de confiança comunitária”, opinou.
O professor da UFC destacou serem necessárias “métricas claras” e “foco em problemas concretos” para haver efetividade da política. “A sustentabilidade financeira também é crucial”, adicionou, comentando que deve haver vinculação aos ciclos orçamentários dos entes envolvidos com o programa.
A professora Juliana Mamede considerou haver uma "evolução legislativa" no contexto da segurança pública, que remonta iniciativas a exemplo da autorização para a criação de guardas municipais pela Constituição Federal de 1988, do Estatuto Geral das Guardas Municipais e de outros regramentos, como o que instituiu o SUSP, em 2018.
A docente declarou que a integração de forças de segurança "é algo muito desafiador, especialmente por conta do tratamento constitucional" que ela recebeu originalmente. "É importante que a pauta da segurança pública seja tratada sob a perspectiva do federalismo cooperativo", frisou.
Mamede comentou ainda que a integração proposta pelo governo estadual demonstra "uma atuação coerente em relação ao seu discurso de combate ao crime e de todas as ações que o governo vem prendendo", uma vez que ações isoladas "não serão suficientes para deter o avanço da criminalidade organizada" no Ceará.
Alinhamento com as políticas do Ceará
Em junho, durante a abertura do XIII Seminário de Gestores Públicos — Prefeitos 2025, o Governo do Ceará anunciou a integração entre as forças da Segurança Pública e as guardas municipais. O objetivo da administração estadual, segundo detalhou o governador Elmano de Freitas (PT), seria a criação de um sistema integrado entre as polícias, Corpo de Bombeiros e corporações dos municípios.
No mesmo evento, o chefe da Casa Civil, Chagas Vieira, e o secretário estadual de Segurança, Roberto Sá, deram detalhes sobre o programa que estava sendo pensado pela gestão. Eles informaram que haveria um diálogo para traçar o desenho da integração. Naquele momento, havia a perspectiva de que houvesse a aquisição de armas e equipamentos, bem como a realização de cursos e o fortalecimento da comunicação com as guardas municipais.
Na ocasião, Vieira explicou que o objetivo era ter um "diagnóstico de como essas guardas municipais funcionam" e, a partir disso, "traçar uma estratégia de que forma essa interação e essa integração vai se dar”, disse.
Sá, por sua vez, afirmou que deveria ser realizado um seminário, organizado pelo Governo do Ceará, para discutir e fortalecer o papel das guardas municipais. “Para nós falarmos o que pensamos e no que poderemos ajudar e ouvi-los também”, explica.
Seguindo o mesmo direcionamento, o presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Joacy Júnior, presente no evento em que a estratégia foi anunciada, falou que cerca de uma centena de cidades possuem guardas municipais. “Muitos não têm ainda uma estrutura física de equipamentos, de armamentos, de veículos como moção para poder desempenhar uma boa atividade”.
“Essa parceria com o governo vai reforçar justamente esse déficit que tem os municípios. Muitos municípios criaram a guarda somente com a boa vontade do prefeito, com a intenção de dar aquele ‘plus’ na segurança municipal”, observou ele, tratando sobre a integração prometida, na época.
A reportagem consultou a SSPDS-CE, a fim de obter uma atualização sobre a implementação da política de integração das guardas municipais e saber como ela se alinha com o Programa Município Mais Seguro, do Governo Federal. Não houve resposta até a publicação desta matéria. O conteúdo será atualizado caso haja uma devolutiva.