Cerca de 700 obras contratadas com recursos federais estão paralisadas no Ceará; veja áreas mais afetadas
Apesar da contrapartida federal, a execução dessas ações, na maioria das vezes, fica sob responsabilidade de estados e municípios
Mais de R$ 1,35 bilhão em recursos federais estão sendo desperdiçados em obras paralisadas no Ceará, conforme revelou o Tribunal de Contas da União (TCU) no fim de 2024, em auditoria. O painel disponibilizado pelo TCU lista cerca de 700 obras (de um total de 1413) que tiveram o andamento interrompido por fatores diversos no Estado.
Apesar da contrapartida federal, quem executa essas ações nem sempre são entes dessa instância. A maioria, na verdade, fica sob responsabilidade de estados e municípios.
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A proporção cearense, de 50,7%, está próxima à média nacional de obras paralisadas, que é de 52%. Em todo o Brasil, no ano de 2024, havia 11.941 ações sem andamento, que já consumiram cerca de R$ 9 bilhões em recursos federais.
“Considerando o valor total estimado de R$ 29 bilhões, seriam necessários pelo menos mais R$ 20 bilhões do orçamento público para sua conclusão”, alerta o TCU em relatório.
Saúde e Desenvolvimento Regional
No Ceará, quem lidera a lista é a saúde, com 251 obras orçadas em R$ 112 milhões que estão nessa situação. O dinheiro vem de duas fontes: do Fundo Nacional de Saúde (FNS), cujas transferências vão direto para o fundo municipal do tomador de recursos, e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
O FNS é quem maneja os recursos empenhados para o Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto a Funasa é responsável por projetos de saneamento nos municípios de até 50 mil habitantes.
Em consulta ao Sistema de Monitoramento de Obras (Sismob) da Saúde, é possível acessar mais detalhes de alguns desses projetos paralisados. Em municípios de maior porte, como Fortaleza, há casos emblemáticos.
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A obra da ampliação da Casa da Gestante, Bebê e Puérpera no Hospital da Mulher, no bairro Jóquei Clube, foi projetada em R$ 447.750 milhões em 2013, mas segundo o Sismob, nunca saiu de 0% de execução. Esses dados foram atualizados no site do Sismob em setembro de 2024 e acessados pela reportagem em 3 de janeiro de 2025.
Uma cifra de R$ 89,5 mil chegou a ser repassada para a obra em 2014, mas segundo a Secretaria Municipal de Saúde, o valor foi devolvido integralmente à União em 2020. Isso porque o projeto foi remanejado para outro equipamento: o Hospital Gonzaga Mota de Messejana, o Gonzaguinha de Messejana. "A atual gestão fará avaliação epidemiológica e populacional sobre a prioridade de novos equipamentos na Capital", esclareceu a pasta em nota enviada ao PontoPoder no dia 7 de janeiro de 2025.
Mas vale destacar que todas as informações do painel do TCU atualizadas anualmente são referentes ao período até abril de 2024. Por isso, o levantamento do PontoPoder pode ter alguma margem de erro, com novas obras paralisadas e/ou outras retomadas após essa data.
Nesse levantamento, as construções da Saúde sofreram com dificuldade financeira ou técnica da empresa executora ou do tomador, fato ou evento não previsto, falta de aporte de contrapartida e discricionariedade do ministério responsável.
Além desses motivos, as demais áreas foram impactadas pela execução em desconformidade com o projeto, o fluxo financeiro insuficiente (atraso nos repasses financeiros), a não liberação de frentes de obra, o abandono da empresa, o atraso ou falta de pagamento da construtora, rescisão ou descumprimento de contrato, falha na execução de serviços, irregularidades na gestão anterior, medidas administrativas do estado ou município beneficiado e outros.
É o caso das obras sob o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MDR). Apesar de o MEC ser líder no número de construções e serviços em infraestrutura paralisados, é o MDR que concentra o maior volume de investimento desperdiçado, superior a R$ 423 milhões.
Essa é a pasta responsável por destinar recursos para 37 projetos de infraestrutura viária, obras contra a seca e abastecimento de água no Ceará – isto para localidades de médio e grande porte. Um exemplo de ação prejudicada por questão orçamentária da União é a 2ª etapa da irrigação Baixo Acaraú no município de Marco, que demanda R$ 233 milhões em recursos, mais que a metade do montante destinado pelo ministério ao projeto.
O projeto foi iniciado em 2001, visando a irrigação de 12.535 hectares da região – 4.421 deles na 2ª etapa – para dar suporte à produção de culturas de alto valor comercial entre os municípios de Acaraú, Bela Cruz e Marco, na mesorregião Norte do Estado.
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O Governo Federal, através do DNOCS, celebrou um contrato de cessão de uso transferindo ao Distrito de Irrigação Baixo Acaraú a responsabilidade pela administração, operação e manutenção da infraestrutura de uso comum do Perímetro Irrigado, incluindo a alocação dos recursos financeiros necessários à operação aos pequenos produtores.
O Ministério da Saúde, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional e a Prefeitura de Fortaleza foram procurados pela reportagem em busca de informações sobre as obras paralisadas. O espaço está aberto a manifestações.
Educação
A educação também apresenta situação crítica, segundo o levantamento do TCU, com 244 obras paralisadas. O mapeamento engloba hospitais universitários, educação básica, educação profissional e tecnológica e educação superior, que receberiam R$ 310 milhões em investimentos do Ministério da Educação (MEC) ao todo.
Dessas, 25 obras têm entre 0% e 2% de execução – todas na educação básica –, apesar de um investimento orçado em mais de R$ 40 milhões. Algumas delas manifestaram interesse em aderir ao Pacto Nacional pela Retomada de Obras da Educação, instituído em maio de 2023.
Nesse levantamento, as construções sob o MEC sofreram com abandono da empresa, atraso ou falta de pagamento da construtora, rescisão ou descumprimento de contrato, falha na execução de serviços, irregularidades na gestão anterior e medidas administrativas do estado ou município beneficiado.
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Em junho de 2024, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) emitiu um alerta para que gestores regularizassem a documentação necessária para a conclusão das obras, dentro do pacto de retomada. No Ceará, 62 construções estavam nessa situação.
Em agosto, houve novas adequações para viabilizar a retomada de obras: a exigência da apresentação de laudos técnicos e de cronogramas físico-financeiros atualizados. Com base nisso, em outubro, o FNDE anunciou a aprovação de 1.049 repactuações para viabilizar a continuidade de obras de escolas públicas e ampliações em todo o Brasil.
Àquela altura, a previsão era de concluir as obras em até 24 meses após a retomada, com possibilidade de uma única prorrogação pelo mesmo período.
Além disso, o andamento financeiro das ações deve atender a, ao menos, duas etapas: a primeira parcela de recursos liberados será equivalente a 15% do valor pactuado, após cumprimento das formalidades necessárias. Já o pagamento das parcelas subsequentes exigirá a comprovação de 70% de execução financeira e física dos recursos.
O PontoPoder buscou o Ministério da Educação a fim de entender a situação das obras financiadas pela pasta no Ceará. Quando houver resposta, a matéria será atualizada.
Cidades
Já o Ministério das Cidades destinou recursos a 64 obras no Ceará, com valores em R$ 360 milhões. A pasta engloba as áreas de habitação, infraestrutura e mobilidade urbana, saneamento e outros.
Daqui, é destaque a ampliação do Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) em sete bacias de Camocim, orçada em R$ 55 milhões. Para este caso, a execução física está em 84,36% e a financeira, em 87,36%, conforme o TCU. A dificuldade está na discricionariedade do próprio gestor tomador.
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Também no campo de abastecimento, no Crato, há outra obra robusta paralisada, conforme o TCU. A 1ª etapa da ampliação do sistema de abastecimento de água na sede do município demandava R$ 51,3 milhões, mas o valor desbloqueada foi de apenas R$ 9,3 milhões. A causa é a falta de aporte de contrapartida.
O PontoPoder buscou o Ministério das Cidades e as prefeituras de Camocim e do Crato para mais detalhes sobre o andamento dessas e de outras obras. Quando houver resposta, a matéria será atualizada.
Outras áreas
Os ministérios da Agricultura, do Esporte e do Turismo puxam os demais investimentos desperdiçados, ainda que em menor parcela. Juntas, essas pastas destinaram R$ 105 milhões a 82 projetos sem andamento.
Na Agricultura, ações de infraestrutura e mobilidade urbana, além do próprio cultivo de gêneros alimentícios, foram prejudicados. A construção e revitalização de atrativos turísticos, de estádios e de outros equipamentos esportivos também ficaram pelo caminho.
Auditoria minuciosa
O diagnóstico do Tribunal de Contas da União compõe uma auditoria perene, que se encontra na sua terceira fase. Uma das dificuldades encontradas ao longo dos anos foi a difusão de informações sobre ações de infraestrutura e a heterogeneização de classificações.
Juntos, esses dois fatores prejudicavam o mapeamento do uso do dinheiro federal para essa finalidade, levando à perda da eficácia das gestões e dos recursos públicos. Após as recomendações do tribunal, o Governo Federal otimizou seus sistemas e tornou a fiscalização mais acessível – o que também pode ter contribuído para o aumento de casos de obras paralisadas sob ciência do TCU.
Hoje, a Corte usa em seu levantamento informações de nove bancos de dados: Caixa Econômica Federal, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), Secretaria de Educação Superior (Sesu), Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle (Simec), Simec-Outros e Sistema de Monitoramento de Obras (Sismob).
Cada órgão tem uma definição diferente para obras paralisadas. A Caixa, por exemplo, coloca nesse grupo aquelas ações sem evolução por pelo menos 90 dias. Já o Dnit considera uma obra paralisada somente após a celebração do Termo Aditivo de Paralisação.
Para o Simec, somente aquelas que tiveram sua execução interrompida, mas com o instrumento de transferência voluntária - seja termo de compromisso seja convênio - celebrado com o FNDE vigente, podem ser classificadas dessa forma. É diferente das obras inacabadas, que são aquelas que tiveram sua execução interrompida e não possuem instrumento vigente.
Ainda assim, o Tribunal não descarta a ingerência dos recursos públicos nesses casos. Exemplo disso é o Ministério da Saúde, que, nos levantamentos anteriores, “informou uma quantidade ínfima de obras estagnadas, o que aparentemente não refletia a realidade do setor”.
Já neste ciclo, como consta no relatório do tribunal, foi realizada uma “revisão mais detalhada dos dados, revelando um número significativamente maior, que anteriormente não haviam sido identificadas devido a falhas na geração das informações”.
Além disso, “os setores de educação e saúde são igualmente os responsáveis pela maior parte das obras que tiveram problemas de execução, o que indica uma dificuldade persistente de gestão e execução dos contratos dessas duas pastas setoriais”, pontua o documento.