Após um mês de reajuste, quais os avanços na tentativa de barrar aumento na conta de luz no Ceará
De forma unânime, parlamentares da base e da oposição argumentam que há um “descompasso” entre a atual situação socioeconômica dos cearenses e o forte crescimento na conta de energia
Há exatamente um mês, os cearenses foram surpreendidos com um aumento médio de 24,85% na conta de luz. O valor, aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a pedido da Enel Distribuição Ceará, indignou consumidores e causou uma comoção nos políticos do Estado. Desde então, eles têm agido em várias frentes para barrar esse reajuste.
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Um mês após o anúncio, o Diário do Nordeste mostra como estão as ações dos deputados estaduais e federais para impedir o aumento. De forma unânime, parlamentares da base e da oposição argumentam que há um “descompasso” entre a atual situação socioeconômica dos cearenses e o forte crescimento na conta de energia.
“Estamos juntos em prol de barrar esse reajuste. É inadmissível, no momento que o Brasil atravessa, tentando ter sua recuperação econômica, a empresa de distribuição de energia (do Ceará) apresentar o maior aumento em todo o Brasil”
Como a taxa de 24,85% é um valor médio, alguns consumidores sentirão um impacto ainda maior, como nos casos de quem está na categoria de baixa tensão, onde o aumento será de 25,09%. Os deputados também questionam a qualidade dos serviços prestados pela companhia no Ceará.
Na Assembleia e na Câmara dos Deputados, as articulações caminharam de forma mais célere até agora – apesar de não terem chegado a uma definição concreta. No legislativo federal, o deputado Domingos Neto (PSD) conseguiu aprovar a urgência de um Projeto de Decreto Legislativo que determina a suspensão do aumento.
Legislativo federal
A matéria, que tem como relator o deputado federal do Ceará Vaidon Oliveira (UB), recebeu um substitutivo incluindo outros estados na decisão.
"No momento em que nós vivemos, (o reajuste) é algo gravíssimo e que hoje toda a sociedade cearense vai ser penalizada nessa média de 25% que nós não podemos aceitar"
Com a urgência da matéria, o texto será apreciado diretamente no Plenário da Câmara e, se aprovado, seguirá para o Senado. Concluída a tramitação, o projeto ganha força de lei sem a necessidade de sanção presidencial. A proposta, no entanto, ainda não tem data para ser votada.
Na quarta-feira (18), os deputados federais André Figueiredo (PDT) e Danilo Forte (UB), além do próprio Domingos, participaram de reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, e outras lideranças do parlamento.
Segundo Domingos, o Ministério terá uma semana para apresentar propostas para o impasse do reajuste. Se não houver acordo, o Projeto de Decreto Legislativo será votado.
Outra frente de mobilização é encabeçada pelo deputado federal Heitor Freire (UB). Três dias após o anúncio do aumento, ele apresentou uma Ação Popular para impedir que a Enel aplique o reajuste.
"Esse aumento na conta de energia é inadmissível nesse cenário de retomada da economia. A pandemia de Covid dá indícios de estar chegando ao fim, mas os prejuízos que ela deixou são devastadores"
Ao todo, quatro ações judiciais tentam suspender o aumento, sendo duas de autoria de parlamentares do Ceará. Além da movida por Freire, o senador Eduardo Girão (Podemos) acionou a Justiça por meio de uma Ação Ordinária com o mesmo intuito.
O senador ainda protocolou junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma representação a fim de que o órgão conteste o aumento de quase 25% na taxa de energia elétrica no Ceará.
"Este acréscimo abusivo veio logo após a bandeira tarifária baixar, fato que poderia dar aos brasileiros uma folga na hora de pagar a energia elétrica em uma fase de retomada da economia pós pandemia. Essa decisão pode dificultar ainda a competitividade no setor de bens e serviços cearense, causando desemprego em todo o Estado”, sinalizou Girão.
Ações estaduais
Sem possibilidade de agir diretamente contra o reajuste, os deputados estaduais do Ceará fecharam o cerco em volta da concessão da Enel para distribuir energia elétrica no Estado. Logo que o aumento foi anunciado, os parlamentares convocaram uma reunião técnica para ouvir representantes da companhia.
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A conversa não amenizou o clima e, naquele mesmo dia, o deputado estadual Delegado Cavalcante (PL) já começou a coletar assinaturas para a abertura de uma CPI contra a Enel.
Em 2019, o parlamentar já havia feito proposta semelhante. À época, ele chegou a colher 16 assinaturas, que seriam suficientes para dar continuidade ao processo. No entanto, segundo ele, oito deputados retiraram seus nomes do requerimento na tentativa de dar "uma oportunidade" à empresa de se reestruturar.
“De 2013 a 2021, fizemos um levantamento, (a Enel) pagou R$ 142 milhões de multas por irregularidades cometidas contra o consumidor cearense"
Apesar do apelo do deputado, a proposta de criar um colegiado para investigar a companhia novamente não teve adesão na Casa.
A reunião técnica, no entanto, não foi em vão para os deputados. A falta de diálogo relatada pelos parlamentares foi o estopim para a criação de uma comissão suprapartidária para avaliar o contrato de concessão de energia da Enel Distribuidora do Ceará.
“Essa reunião foi de péssima qualidade do ponto de vista da apresentação de um motivo (por parte da Enel) para esse aumento. Nos chamou atenção que indagamos a Enel e não tivemos uma resposta satisfatória para sanar qualquer questão, por isso criamos a comissão”, disse o deputado Fernando Santana (PT), eleito, na última terça-feira (17), presidente do colegiado.
O grupo terá 60 dias – com possibilidade de prorrogar por mais 60 – para analisar o contrato de concessão com a Enel. Além de audiências públicas, os parlamentares também pretendem fazer visitas à sede da instituição. Ao final, irão elaborar um relatório indicando ações a serem tomadas.
Santana não descarta que, a partir da comissão, seja aberta uma CPI ou mesmo que a concessão seja cassada.
“Nada está descartado. Se identificarmos tamanhas irregularidades de 1998 até hoje, vamos buscar com o Ministério Público os meios jurídicos para tal. Ninguém aqui tem nada contra a Enel, só estamos defendendo os interesses dos cearenses”
Investida contra a Enel
Ainda na Assembleia, o deputado estadual Renato Roseno (Psol) protocolou um projeto de decreto legislativo para que a população cearense possa avaliar, por meio de um plebiscito, sobre a possibilidade de “reestatizar a Companhia Elétrica do Ceará”.
“Vamos lembrar que a antiga Coelce foi privatizada e o serviço da companhia foi concedido, em 1998, ao setor privado. Nesses 24 anos, o serviço piorou muito, com vários problemas tanto para os consumidores domésticos, tanto no meio urbano quanto rural, e vários problemas que impedem, inclusive, o desenvolvimento industrial e das atividades agropecuárias”
Sem poder de suspender o reajuste ou de rever o contrato de concessão, a Câmara Municipal de Fortaleza montou uma comissão especial de parlamentares municipais. A ideia do grupo é articular, com a Assembleia Legislativa do Ceará, a criação de uma comissão mista formada por deputados estaduais e vereadores da Capital. O grupo pretende discutir questões contratuais e a prestação de serviço da companhia de energia elétrica.
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A mobilização contra a Enel não tem se limitado aos parlamentos. Ao longo do último mês, o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), do Ministério Público do Ceará, entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) pedindo a suspensão do aumento na conta de energia dos cearenses.
O Ministério Público ainda deve formar uma comissão de promotores para atuar junto ao colegiado formado pelos deputados estaduais na análise do contrato de concessão. Há ainda uma outra Ação Civil Pública cuja proponente é a Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE). O pedido também questiona o reajuste praticado pela companhia.
Justificativa para o aumento
Ao longo do último mês, a Enel vem reforçando o posicionamento de que está “aberta a discussões” e que “continua fazendo investimentos” na rede de distribuição do Ceará.
A empresa declarou ter diminuído o número interrupções no fornecimento de energia e que a melhoria resulta de um “plano de ação estabelecido em conjunto com o regulador (Aneel), que tem como objetivo diminuir as incidências nas redes de média e baixa tensão”.
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Segundo a companhia, as tarifas de energia são definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com base em leis e regulamentos federais. No caso do reajuste anunciado para o Ceará, apenas 5,58% do valor é direcionado para as atividades realizadas pela Enel.
A outra fatia, segundo a empresa, é destinada à compra de energia, encargos do setor, custos de geração e transmissão de energia e impostos que não são de responsabilidade da distribuidora.
Ainda conforme a Enel, a maior parte do percentual do aumento corresponde ao que não foi aplicado no ano passado, por conta da crise hídrica e da pandemia da Covid-19.