A quase um ano das eleições, os acenos de parlamentares a suas bases ganham corpo no Ceará. Nessas comitivas que buscam reforçar alianças, a presença de esposas e filhas de políticos se tornaram comuns. No entanto, para além do apoio familiar, elas estão lá porque planejam disputar vagas no Legislativo. As pré-candidatas são apostas de partidos políticos para o pleito do próximo ano. Segundo elas, a proximidade com a vida pública aflorou o interesse de participar ativamente das eleições.
[Atualização às 14h50, do dia 19/9/2021] O Diário do Nordeste noticiou anteriormente que Dayany Bittencourt concorreria à vaga na Assembleia Legislativa. A informação correta é que ela deve se candidatar a vaga na Câmara dos Deputados.
Para analistas políticas, essas articulações indicam que o incentivo à participação feminina na política têm dado resultado. No entanto, ponderam que a presença de mulheres ainda é limitada àquelas que têm a benção de grandes grupos políticos.
Atualmente, as mulheres ocupam 10% das vagas na Assembleia Legislativa no Ceará. Das 46 cadeiras, apenas cinco são de parlamentares do sexo feminino. Na bancada federal, esse índice cai para 4%. Das 22 vagas destinadas ao Ceará na Câmara dos Deputados, apenas uma é ocupada por mulher, a deputada Luizianne Lins (PT).
Primeiro passo
Mesmo diante da baixa representatividade das mulheres nas duas Casas, as pré-candidatas avaliam que o Legislativo estadual é um terreno mais fértil para mudar essa realidade.
Diante dessa conjuntura, Dayany Bittencourt, por exemplo, se filiou ao Republicanos em junho deste ano. O plano dela é fazer uma dobradinha com o marido, Capitão Wagner (Pros), que é pré-candidato ao Governo do Estado. A esposa buscará iniciar a trajetória política na Câmara dos Deputados, onde o parlamentar exerce mandato.
“O interesse não iniciou agora. Desde quando meu esposo iniciou na vida pública, esse é o ar que respiramos. Viajamos por todo o Estado, conhecendo de perto a realidade do nosso povo, sempre tive a vontade de ir além, fazer mais”, aponta.
Dayany acompanhou Wagner nas seis eleições em que ele se candidatou, mas, segundo ela, pretende traçar a própria história na política. “Só uma mulher para entender as necessidades das mulheres. E a política precisa do nosso olhar, mais sensível, mais humano. Quanto mais mulheres de coragem, de iniciativa, de voz altiva e ativa, mais ganha a política e a sociedade”, afirma.
Em busca de espaço
O interesse em levar esse olhar para a Assembleia Legislativa do Ceará também é compartilhado pela Bispa Vanessa, que recentemente se filiou ao PSD. Ela acompanhou o marido e deputado estadual apóstolo Luiz Henrique (PP) em disputas eleitorais, mas agora pretende assumir um espaço na política.
Outro nome feminino do PSD para o pleito do próximo ano será Gabriella Aguiar, filha do presidente da sigla, o ex-vice-governador Domingos Filho. Se eleita, Gabriella deve expandir a influência familiar na política local. No grupo, o irmão dela, Domingos Neto (PSD), é deputado federal, e a mãe, Patrícia Aguiar (PSD), é prefeita de Tauá.
Patricia, inclusive, foi eleita deputada estadual em 2018 – cargo hoje almejado pela filha – e só renunciou à vaga para ocupar o comando do Executivo no berço político da família.
Para Domingos Filho, o interesse familiar, seja de homens ou de mulheres, é natural na política. Ele ressalta que, atualmente, há mais oportunidades para candidaturas femininas, o que historicamente não era comum.
“Política é vocação e paixão. Por isso, é comum que a convivência estimule parentes de políticos a se encaminharem, tradicionalmente, para a vida pública. As novas regras eleitorais privilegiam a inserção das mulheres nas disputas eleitorais e o PSD incentiva essa tendência”, argumenta.
Experiência familiar
A primeira-dama de Horizonte, Jô Farias, diz ser uma prova de como a convivência estimula a participação política. Ela conta que há 30 anos está, ao lado do esposo, Nezinho Farias (PDT), na vida pública. Em 2005, viu nascer o interesse de atuar na Câmara Municipal, onde exerceu um mandato. Agora, planeja um voo mais alto, rumo à Assembleia Legislativa, onde o marido foi eleito em 2018 – e renunciou para ocupar o cargo de prefeito.
“Tenho interesse em ser candidata por estar preparada para contribuir com as políticas públicas do meu Estado, além de encorajar outras mulheres através da minha experiência. Acredito que nós, mulheres, precisamos ocupar espaços de tomada de decisão, gerando representatividade para que possamos inspirar mais mulheres a participar”, afirma.
Com vida pública mais curta, mas igualmente influenciada pela trajetória familiar, a advogada Juliana Lucena também tem pretensões por uma vaga no Legislativo estadual. “Minha mãe, Arivan Lucena, foi a primeira prefeita de Limoeiro do Norte, em 2001. Ela e meu pai, José Maria Lucena – atual prefeito de Limoeiro –, foram e são as grandes inspirações para o surgimento desse meu desejo de ser candidata”, conta.
Caminho das pedras
A ideia das pré-candidatas é repetir o feito de outras mulheres parlamentares cearenses, que também chegaram à vida pública através da família, conseguiram vagas no Legislativo e, agora, planejam disputar a reeleição.
As cinco deputadas estaduais do Ceará integram famílias com histórico político. Em seus perfis de apresentação na Assembleia Legislativa, Aderlânia Noronha (SD), Dra. Silvana (PL), Érika Amorim (PSD) e Fernanda Pessoa (PSDB) ressaltam a importância que os respectivos maridos e o pai – no caso da tucana – tiveram para inspirar na trajetória política.
Completa a lista a deputada Augusta Brito (PCdoB), casada com o ex-prefeito de São Benedito, Gadyel Gonçalves, político influente na região de Ibiapaba. Augusta e as colegas parlamentares, no entanto, ressaltam o papel que desempenham para inspirar que outras mulheres também se engajem na política.
Obstáculos culturais
Historicamente, a ligação familiar de novas lideranças com políticos mais tradicionais gera debates, seja nos parlamentos, seja entre os eleitores. Porém, a cientista política Monalisa Soares, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), ressalta que essas discussões são mais frequentes quando envolvem mulheres iniciando a trajetória política.
“Isso tem a ver com a incursão delas nesses espaços e o que homens e mulheres representam no espaço público. Os homens, mesmo quando surgem da herança política familiar, encontram no espaço público um ambiente mais socialmente reconhecido pela presença masculina. Já quando é uma mulher que é eleita, sob a égide do pai, do avô ou do marido, ela terá a autonomia, a imagem e o capital político questionados”, avalia.
A socióloga Paula Vieira, também pesquisadora do Lepem, aponta que o foco dos questionamentos deveria ser o porquê de algumas famílias terem tanto poder concentrado por várias gerações. “Isso faz parte da formação sócio-histórica brasileira, que tem a permanência de poder na mão de uma elite predominante”, analisa.
“No Ceará, por exemplo, temos algumas famílias que já têm essa inserção política e vão reproduzindo ao longo de gerações, indicando seus familiares. Se pensarmos em famílias que não são dessa tradição política, quem é que se propõe a ir para essa vida? É como se fosse um caminho natural para esses grupos e seus integrantes, que herdam a profissão política”, diz Paula.
Estratégias eleitorais
As pesquisadoras acrescentam ainda que a motivação política para se chegar a um nome que disputará as eleições envolve uma série de estratégias. Segundo Monalisa Soares, as análises partidárias incluem a efetividade e as chances de vitória, o que favorece nomes que carregam consigo uma longa tradição política na família.
Paula Vieira enumera também a agenda política do País e como alguns nomes podem trazer ganhos em certas discussões. “As candidaturas femininas, por exemplo, vêm sendo pauta há alguns anos, e a população vem cada vez mais aderindo, então é natural utilizá-las como um recurso estratégico para maximizar as chances na competição”, afirma.
“Além disso, ainda têm os estímulos das regras eleitorais, como as cotas. Então existe essa primeira ideia de se ter candidaturas competitivas, depois tem esses desdobramentos”, conclui. Pelas regras eleitorais vigentes, os partidos precisam formar chapas para o Poder Legislativo com ao menos 30% de mulheres.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também estabeleceu que as agremiações devem destinar ao menos 30% dos recursos do Fundo Partidário para financiar as campanhas de candidatas.
Estímulo à participação
No Congresso, tramitam propostas que tentam ampliar esse estímulo à participação feminina. No texto-base do Novo Código Eleitoral, os deputados estabeleceram que, para fins de distribuição de recursos do Fundo Partidário, os votos destinados a candidaturas femininas devem ser contabilizados em dobro.
Em julho deste ano, o Senado aprovou um projeto determinando uma porcentagem mínima de 30% das cadeiras legislativas (em todas as instâncias) para ser preenchida por mulheres, convocando-se as suplentes caso não sejam eleitas em número suficiente para cumprir esse percentual.
Em outra frente, a Justiça Eleitoral tem intensificado a punição contra partidos que tentam burlar as regras de estímulo às candidaturas femininas. No Ceará, chapas inteiras de vereadores em 2020 foram cassadas em Croatá, Nova Russas, Pacatuba, Barbalha e Potengi.
O outro lado da disputa
Diante desse cenário, a pesquisadora Monalisa Soares aponta ainda a dificuldade que mulheres sem tradição familiar na política encontram para chegar aos espaços de poder.
“Evidentemente, tudo isso coloca em questão esse debate sobre a participação das mulheres na política e o papel dos partidos na formação de novas lideranças, no sentido de que as legendas buscam candidaturas que são muito oportunas e, portanto, são dessas mulheres que naturalmente já têm mais chances de serem competitivas”, argumenta.
“Temos que nos perguntar sobre as outras mulheres, aquelas que não têm esse capital familiar, em que medida os partidos vão ou não estimular essas candidaturas? Estudos mostram que é mais difícil para todo esse universo de outras mulheres”, conclui a cientista política.