Vereadoras de Fortaleza relembram vivência na cidade como base para a atuação parlamentar
No aniversário de Fortaleza, as vereadoras em exercício na Câmara Municipal falam do olhar para a cidade a partir da sua trajetória
Parquelândia, Pirambu, Bairro de Fátima, Autran Nunes, Aracapé, Lagamar, Parque São José, Loteamento Santa Terezinha, Cristo Redentor: o caminho até a Câmara Municipal de Fortaleza começa nos mais diferentes pontos da cidade - e se inicia bem antes da disputa eleitoral pelas cadeiras do legislativo municipal.
No aniversário de Fortaleza, as vereadoras em exercício na Capital falam da vivência na cidade desde bem antes a candidatura a um mandato eletivo. Os diferentes caminhos trilhados pelas parlamentares são a base para a atuação dentro da Casa do Povo, na qual desempenham papel fundamental para o futuro da cidade.
Pelos quatro anos em que ocuparem uma das 43 cadeiras de vereador de Fortaleza, duas funções primordiais são de sua responsabilidade: a fiscalização da atuação do Executivo e a elaboração e discussão das leis municipais.
Dentro das estruturas do Poder Público, também são os vereadores e as vereadoras os políticos ‘da ponta’. Ouvir a população é dever daqueles que são eleitos para qualquer cargo eletivo, mas os parlamentares municipais são aqueles ‘com o pé na comunidade’.
Uma realidade que traz cobranças, mas também uma perspectiva relevante no olhar para Fortaleza.
A vivência transformada em luta
A luta pelo bairro Aracapé acabou incorporada ao próprio nome da vereadora Ana Aracapé (PL). "Costumo dizer que só saio daqui para o cemitério", brinca a parlamentar.
A luta como líder comunitária no bairro começou ainda durante a gestão do ex-prefeito Juraci Magalhães, no início dos anos 2000. "Quando cheguei, aqui era muito pobre e hoje é uma cidade. Fico muito feliz", celebra.
Na época, a agora vereadora participou da luta pela construção de um conjunto habitacional, além do posto de saúde e de escolas. Também é desse período a implementação das primeiras linhas de ônibus no território.
Logo depois, veio o acesso a comunidade, que não tinha ligação com nenhuma rua ou avenida. Nesse período, lembra ela, o Aracapé ainda não era bairro. Ele fazia parte do Mondubim, condição que mudou apenas em 2016.
De lá para cá, "foi um grande progresso", conta a parlamentar. "É uma luta muito grande, de anos e anos. Não foi fácil, foi tudo muito difícil", diz.
Ser vereadora veio "da vontade de ver a comunidade crescer" ainda mais. Após a quatro tentativas e o exercício do mandato como suplente na última legislatura, ela foi eleita em 2020 para o primeiro mandato.
Segundo ela, o foco agora é não apenas o bairro Aracapé, mas territórios vizinhos, como o Presidente Vargas, Canindezinho, o Planalto Airton Senna e o Parque Santana Rosa. "É preciso olhar para a nossa gente ali, principalmente a parte mais vulnerável", afirma.
A co-vereadora Louise Santana (Psol) cresceu não muito distante do Acarapé de Ana. Duntante a vida, passou por bairros como Novo Mondubim, Parque São José e Loteamento Santa Terezinha sempre em um contexto marcado por vulnerabilidades.
"A minha relação com a cidade era de muitas negações de acesso, muita precariedade e ausência de alimento", afirma. Foram os movimentos comunitários que a impulsionaram. "Tudo isso foi fazendo eu querer acreditar que as coisas coletivas mudavam a realidade", lembra.
Louise divide com Adriana Gerônimo e Lila M. Salu, ambas também do Psol, a experiência do primeiro mandato coletivo, o Nossa Cara. Oficialmente, é o nome de Adriana que aparece nas representações do mandato, mas as funções são divididas entre as três.
Além do mandato, Adriana também compartilha uma história de privações na periferia de Fortaleza. A co-vereadora mora, desde a infância, no Lagamar, próximo ao canal do bairro. "Todo ano a gente perdia tudo por conta do alagamento", conta. As ajudas vinham do Poder Público, mas também dos vizinhos.
"A minha comunidade é um berço de luta aqui em Fortaleza. Desde a década de 1930, sempre lutou para ficar nesse lugar. Foi algo que passou de geração para geração", diz.
A vivência contínua da realidade da cidade tem forte impacto na atuação parlamentar, seja nas proposição legislativas, seja na fiscalização do trabalho do Executivo municipal.
"Nós somos usuárias do serviço público, então a gente sente na pele. Muitos políticos governam as cidades das janelas dos apartamento. A gente governa com o pé na lama, entendendo o que o vizinho passa"
Apesar de admitir as limitações na função de um vereador, Louise ressalta que existe a possibilidade de realizações dentro disso.
"Os Poderes atuam numa perspectiva de se equilibrar, não dá para jogar a responsabilidade no Executivo. Mas nós seguimos com possibilidades por meio do poder popular e da participação", enfatiza.
Defesa do direito da criança
"Eu não sou filha de Fortaleza, mas é assim que me considero", fala a vereadora Francisca das Chagas ou, como ela prefere, Tia Francisca (PL). Nascida em Parnaíba, no Piauí, ela chegou na capital cearense aos seis anos.
O apelido vem do ensino de crianças e adolescentes iniciado há 46 anos no Parque São José. Na época, Tia Francisca tinha 17 anos e tinha começado a se "inquietar na minha comunidade".
"Eu tinha dois filhos e pensei no que seria das crianças, porque aqui não tinha escola, não tinha nada", lembra. O ensino que começou no quintal de casa se transformou na Associação Bem-estar Social do Ceará.
"Eu sou defensora da primeira infância. Quero cuidar dessa comunidade, da sociedade, do povo menos favorecido"
A candidatura, diz, foi um pedido da comunidade. Não apenas no Parque São José, como bairros vizinhos. A vereadora, que teve Covid-19 pouco antes do período eleitoral, não pode participar ativamente da busca por votos devido à sequelas da doença.
O apoio tanto na eleição quanto agora vem da comunidade. "Eu ainda não me senti vereadora. O pessoal tem uma imagem de algo distante e que não tem acesso", descreve. Tia Francisca, por outro lado, disse que espera ansiosa pela diminuição das regras de isolamento para voltar a sentar na calçada.
"A minha rotina continua a mesma de ajudar, de ouvir", descreve. "A minha primeira prioridade é uma escola, porque não existe uma escola pública de ensino fundamental no Parque São José. Eu vou essa porta-voz deles lá".
A defesa de crianças e adolescentes também é uma das bandeiras da vereadora Kátia Rodrigues (Cidadania). Eleita para o primeiro mandato, a parlamentar já havia assumido a cadeira na Câmara no ano passado como suplente.
"Tenho conhecimento das leis e do ECA (Estatuto das Crianças e Adolescentes) para que eu possa argumentar dentro da Casa para cuidar do nosso povo, principalmente das crianças", afirma.
A trajetória de defesa aos direitos dos pequenos começou quando conheceu o serviço do Conselho Tutelar, indicado por uma vizinha. Ao perceber a importância do órgão, tentou uma vaga como conselheira tutelar.
Apesar de não ter tido sucesso na primeira candidatura, passou a divulgar o trabalho da instituição. "Foi aí que descobri minha paixão pelo trabalho social", lembra.
Eleita para dois mandatos como conselheira tutelar, Katia Rodrigues passou a atuar também no terceiro setor. A parlamentar fundou a Instituição Gotinhas do Bem, na qual são atendidas crianças e adolescentes de diferentes bairros de Fortaleza.
"O terceiro setor precisa estar mais na Câmara", aponta a parlamentar que tem esta como uma das prioridades. "Esse terceiro setor tem intimidade com as comunidades, com as famílias. Por isso, ele tem que estar dentro da nossa política social dentro das comunidades altamente vulneráveis".
Os caminhos pela cidade
Transitar por diferentes bairros e comunidades de Fortaleza fez parte da vivência da vereadora Larissa Gaspar (PT) bem antes de iniciar na vereança.
A capoeira, que começou a praticar aos 17 anos, permitiu vivenciar outras regiões como o Poço da Draga, o Riacho Doce e a Rosalina. Com o bodyboarding, veio a proximidade com o litoral de Fortaleza.
"Perceber as desigualdades, fez eu me engajar mais ativamente para enfrentá-las. Começou por meio da capoeira, da arte e cultura e, quando entrei na universidade, foi se materializando", lembra.
O primeiro mandato como vereadora, iniciado em 2016, trouxe a proximidade com outras comunidades, que chegam com necessidades urgentes para o Poder Público. "São demandas específicas, mas não se distanciam de outros bairros", afirma.
Segundo a parlamentar, existem problemas quanto a esgotamento sanitário, posto de saúde, creches e áreas de lazer. "Nós tentamos fazer o que está ao nosso alcance, apesar de não sermos os executores das políticas públicas", afirma.
"A nossa atuação chega pela luta, depois fica a relação de amizade. Nós voltamos para saber como estão as coisas, para tomar um cafezinho com as famílias. Construímos não só relação política, mas também de afeto"
A vontade de diminuir as desigualdades encontradas na cidade também foi o que motivou a vereadora Estrela Barros (Rede) a entrar na vida pública. A parlamentar viveu no bairro Pirambu durante toda a vida. Desta vivência, veio a vontade de se candidatar enquanto vereadora e, nesta atuação, contribuir para a melhoria no território onde cresceu.
"Aqui estão as minhas raízes. Eu venho de uma família carente e, desde criança, a gente começou a ajudar as pessoas. O meu desejo por ajudar foi crescendo e (...) eu percebi que por meio de uma candidatura, eu poderia ajudar mais", afirma.
A pandemia de Covid-19 tem dificultado a vida da população que vive na região. São perdas irreparáveis de vítimas da doença, além do prejuízo à renda da população. Um "efeito dominó", como classifica Estrela, em que é preciso uma olhar de proteção às pessoas vivendo nessas comunidades.
Um cenário que foi agravado pela crise sanitária, mas que existia antes. "Eu vejo a realidade do povo no dia a dia. Uma coisa é ouvir, outra é vivenciar a desigualdade", afirma a parlamentar. "Eu passei por isso, eu convivo e eu posso mudar", acredita.
A convivência com as pessoas que vivem nas diferentes regiões também é colocada como fundamental para pensar a atuação dentro da Câmara Municipal. A escuta e a vivência, nestes casos, se aliam para permitir uma proposição de projetos mais próximos do que as comunidades necessitam.
“Trabalhando junto com a comunidade, a gente consegue mostrar essa desigualdade. E fazer o melhor por Fortaleza”, aponta Estrela Barros. "(Ser vereador) É um papel importante e, se for vivido na sua amplitude, é capaz de contribuir para melhorar a realidade da cidade", concorda Gaspar.
O cuidado com a saúde
Da infância, a vereadora Cláudia Gomes guarda a memória dos caminhos pelas ruas durante a celebração do Reisado, quando ainda tinha 10 anos. Com o passar dos anos, o 'bater de porta em porta' ganhou outro sentido.
Formada em Fisioterapia, a parlamentar passou a frequentar mais assiduamente bairros como Lagoa Redonda, Curió, Messejana e Vila Velha. "Eu vi carência tanto na educação para promover a saúde, quanto no próprio empoderamento da pessoa de cuidar da sua saúde. Foi isso que me despertou a vontade de fazer alguma coisa", lembra.
Antes de entrar para a vida pública, iniciou o projeto social Qualivida, voltado a oferecer serviços de saúde e atividades que contribuíssem com o atendimento de saúde nas comunidades.
"(Daí) nasceu o desejo de poder contribuir mais diretamente com Fortaleza, e vi na vereança a oportunidade de aumentar a minha frente de trabalho pela cidade", explica. Iniciando o segundo mandato, ela aponta a relevância do trabalho do vereadora para a mudar a realidade da cidade, não apenas na saúde.
"Vi que a política poderia ser caminho para essas possibilidade através de projetos, fiscalização do executivo e pedidos para as comunidades pelas necessidades vistas"
A combinação entre projeto social e a preocupação com a promoção da saúde também foi o que levou a vereadora Ana Paula (PDT) a tentar o primeiro mandato na Câmara Municipal de Fortaleza. A profissão de enfermeira, vivenciada em diferentes bairros da periferia da Capital, acabou incorporada ao nome.
"A vida na periferia é bem dinâmica e bem difícil. Eu conheço essa realidade de dificuldade de acesso a saúde", descreve. "É preciso garantir a saúde como direito fundamental e parte da obrigação do Estado".
Nascida no bairro Genibaú, a vereadora cresceu no Autran Nunes. Hoje, expandiu a atuação para outros territórios da cidade, como Jardim Iracema e Barra do Ceará. A vereadora cita os atendimentos a pacientes hipertensos e diabéticos por meio do consultório de enfermagem, além da promoção da saúde na comunidade.
"O trabalho que eu faço dentro da periferia, eu tenho tentado pautar dentro da Câmara"
Ela detalha ainda que não está apenas no acesso à saúde a fragilidade da população que vive nos bairros mais pobres da Capital.
A violência contra a criança e contra a mulher, além da disseminação das drogas nessas regiões também devem ser preocupações constantes do Poder Público, ressalta. "É preciso pensar em políticas públicas para ajudar aquelas pessoas que estão em situação de vulnerabilidade".