Alvos de cabo de guerra no Ceará, como o apoio de prefeitos impacta numa disputa eleitoral
Gestores municipais são fundamentais para dar capilaridade às candidaturas ao governo estadual
Com o afunilamento das candidaturas ao Governo do Ceará e o prazo para as definições de alianças partidárias quase no fim, a disputa pelo apoio dos prefeitos cearenses deve ficar ainda mais acirrada.
O 'cabo de guerra' conta, em 2022, com um elemento raro: o anúncio de desfiliação de gestores municipais para apoiar candidato adversário e a ameaça de sanção partidária a prefeitos que declararem apoio à candidatura de outro partido.
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A busca por atrair prefeitos para candidaturas ao Palácio da Abolição, contudo, não é exclusividade desta campanha eleitoral. Pesquisadores ouvidos pelo Diário do Nordeste apontam que os gestores municipais são fundamentais para construção de palanque nas cidades cearenses, dando capilaridade aos candidatos.
Além disso, foram os municípios do Interior que, em pleitos anteriores, determinaram o candidato vitorioso.
A mobilização entre os gestores municipais começou ainda durante a disputa interna no PDT, entre a governadora Izolda Cela (sem partido) e o ex-prefeito de Fortaleza e agora candidato a governador, Roberto Cláudio (PDT).
O rompimento com o PT – e o lançamento da candidatura de Elmano de Freitas (PT) para o Governo – aumentou o caso de dissidentes entre as prefeituras.
Dissidentes
O PDT foi o partido que sofreu maior número de baixas. Até esta quarta-feira (3), oito prefeitos eleitos pelo partido anunciaram desfiliação para apoiar Elmano de Freitas e o ex-governador Camilo Santana (PT), que irá concorrer ao Senado Federal.
Outros cinco gestores do PDT anunciaram apoio às candidaturas petistas, apesar de não terem dado nenhum sinal de que pretendem pedir a desfiliação.
Ainda entre os partidos da aliança de Roberto Cláudio, um prefeito do PSD e um do PSB saíram das siglas para apoiar o candidato adversário.
Por enquanto, Roberto Cláudio atraiu, pelo menos, dois apoios de gestores filiados a partidos que estão fora do seu arco de alianças - um do PL e outro do próprio PT. Nenhum dos dois, no entanto, anunciou desfiliação.
Veja quem pediu desfiliação para apoiar Elmano
- Dr. Júnior de Castro (ex-PDT)
- Nezinho Farias (ex-PDT)
- Carlos Áquila (ex-PDT)
- Dr. Juju (ex-PDT)
- Bismarck Bezerra (ex-PDT)
- Taiano Martins (ex-PDT)
- Lacerda Filho (ex-PSD)
- Thiago Campelo (ex-PDT)
- Guilherme Saraiva (ex-PDT)
- Marcão (ex-PSB)
- Matheus Gois (ex-PSD)
Fim de ciclo?
Professora de Teoria Política na Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres afirma que essa mobilização de prefeitos, inclusive com desfiliações, "é muito sintomático de um processo de mudança de ciclo político".
"Talvez não tenhamos visto antes esse movimento grande (de desfiliação) porque o grupo estava unificado em torno de uma candidatura e tínhamos, do outro lado, uma oposição que não conseguia compor e lançar uma candidatura competitiva", explica a docente.
Agora, por outro lado, o cenário é distinto, completa. "Temos uma base que se fragmenta e que lança duas candidaturas competitivas. E do outro lado, uma oposição que não é desprezível e que tem estado, nas pesquisas de intenção de voto, em primeiro lugar".
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Torres aponta dois motivos centrais para a competição, entre os candidatos ao Abolição, pelo apoio dos prefeitos. A primeira delas é a importância dos gestores municipais como cabos eleitorais nas cidades - inclusive, para fortalecer o palanque nestes territórios.
"O candidato do governo não pode cobrir todos os municípios. Quem cumpre esse papel são os cabos eleitorais nos municípios. Se esses palanques não forem feitos, não forem fortes, não forem empenhados, quem sofre são os candidatos", explica.
E dentro dessa estratégia, o prefeito é o "principal cabo eleitoral do município", ressalta.
"Pelo papel que ocupa na prefeitura, de chefe do Executivo, tem força para influenciar nos votos dos eleitores, tem força para montar um palanque forte dentro do território em que ele é o chefe do Executivo", diz a especialista.
Influência do Interior
A professora lembra que o interior cearense já decidiu eleições nos últimos pleitos, e que por isso não pode ser diminuído nessa fase da pré-campanha. É sabendo dessa importância, inclusive, que as candidaturas procuram reforço nas lideranças regionais.
Na eleição de 2014 e 2018, os cargos majoritários mais importantes foram decididos nos municípios do Interior. Em 2014, quando o Camilo ganha a primeira eleição, ele ganha virando no Interior, ele ganha por conta de viradas importantes em municípios do Interior. Em 2018, Eduardo Girão vence para o Senado por conta de viradas importantes em municípios do Interior, o Eunício Oliveira perde por conta de municípios do Interior. Isso demonstra o papel que tem o município em uma eleição como essa
Torres explica que por mais recursos que o candidato tenha, essas campanhas precisam de palanque forte e de capilaridade desses palanques.
"Eles encontram isso nos municípios, os municípios que montam esse palanque, são eles que garantem a logística da campanha. O candidato do governo não pode cobrir todos os municípios. Quem cumpre esse papel são os cabos eleitorais nos municípios. Se esses palanques não forem feitos, não forem fortes, não forem empenhados, quem sofre são os candidatos", ressalta.
Cabos eleitorais
Para o cientista político Cleyton Monte, os prefeitos aparecem nessa conjuntura como importantes cabos eleitorais pelo Ceará. É um verdadeiro exército de apoiadores que podem mudar o jogo eleitoral em uma disputa acirrada.
"A gente sabe que o maior cabo eleitoral no município é o prefeito, porque ele traz junto uma pancada de vereadores, principalmente se ele for bem avaliado, e traz as lideranças da região. Por isso, você anunciar o apoio de um prefeito de uma cidade de médio porte, de grande porte, você acaba passando a imagem de musculatura eleitoral", diz o pesquisador da Universidade Federal do Ceará.
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Entre Interior e Capital, o professor ressalta que a maior quantidade de votos está fora de Fortaleza, e que por isso a estratégia é fundamental. "Ganha a eleição quem consegue estar presente na maioria das bases dos municípios. É a votação de Interior que faz a diferença no resultado. O Interior tem 60% dos votos, enquanto Fortaleza tem 40%. Por isso essa busca frenética por apoio", explica.
A simples desfiliação da governadora Izolda Cela do PDT, segundo Monte, é uma sinalização importante para os gestores. Essa neutralidade aparente na disputa de sucessão estadual acaba dando maior liberdade para que os gestores municipais se desfiliem das suas legendas para apoiar uma candidatura a governador.
No contexto de hoje, vale muito esse apoio dos prefeitos, principalmente por conta da desfiliação da governadora, porque abriu espaço (para eles entrarem na campanha). Os prefeitos estavam, de certa forma, apreensivos por conta da sua relação com o Governo, mas a partir do momento que a governadora se desfiliou do PDT e disse que não tem compromisso com nenhuma das campanhas, publicamente, os prefeitos se sentem mais à vontade para manifestar a sua vontade política, seu interesse
Acordos futuros
Para José Roberto Siebra, cientista político e professor da Universidade Regional do Cariri (Urca), ao decidir apoiar um candidato, o cálculo do prefeito não leva em consideração a fidelidade partidária, e sim quais "dividendos" políticos a parceria deve dar nos próximos pleitos.
"Você não tem cultura de participação política nos partidos. Os partidos são um mero apêndice de interesses individuais, que você muda na hora que bem quer e vai para onde quer", contextualiza o professor.
Eleitorado do Interior
Para ele, "o apoio desses prefeitos se dão em cima de alguns condicionantes políticos e pessoais". "Eles podem fazer alianças pensando mais na frente: em tirar vantagem para uma próxima candidatura para deputado estadual, federal ou reeleição, por exemplo, ou para receber algum benefício ou verba para prefeitura", ressalta.
Siebra acrescenta, ainda, a importância do engajamento dos gestores municipais para atrair o eleitorado, tendo em vista que eles estão com a máquina administrativa na mão e presentes no cotidiano dos municípios.
"Quem conhece o processo eleitoral na prática sabe que os prefeitos utilizam como ninguém a máquina pública e essa utilização vai da forma legal às ilegais", ressalta.