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A estratégia de Lula para amarrar palanques em todos os estados do Nordeste

O ex-presidente tem fechado alianças regionaisinclusive com partidos da base bolsonarista

Escrito por Wagner Mendes , wagner.mendes@svm.com.br
Lula, Renan Calheiros e Renan Filho
Legenda: Lula tem encontrado lideranças partidárias do Nordeste para formalizar acordos políticos
Foto: Reprodução/Twitter

Sem precisar gastar a sola do sapato, o ex-presidente Lula tem feito um verdadeiro "arrastão" quando o assunto é acordo político pelo Nordeste. Com exceção do PL, de Jair Bolsonaro, as composições têm acontecido sem vetos, diretamente das reuniões em São Paulo.

Desde janeiro, o pré-candidato à presidência da República pelo PT já teve encontro com sete dos nove governadores da região, com exceção do governador do Ceará, Camilo Santana (PT), e da Paraíba, João Azevedo (Cidadania). 

Alta popularidade na região e capacidade de articulação do petista têm sido elementos fundamentais para o avanço das negociações para garantir palanque nos estados onde, historicamente, teve vitória eleitoral, segundo especialistas políticos regionais ouvidos pelo Diário do Nordeste.

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Além do campo da esquerda e de ex-adversários locais, os principais alvos do petista são nomes vinculados ao chamado Centrão e legendas da base aliada do presidente Jair Bolsonaro no Congresso Nacional.

Para a professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Monalisa Torres, esses acordos acontecem como forma de antecipar uma possível aliança não apenas para o processo eleitoral, mas também pensando na governabilidade em caso de vitória do PT em outubro.

A opinião da professora é compartilhada pelo cientista político da Universidade Federal do Ceará, Cleyton Monte.

O pesquisador reforça o pragmatismo adotado pelo petista e o discurso de pactuação que vem sendo trabalhado por ele. A capilaridade partidária e lideranças regionais seriam fundamentais para garantir a aprovação dos projetos e resistir às crises que porventura sejam instaladas.

Garantir palanques na disputa

O avanço de Lula nas interlocuções ganhou força na última semana de janeiro e na primeira de feveiro, quando teve uma sucessão de encontro com nomes importantes, como os governadores Paulo Câmara, Renan Filho e Flávio Dino. 

Os encontros antecederam nova investida da oposição no Nordeste, principalmente de Jair Bolsonaro. Em eterno embate com os governadores nordestinos, o presidente tem dificuldades em montar palanques competitivos para disputar a reeleição.

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Com agendas em Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte para ações relacionadas à transposição do São Francisco, o presidente da República esteve em estados onde conta com aliados cotados como pré-candidatos em 2022 ao governo ou ao Senado. 

Em Pernambuco, a aposta é no ministro do Turismo, Gilson Machado, pré-candidato ao Senado. No Rio Grande do Norte, o nome é o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, também ao Senado. No Ceará, o palanque deve ficar por conta do deputado federal Capitão Wagner (Pros), pré-candidato ao Governo, e que abriu o evento do presidente em Jati, no Cariri, fazendo o primeiro discurso.

Composição na Bahia

Um dos casos mais emblemáticos da estratégia petista é o da Bahia. Lá, PSD e PP são os maiores partidos do Estado – controlando cerca da metade das gestões baianas e fundamental para a governabilidade.
 
Favorito para vencer a eleição de outubro, Lula tem prometido um ministério ao governador Rui Costa, já que o gestor não vai disputar o Senado, abrindo caminho para o PSD lançar a reeleição do senador Otto Alencar. 

O Progressistas, uma das legendas mais fieis ao bolsonarismo, vai indicar o vice na chapa petista encabeçada por Jaques Wagner (PT).

A negociação é cuidadosa da parte do ex-presidente. O pré-candidato de oposição ao governo da Bahia, ACM Neto (DEM), tem cortejado essas duas legendas para integrar o grupo de resistência ao PT que governa há 16 anos a Bahia.

"Todas as vitórias do PT, que foram no primeiro turno, aconteceram fazendo grandes composições com esses partidos. Os dois partidos grandes na Bahia não são PT nem DEM (hoje União Brasil), e sim PSD e PP, do vice-governador", explica Carlos Zacarias, historiador e professor universitário na Bahia.

Lula está fazendo o que mais ele sabe fazer que é politica. Depois que saiu da prisão, está correndo em raia livre porque não tem no campo oposto ninguém que consiga fazer política como ele
Carlos Zacarias
Professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Acordo nacional em Pernambuco

De olho na negociação nacional com o PSB, Lula retirou a candidatura do PT ao Governo de Pernambuco para apoiar o deputado federal Danilo Cabral (PSB) ao Palácio do Campo das Princesas. Quanto mais estados houver a "contrapartida" petista aos socialistas, mais fácil será um acordo em São Paulo e no Rio Grande do Sul – ainda entraves para o casamento das legendas em 2022.

Priscila Lapa, cientista política pela Universidade Federal de Pernambuco, diz que "Lula é a essência da atuação política". Ela pontua a habilidade "de colocar as cartas na mesa e de fazer as negociações sem qualquer pudor".

Apesar da relação desgastante com o PSB pernambucano, principalmente depois que o partido ficou do lado de Aécio Neves na eleição presidencial de 2014, a presença de Lula nesse "casamento" é algo constante, segundo Lapa.

"PT e PSB em Pernambuco têm relação sólida e desgastada. Em alguns momentos parece ser uma relação que nunca vai se romper e em outros que não vai conseguir se consolidar. Toda eleição passa pela relação entre PT e PSB. Os adversários não decolam até que PSB e PT decidam em que lado estarão", diz a cientista política.

Velhas alianças

Assim como acontece com o PSB, Lula tenta flexibilizar a resistência do MDB para um acordo ainda no primeiro turno. O partido lançou a pré-candidatura da senadora Simone Tebet (RS) à presidência da República.

A empreitada, porém, não tem animado correligionários. Encontros de Lula com Renan Calheiros e o ex-presidente do Senado, Eunício Oliveira, têm despertado as articulações internas para que o partido desista da pré-candidatura.

Essa movimentação tem ganhado força a partir do Nordeste, com a influência de caciques antigos do MDB. Eunício não esconde o desejo de apoiar a eleição do ex-presidente. Em Alagoas, os Calheiros não abrem mão do acordo com o PT, inclusive pela rivalidade com Arthur Lira (PP-AL) – aliado do presidente Bolsonaro.

A estratégia é olhar pra frente e esquecer as divergências vividas pelas duas legendas no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. Em conversas com antigos aliados, Lula tem feito questão de não lembrar do episódio.

Acomodação

A força do lulismo nas pesquisas de intenção de voto no Nordeste tem feito com que o partido amarre alianças com partidos, no mínimo, controversos do ponto de vista da disputa eleitoral.

No Rio Grande do Norte, a governadora Fátima Bezerra (PT) venceu a eleição em 2018 fazendo uma dura oposição ao MDB e ao PDT. Para outubro, os acordos indicam que a gestora vai ter um nome do MDB na vice e apoiará uma candidatura do PDT ao Senado.

Direto de São Paulo, o ex-presidente tem feito diversos encontros com lideranças regionais do partido e nomes que são potenciais aliados. Nessa semana foi a vez da governadora potiguar encontrar o pré-candidato e discutir as alianças locais. 

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No Ceará, o PT aprovou a manutenção da aliança com o PDT, apesar da pré-candidatura de Ciro Gomes (PDT) à presidência da República. Aliados em âmbito local e adversários no campo nacional acabaram construindo resistências internas de alas pró-candidatura própria.

Estratégia de 2018, no entanto, deverá ser repetida para o pleito que se aproxima. Lula acompanha as negociações de perto, inclusive interessado na eleição de Camilo Santana para o Senado como forma de crescer a força do partido no Legislativo.

O governador do Ceará é o único que ainda não teve encontro recente com Lula, o que não deve demorar a se resolver.

No Maranhão, Lula avalizou apoio do PT ao vice-governador Carlos Brandão, após a indicação do governador Flávio Dino, para a chefia do Palácio dos Leões. Tucano, o pré-candidato está de malas pontas para o PSB. A articulação é mais um episódio para ajustar a balança com os socialistas no âmbito nacional e azeitar as relações, inclusive, para a federação partidária.

"Petismo"

Encerrando o quarto mandato como governador do Piauí, Wellington Dias (PT) vai deixar o governo para se candidatar ao Senado. No lugar dele, fica a vice-governadora Regina Sousa, também petista.

Para a sucessão estadual, já está escalado o secretário Rafael Fonteles (PT). O protagonismo do partido no Estado acaba deixando pouco espaço para os aliados. PSD e MDB disputam a indicação da vaga de vice.

Apesar do cenário, a composição com partidos do centro indicam que não há dificuldades nesse diálogo. O governador entrou na agenda do ex-presidente no fim de janeiro para afinar as tratativas locais.

Lá, a composição tem o objetivo de derrotar o grupo do senador Ciro Nogueira (PP), que é aliado de primeira ordem do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele, inclusive, já anunciou a chapa que vai apoiar, com a esposa, a deputada federal Iracema Portela (PP), como vice.

Acenos locais

Tentando antecipar os fatos, o ex-presidente Lula tem tratado o PSD com atenção na região. A intenção é passar um recado para a instância nacional e ajudar na composição ainda no primeiro turno presidencial.

O governador de Sergipe, Belivaldo Chagas (PSD), apesar de não estar bem das pernas com os aliados, vai receber o apoio do PT na missão de fazer o sucessor. 

A estratégia deve ajudar a fortalecer o palanque do ex-presidente no Estado e eleger a vice-governadora Eliane Aquino (PT) para a única vaga do Senado. A expectativa é de que o deputado federal Fábio Mitidieri (PSD) seja o candidato a governador.

Na Paraíba, o partido do ex-presidente se aproximou do deputado federal Aguinaldo Ribeiro, que é ex-ministro da então presidente Dilma Rousseff. Hoje o parlamentar integra o Progressistas, aliado de Bolsonaro no Congresso.

O deputado é pré-candidato ao Senado e principal líder da sigla no Estado para as eleições de outubro. A estratégia de Lula é trazer a liderança para o grupo governista e enfraquecer qualquer movimento do palanque do presidente. 

A expectativa é de que o Progressistas caminhe ao lado do Cidadania, do governador João Azevedo, candidato à reeleição, construindo o palanque de Lula para a eleição presidencial.

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