Pandemia aumenta precarização do trabalho de entregadores

Trabalhadores alegam que precisam cumprir carga horária extrema para receber remuneração que valha a pena. Ministério Público do Trabalho pede reconhecimento de vínculo e apoio contínuo durante a pandemia

Escrito por Redação , negocios@svm.com.br
Legenda: Profissionais enfrentam dia a dia de muito trabalho em meio à perda de renda na pandemia
Foto: Camila Lima

Uma das principais alternativas em meio ao crescimento do desemprego, as atividades de entregas de pedidos ligadas a aplicativos exigem dos parceiros o cumprimento de altas cargas horárias para atingir um ganho semanal suficiente para garantir as necessidades básicas, além dos custos envolvidos. Diante desse e de outros aspectos, entidades e representantes dos entregadores pedem reconhecimento do vínculo de trabalho.

O motoboy Edy Souza (28) trabalha com aplicativos há dois anos, após passar um ano desempregado. Ele faz da atividade a principal fonte de renda, cumprindo, atualmente, de oito a dez horas diariamente. Ele revela que, quando a demanda estava alta, conseguia ganhar até R$ 700 por semana, mas a remuneração tem caído desde o início da pandemia, quando houve um inchaço do número de entregadores cadastrados.

“Muita gente perdeu o emprego ou não estava tendo como trabalhar e se cadastrou, aí a demanda cai. Fora isso, ainda tem a exploração das plataformas. A gente precisa rodar de onze a 15 horas sem parar, sem se alimentar, para conseguir ganhar um valor razoável. Eu já reduzi meu número de horas e estou fazendo entregas particulares, porque os aplicativos estão fracos”, conta Edy. Ele acrescenta que, além da maior disponibilidade de entregadores, o número de pedidos em si caiu com a redução da renda familiar. “As pessoas não têm mais dinheiro como antes”, avalia.

Edy diz se sentir desrespeitado pelas plataformas de delivery diante das condições de trabalho que ele e a categoria precisam enfrentar no dia a dia. “Nossa categoria é essencial, somos também do grupo de risco. Temos de lidar com um trânsito caótico, com uma sociedade violenta, sem falar que, com a pandemia, esse risco para a gente se agravou, estamos na linha de frente, entregando os pedidos para que as pessoas possam ficar em casa. O único suporte que tivemos das empresas foi logo no início, quando entregaram um kit com máscara e álcool, mas depois não tivemos mais contato”, ressalta.

Paralisação

No último dia 30 de junho, os entregadores por aplicativo realizaram uma paralisação nacional reivindicando melhores condições e mais direitos. Edy aponta que algumas das demandas da classe dizem respeito ao aumento da taxa mínima por entrega, auxílio pandemia, distribuição de EPIs, auxílio roubo, e o fim do sistema de pontuação praticado por alguns aplicativos, que, segundo ele, acaba sendo injusto com os motoboys e os penalizando.

O presidente do Sindicato dos Motoboys, Motoqueiros Vendedores e Pré-vendedores, Motoqueiros Cobradores, Mensageiros, Mecânicos e Vendedores específicos da área Motociclista no Estado do Ceará (Sindimotos-CE), Glauberto Almeida, lembra que, assim que sugiram as plataformas, era exigido que os entregadores fossem cadastrados como Microempreendedores Individuais, de forma que se firmava um acordo de prestação de serviço. 

“Depois, começaram a contratar como avulso. Quando os motoboys aceitam essa condição, eles estão abrindo mão do custeio com combustível, manutenção da moto, e outros benefícios que a classe possui. Eles precisam rodar 16 horas por dia para ganhar uma média de R$ 2,2 mil a R$ 2,4 mil por mês”, alega. Ele ainda argumenta que, quando o entregador é punido por não aceitar um pedido, isso gera vínculo de emprego, o que obrigaria as plataformas a cumprir direitos trabalhistas. “Se sou punido quando não vou trabalhar um dia ou quando recuso uma entrega, isso é vínculo, sou subordinado”, ressalta Almeida.

Regulação

Adhara Camilo, presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), aponta que ainda não há uma regulamentação própria da atividade, de forma que os entregadores são tidos como prestadores de serviços, sendo as empresas meras intermediadoras. “Por serem tidos como “empreendedores” que gerem a própria vontade sem qualquer tipo de subordinação, mesmo sujeitos às intempéries, seja enfrentando chuva e sol, os perigos no trânsito, ou a falta de um ponto estruturado que lhe deem suporte mínimo para necessidades biológicas, não têm os direitos de um empregado”, explica.

Ela pontua que, apesar de haver decisões judiciais divergentes e sem uma definição quanto ao assunto, está cada vez maior o apoio a melhores condições para esses entregadores.

A procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE), Mariana Férrer, revela que há ações de dois tipos tramitando. A primeira discute e pede o reconhecimento de vínculo trabalhista para a categoria, e a segunda solicita o fornecimento de EPIs, local para higienização dos veículos, e renda mínima em caso de contágio com o novo coronavírus. “Essas ações relacionadas à Covid-19 tiveram origem aqui no Ceará, através do sindicato dos motoristas, e o MPT entrou pedindo efeitos nacionais, pois a partir da ação sindicalista valeria apenas na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF)”, afirma.

Férrer alega que, apesar de as plataformas considerarem os entregadores como autônomos, elas exercem certo controle sobre eles, mesmo que através dos aplicativos. “Eles direcionam os entregadores para determinada região da cidade que está com maior demanda, dizem o horário de pico em que devem estar disponíveis, se tiverem uma avaliação ruim são cortados da plataforma. Na prática, a autonomia que eles dizem que os parceiros têm não existe”, ressalta a procuradora.

Resposta

Em nota, o iFood afirma que atualmente possui 170 mil entregadores cadastrados em todo o Brasil e que não possui um sistema de ranking e nem de pontuação, praticando o desligamento somente quando há um descumprimento dos Termos & Condições, válido para entregadores, restaurantes e consumidores.

“A empresa esclarece que o valor médio das rotas é de R$ 8,46. Esse valor é calculado usando fatores como a distância percorrida entre o restaurante e o cliente, uma taxa pela coleta do pedido no restaurante e uma taxa pela entrega ao cliente, além de variações referentes a cidade, dia da semana e veículo utilizado para a entrega. Todos os entregadores ficam sabendo do valor da rota antes de aceitar ou declinar a entrega. Todas as rotas têm um valor mínimo de R$5,00 por pedido, mesmo que seja para curta distância”.

A plataforma também aponta que, desde o fim de 2019, oferece aos entregadores o Seguro de Acidente Pessoal, com cobertura de despesas médicas e odontológicas, bem como indenização em caso de invalidez temporária ou permanente ou óbito decorrente do acidente. “Sobre medidas de enfrentamento à Covid-19, desde março foram implementadas medidas protetivas que incluem fundos de auxílio financeiro para quem apresentar sintomas e para aqueles que fazem parte dos grupos de risco. Também foi disponibilizado gratuitamente, até o fim do ano, um plano de benefícios em serviço de saúde. Até o momento, foram destinados mais de R$ 25 milhões a essas iniciativas”, diz a nota.

Procuradas, Uber Eats e Rappi não se pronunciaram até o fechamento desta edição.

 

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