MP das apostas esportivas: como vai funcionar e o que muda com a regulamentação

Texto da medida dispõe sobre as taxas a serem pagas e quem pode ou não realizar apostas

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contém apostas esportivas
Legenda: O Projeto de Lei que busca regulamentar as apostas esportivas no Brasil
Foto: Joedson Alves/EBC

O Governo Federal publicou no Diário Oficial da União (DOU) na terça-feira (26) a Medida Provisória (MP) 1.182/2023, que regulamenta o "mercado das bets" no Brasil. Para além da questão jurídica e política, a tributação prevista para a modalidade deve aumentar a arrecadação dos cofres públicos.

Os pontos do texto dispõem sobre as taxas a serem pagas tanto pelas casas de apostas quanto pelos prêmios, bem como a proibição de quem pode apostar.

Aliada a MP, também foi enviado ao Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) que irá regulamentar a estrutura e a fiscalização desse mercado. A MP tem de ser apreciada em até 120 dias pelos parlamentares para não perder a validade.

R$ 12 bi
Esse é o valor que o Governo Federal espera arrecadar com o mercado das casas de apostas em cenário de máximo faturamento e consolidação.

Inicialmente, a partir de 2024, o Ministério da Fazenda espera arrecadar anualmente em torno de R$ 2 bilhões. Com a consolidação do mercado regulamentado, esse valor deve subir entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões - máximo valor previsto nos estudos do Governo na arrecadação com as casas.

As bets, como são chamadas as casas de apostase os vencedores das apostas serão tributados em esquema similar ao que já acontece no caso das loterias. No caso dos ganhadores, a taxação sobre o prêmio a ser recebido será de 30% referente ao Imposto de Renda, respeitada a isenção de R$ 2.112.

As casas de apostas, por sua vez, serão taxadas em 18% sobre a receita que ganham com todos os jogos após o pagamento dos prêmios aos jogadores e imposto de renda sobre a premiação.

Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste celebraram a regulamentação e acreditam até na expansão do mercado com as novas leis, mas mostraram cautela no que diz respeito à proteção ao consumidor.

INCREMENTO IMEDIATO

O economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Ricardo Coimbra, acredita que o intuito é aumentar o orçamento, em curto e médio prazo, no Ministério do Esporte, uma das principais beneficiadas com os recursos oriundos das bets.

"A tributação de 18%, correlata a outras tributações, vai ser uma tributação complementar. Eles alegam que vai haver uma tributação maior a paga em outros países, mas é muito semelhante ao que já se tem hoje nas loterias regidas pelo Governo Federal. É mais uma forma de arrecadação e de distribuição de recursos, visto que o principal objetivo é destinar recursos para o esporte e outras áreas relacionadas", pontua.

No caso da taxação das casas de apostas, dos 18% retidos pela tributação, 3% irão para o Ministério do Esporte. Os 15% restantes serão divididos entre:

  1. 10% de contribuição para a seguridade social;
  2. 0,82% para educação básica;
  3. 2,55% ao Fundo Nacional de Segurança Pública;
  4. 1,63% aos clubes e atletas que tiverem seus nomes e símbolos ligados às apostas;

Ricardo Coimbra avalia ainda que a regulamentação já era desejo das próprias casas de apostas, mesmo que ainda haja o ajuste - ou não - na taxação de 18%. Para ele, é um mecanismo legal de uma área que já entrou na cultura da população.

Foto que contém uma bola de futebol
Legenda: Apostas em jogos de futebol são as principais bets feitas pelos clientes
Foto: Fernando Torres/CBF

"A regulamentação, não só da MP, mas de outras aprovações conjuntas, é interesse porque você formaliza uma atividade que já está no dia a dia do cidadão e faz com que os setores que atuam no segmento de apostas cheguem a gerar a tributação e redistribuir recursos para outras áreas, principalmente sociais", avalia.

Pedro Amaral, do escritório Amaral e Bohrer Advogados e especialista em direito do consumidor, traz o panorama da tributação do ponto de vista legal, traçando um paralelo entre as bets e o pôquer.

Segundo ele, o envelopamento das casas de apostas como atividade legal ampliou a possibilidade de o Governo aumentar a arrecadação sobre o mercado que, nos últimos cinco anos, vem explodindo em todo o País.

"Se trouxe para o Brasil as casas esportivas com a mesma ideia de que era o pôquer: que não era um jogo de azar, que precisava de habilidade, e no Brasil se envelopou como entretenimento. Por isso, o Estado se aproveitou para regulamentar quem pode participar, quem pode apostar", discorre.

MUDANÇAS PARA BETS E APOSTADORES

O professor da FGV Direito Rio, Daniel Dias, ressalta que a regulamentação deve acelerar o crescimento exponencial do mercado das casas de apostas, que vem se consolidando desde 2018. Apesar disso, ele alerta que é preciso ter cuidado para não transformar em vício a prática da aposta.

"Como pontos positivos são a formalização do setor, abertura de uma nova fonte de receita para o Estado e aumento da segurança para apostadores. Como ponto negativo, está a prática que pode levar a vício e ao empobrecimento da população que não souber lidar com as apostas de uma maneira controlada", declara.

Daniel Dias também dispõe sobre as pessoas que estão proibidas de fazerem as apostas. Com a regulamentação, as bets também têm de manter canal direto com o Governo no caso de eventos suspeitos de manipulação de resultados.

"A MP proíbe pessoas, como menores de 18 anos, dirigentes das empresas de apostas e agentes públicos responsáveis pela regulação ou fiscalização da atividade. Também não poderão fazer apostas pessoas que tenham qualquer influência no resultado do evento, como dirigentes esportivos, atletas e árbitros e inscritos nos cadastros nacionais de proteção ao crédito. Em alguns casos, a proibição se estende aos cônjuges, companheiros e parentes até segundo grau", enumera o professor.

Foto que contém jogadores de Fortaleza e Ceará
Legenda: A MP do Governo Federal proíbe expressamente atletas de fazerem apostas
Foto: Fabiane de Paula

MAIS APOSTAS?

Com a regulamentação e as proibições de determinados públicos em realizarem as apostas, é esperado que parcela da população ainda reticente com as bets possa também entrar no mercado como apostadores, incrementando a receita.

"À medida que você tem essa regulamentação de forma mais transparente e efetiva, você acaba transformando isso de forma mais prática no dia a dia para aquele que gosta do mercado de apostas. Tem uma parcela significativa da população que é meio insegura pelo fato de não ser regulamentada, então pode ajudar no médio e longo prazo", diz Ricardo Coimbra.

O cenário de as bets estarem reguladas, no entanto, ainda traz ressalvas no que diz respeito ao direito ao consumidor.

Sem maiores proteções e salvaguardas aos apostadores, o mecanismo criado prioriza a arrecadação tributária em detrimento dos apostadores.

Não muda o problema e nem cria nenhuma regra nova para endereçá-lo. O que muda é que agora cria-se um mecanismo para dizer que essa atividade é legal, ganha-se a possibilidade de apreciação do Estado. Dá pelo menos a legitimidade para que essas casas respondam por eventuais prejuízos ao consumidor, por mais que não esteja escrito. Se vai demandar o Código de Defesa do Consumidor, é outra história mais para a frente.
Pedro Amaral
Advogado especialista em direito do consumidor
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