Juro baixo deve manter aquecimento da construção civil em 2021
Setor celebra efervescência nas vendas e, com cenário macroeconômico favorável, está otimista para o próximo ano. Meta é criar 10 mil vagas de emprego
O juro baixo tem sido a chave para o sucesso da construção civil, setor que conseguiu atravessar, com firmeza, a espessa nuvem de incertezas no auge da pandemia da Covid-19.
Para muitos cearenses, o ano foi de comprar imóvel. De janeiro a outubro, para se ter dimensão, mais de 5,4 mil imóveis foram financiados no Estado, o melhor resultado neste comparativo desde 2016. O pico de demanda foi tão acentuado que causou um choque no mercado, ao ponto de levar à escassez de insumos, um problema que o setor ainda enfrenta.
Gargalos à parte, de acordo com Patriolino Dias, presidente do Sinduscon-CE, o cenário que se desenha para o ano que vem desperta otimismo.
Neste ano totalmente atípico de pandemia, como a construção civil foi influenciada?
Essa pandemia trouxe muitos prejuízos, não só econômicos, mas também de vidas que foram perdidas. Mas no mercado imobiliário, fomos favorecidos por alguns motivos. Primeiro, a Selic (taxa básica de juros) caiu a níveis nunca vistos no nosso País. A 2% (patamar atual da taxa) nosso mercado funciona superbem. Inclusive, no fim do ano passado, com a Selic ainda a 4%, a gente já via um crescimento no último trimestre de 2019, com alguns lançamentos e excelentes vendas.
Depois da pandemia, algumas pessoas que aplicavam em renda fixa, na Bolsa de Valores, começaram a olhar para a questão do imóvel; e também na pandemia, por conta da quarentena, as pessoas usufruíram mais de suas casas, viram as suas deficiências e qualidades. E esse conjunto de coisas fez com que algumas pessoas passassem a refletir e começassem a partir para adquirir imóveis.
No primeiro semestre, não se lançou praticamente nada, mas o estoque foi consumido. Hoje o estoque de Fortaleza caiu sensivelmente.
Outro ponto é que as pessoas partiram para a segunda moradia, para terem um lazer, uma vez que as viagens ficaram muito limitadas. E mais: algumas pessoas fizeram upgrade nos seus imóveis e agora a gente está tendo uma onda de lançamentos.
Em relação às medidas sanitárias, como foi a adaptação?
O risco de contaminação nas nossas obras é baixo. A gente não recebe público em geral, nossas obras são cercadas, muradas e ventiladas. E a gente adotou um protocolo que vem sendo feito em São Paulo, limitando a entrada de pessoas, aferindo a temperatura. Se alguém tiver algum tipo de sintoma, a gente encaminha pro médico e direciona o caso que necessitar para alguma unidade de saúde. Fornecemos álcool em gel, máscaras e todos os EPIs.
E tem uma peculiaridade no nosso setor: mesmo antes da pandemia, nossos funcionários trabalham de segunda a sexta, e sábado e domingo eles fazem bico. Então, nós fazemos um trabalho de orientação que é muito importante.
A quantidade de gente que pegou Covid foi pequena, e o percentual de mortalidade - e não necessariamente ele adquiriu no nosso canteiro - é de 0,01%.
De alguma forma, a pandemia acelerou os processos tecnológicos do setor?
Acho que a parte que acelerou bem foi a de cartórios. Eles estão começando a ficar mais ágeis. A parte de assinatura de contratos digitalmente, por exemplo. Os clientes conseguem visitar os nossos estandes virtualmente, com 3D, realidade virtual. E isso, com certeza, acelerou um processo que ocorreria em dois anos.
Em relação ao consumidor, o que tem mudado? Os interesses dos compradores mudaram em relação ao perfil do imóvel?
As pessoas logicamente querem mais espaço, porém, tem o fator de limitação financeira. Mas é fato que as pessoas têm procurado empreendimentos com melhor área de lazer, seja do Minha Casa Minha Vida até o altíssimo padrão. Outra coisa importante: alguns empreendimentos já estão saindo com espaço de coworking. Você tem algumas estações de trabalho que facilitam a vida de quem trabalha de casa.
O financiamento imobiliário disparou no Brasil. Em outubro, o crescimento foi recorde, de 84%. O juro tem sido o grande fator, mas há outras questões paralelas que ajudam?
A gente tá no exato momento que é propício para o consumidor adquirir imóvel, tanto é que zeraram alguns estoques de construtoras. Então, você tem preço anterior, de estoques que estavam prontos e são mais baixos, e você tem juro baixo. O melhor momento para comprar imóvel é este.
A questão do auxílio emergencial tem alguma relação com este crescimento?
É fato que tem muitas famílias que nem sequer tinham banheiro em casa. E com este auxílio você tem milhões de pessoas, numa escala enorme, que correram para adquirir cimento, tijolo, PVC para fazer pequenas reformas. E por outro lado, as indústrias estavam fechadas. Então você tem um desequilíbrio de oferta e procura. E aí o preço estourou. A gente teve um aumento exacerbado de insumos, sem um motivo concreto que justificasse. Tijolo praticamente dobrou o preço, aumento de 50% a 80%. A argila tem o mesmo valor, a energia, o salário do funcionário, o carvão, a lenha têm o mesmo valor... Por que é que aumenta tanto? Simplesmente por conta da demanda. Tivemos também aumento de cimento e aço, na faixa de 30%. E tem também o PVC, que está em falta. Então, apesar da parte boa, que é mais pessoas terem acesso, teve essa questão inflacionária, que ainda é um problema, e a falta de insumos para suprir.
Em relação ao mercado de trabalho da construção, como foi este ano e quais são as perspectivas?
Nós, inicialmente, estávamos até preocupados com esta questão. Mas com a reação do mercado, o emprego já vem melhorando. Para você ter uma ideia, no ano que vem, nós temos a previsão de criar 10 mil novos empregos na construção civil no Ceará.
Senado aprovou recentemente o Casa Verde Amarela, programa que substitui o Minha Casa Minha Vida. Qual a expectativa da construção em relação a isso?
O Casa Verde Amarela é uma continuidade do Minha Casa, com um novo nome. É essencial que nós tenhamos programas federais deste tipo para subsidiar a compra da casa própria. Ainda temos muitas pessoas que não têm condições de realizar o sonho da casa própria, e é importante que haja esse apoio público.
O cenário econômico para 2021 vem se desenhando de uma forma favorável? A questão do juro e da inflação está no radar?
Estamos otimistas. A inflação é uma preocupação, com certeza, mas me parece que isto vai melhorar. Tive a oportunidade de estar com o ministro Paulo Guedes e ele me disse que isto é uma coisa pontual. Esperamos que seja mesmo. Em relação ao juro, o patamar atual é o melhor cenário, claro, mas o nosso setor consegue ir bem até com uma taxa um pouco maior.