Inflação e crise dificultam recomposição da reserva de emergência; veja dicas para se organizar
Com o aumento de preços generalizado, muitas famílias têm recorrido às reservas financeiras para conseguir fechar as contas do mês
A redatora publicitária Allehsa Benvindo, de 24 anos, sempre teve o costume de poupar, desde que começou a ganhar o próprio dinheiro, quando ainda tinha 16 anos. Mas, aos poucos, a reserva financeira que vinha sendo construída há anos está sendo corroída.
Mudanças de casa e cidade e a pressão inflacionária fizeram com que ela tivesse que recorrer mês após mês ao dinheiro guardado.
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“Eventualmente minha reserva acabou mesmo, acabou há alguns meses, e é uma sensação meio desesperadora para mim, especialmente porque eu sempre fui muito organizada e sempre tive uma reserva. Não ter essa reserva me deixa bem nervosa, porque se eu tiver uma emergência, eu não vou ter o que fazer”, lamenta.
A situação de Allehsa se repete em outras casas, em um momento que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) já ultrapassa os 10% no acumulado de 12 meses.
Para educadores financeiros, é necessário haver uma readequação dos padrões de vida para que as contas ainda fechem com a atual situação, mesmo nas famílias em que a organização das finanças já era uma realidade.
Inflação e mudança
Allehsa começou a gastar a reserva que alimentava há anos quando saiu da casa dos pais e passou a morar sozinha. Ela saiu de Fortaleza e se mudou com o namorado para Minas Gerais.
Para além dos custos de transporte e frete, ela teve de deixar um dos empregos com a mudança de cidade, tendo uma redução da renda mensal.
“Morando com os meus pais meus gastos não eram tantos, então dava certo. Mesmo depois de sair de casa ainda estava dando certo guardar, mas aí saí do segundo emprego e tudo aumentou 300% de preço”, ilustra.
Com isso, a reserva de emergência aos poucos começou a ser acessada para complementar o pagamento de uma conta ou compras de supermercado.
Eu fui precisando tirar cada vez mais da minha reserva para complementar os custos, só o meu dinheiro não estava dando conta"
Para conter custos, Allehsa se mudou novamente com o namorado, dessa vez para a casa de um familiar, onde o casal não terá de pagar aluguel. O plano é voltar a conseguir guardar dinheiro todos os meses para recompor a reserva.
Mantendo a reserva
O educador financeiro comportamental Jorge Navarro explica que em momentos de pressão inflacionária as famílias devem reavaliar com uma frequência maior a situação financeira, para que os gastos possam ser readequados à nova realidade.
A saída para não consumir toda a reserva é ter sempre um diagnóstico das finanças, possibilitando conhecer para onde vai cada centavo gasto. Só assim é possível perceber onde se está gastando mais e que tipo de custo pode ser cortado para que a situação não saia do controle.
Segundo Jorge, é normal que a reserva seja utilizada um mês ou outro quando as contas apertarem – afinal, é para isso que ela está ali. Mas, se o montante está precisando ser acessado com frequência, é preciso repensar o orçamento familiar.
A ideia principal da reserva é essa, se você se apertou você tem de onde buscar. Mas a hora que você se apertou você tem que voltar no seu diagnóstico porque alguma coisa não está fechando, o que eu gastei a mais. É importante ter sempre essa noção. Se eu precisei da minha reserva dois ou três meses seguidos, tem alguma coisa errada. Tem que voltar no diagnóstico para analisar onde posso cortar”
A educadora financeira do DSOP, Juliana Barbosa, acrescenta que o dinheiro guardado também sofre efeito da inflação. Portanto, precisa ser investido para que o valor passe a valer menos com o tempo.
“Aplicar o valor da reserva num investimento de baixo risco e que possa ser resgatado a qualquer momento é o mais indicado. Existem boas opções de investimentos em Renda Fixa que acompanham a taxa Selic e que estão rendendo mais de 1% ao mês”, indica.
A indicação da educadora é que se tenha guardado entre 6 e 12 meses dos gastos mensais, para que se possa ter segurança no caso de imprevistos ou desemprego.
Economia nos pequenos atos
Para não ser necessário utilizar a reserva, Jorge chama atenção que os cortes no orçamento devem ocorrer nos pequenos atos. Pequenas atitudes fazem diferença na hora de economizar.
“Será que eu preciso continuar comprando as mesmas marcas que eu comprava, será que não tem coisas que eu não estou consumindo e até perco o prazo de validade? Tudo isso é dinheiro que poderia estar sendo poupado, mas está sendo gasto de forma indevida”, exemplifica.
Ele afirma ser importante envolver toda a família na economia, se atentando, por exemplo, para a economia de energia ao desligar luzes desnecessárias. O que pode ser reduzido é particular de cada pessoa.
Cada pessoa tem uma realidade financeira e um padrão de vida próprio. Então, não podemos determinar [quanto é ideal guardar]. Porém, costumo sugerir que seja separado algo em torno de 10% da renda mensal para investir e montar a reserva financeira. Existem pessoas com folga no orçamento e que podem dispor de um percentual maior para atingir o valor da reserva de forma mais rápida”
A busca por uma renda extra também pode ser uma estratégia para quem já cortou todos os excessos. Jorge Navarro destaca, contudo, que esse dinheiro deve ser tratado como o que é: extra.
“Às vezes a gente tem uma renda extra e incorpora ela no dia a dia, ela vira salário. Quando ela vira salário, a gente não pode parar de ter essa renda, vira trabalhar, ganhar e gastar. Se é uma renda extra, uma parte dela pode entrar para compor os custos da casa e da família, outra parte tem que ser direcionada para reserva”, indica.
Dicas para recompor a reserva financeira
- Realize um diagnóstico financeiro, anotando todos os gastos e ganhos. Com base nesses dados, monte um orçamento financeiro, com metas de gastos para cada categoria. Esse diagnóstico deve ser refeito pelo menos todos os anos, a cada mudança de remuneração ou se a reserva financeira precisar ser acessada com frequência.
- Não espere o dinheiro sobrar para guardá-lo no final do mês. Com base no orçamento, retire o dinheiro a ser reservado da conta-corrente logo que o salário cair.
- Atenção aos pequenos gastos: um cafezinho todos os dias pode custar muito no final do mês. Fique atento também a atitudes que, mesmo que pequenas, ajudam a economizar, como apagar luzes e mudar marcas.
- Pesquise preços antes de comprar e não vá ao supermercado com pressa. É importante ir sempre munido de uma lista do que é necessário para não comprar supérfluos ou itens repetidos.
- Busque renda extra, mas trate-a como um dinheiro a mais, e não como parte do salário.