Inadimplência deve ser menor do que a esperada ao término da crise, indica economista-chefe do BNB
Análises de riscos prévias às quais o Banco do Nordeste tem acesso apontam que a pandemia não deflagrou crise tão rigorosa quanto se imaginava
Temor de qualquer credor em tempos comuns, a inadimplência gerada na crise deflagrada pela pandemia da Covid-19 deve ser menor que a prevista, segundo projeta o economista-chefe do Banco do Nordeste, Luiz Alberto Esteves. Primeiro a ocupar o cargo na história do BNB, ele está à frente de análises que servem de base para políticas públicas de desenvolvimento e é o responsável-técnico pelo Escritório de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene).
O crédito foi um dos assuntos mais polêmicos no início da pandemia, quando o lockdown veio. Como avaliar este cenário, principalmente no ponto de maior tensão, as garantias exigidas pelos bancos?
Emprestar dinheiro para uma pequena empresa é complicado em qualquer lugar do mundo. O problema é que em países em desenvolvimento, em países emergentes, como é o caso do Brasil, é ainda pior. Nesses países é muito difícil fazer o crédito chegar aos microempreendedores e até mesmo às médias e pequenas empresas, devido a várias questões. A primeira é da própria estrutura de garantias, porque, por exemplo, nos Estados Unidos e na Europa, toda a propriedade não é simplesmente ativo, é capital. O que significa isso? Um imóvel com escrituração e registro, e isso serve para dar de garantia do financiamento no banco. Isso no Brasil não é realidade.
Aqui, uma quantidade enorme de famílias dispõem de propriedades, mas na hora de isso servir de garantia bancária para ter acesso ao crédito acaba não sendo viabilizado porque muitas vezes o imóvel não está em situação regular e não serve de garantia bancária. Isso gera um problema, porque como as pessoas não dispõem de garantias bancárias, elas vão pegar um dinheiro que não é o adequado.
As desigualdades regionais contêm parte dessa história. O mercado bancário do Sul do País é mais desenvolvido do que do Nordeste não só pela renda, mas pela ocupação das propriedades. Para evitar problemas com a Argentina, Paraguai e Uruguai, colonos europeus e japoneses foram chamados. Esse pessoal já chegou e se estabeleceu com propriedade, ativo e capital.
E o acesso historicamente difícil ao crédito se agravou na pandemia...
Quando se está lidando com um ciclo econômico normal, você sempre vai ter uma recessão, isso sempre acontece. Em condições normais, o que essas recessões acabam fazendo é inviabilizar os mais fracos, aqueles que não estavam preparados são os primeiros a cair.
Essa crise não foi assim. Foi uma pancada tão grande que empresa muito boa vai quebrar, ou já quebrou, e aí o que é que acontece: o risco aumentou muito no segmento em que o risco já é alto, e as garantias baixaram de valor. Ou seja, pra fazer o crédito chegar pra esse público foi uma baita engenharia.
Temos que imaginar o seguinte: aonde você tem muita propriedade, essa propriedade é bonitinha, tem registro, tudo funciona bem. Ali, o mercado bancário vai ter um espaço gigante pra crescer e proliferar. Em outras regiões onde o mercado de garantias já não funciona muito bem, há incerteza em relação às propriedades, o mercado de garantias bancárias fica mais resumido. O mercado de garantias é um multiplicador do crédito.
Esse gargalo também existe quando se observa o microcrédito?
Eu já vejo isso completamente diferente, extremamente promissor. Porque o que é que acontece: olha, tanto o crédito como o microcrédito, nessa situação, tem risco, mas há várias oportunidades. O microcrédito trabalha principalmente na entrada do "miniempreendedor" ali na experiência dele, em grupo solidário. E o grupo solidário faz uma coisa fantástica porque não exige as garantias clássicas que o mercado de crédito pede.
Ou seja, ele não pede garantia, pede um aval solidário. No grupo solidário, o pessoal se conhece e já acaba selecionando grupos muito fortes de certeza que não vai dar "default" (descumprimento das regras de crédito).
Então, isso dá uma robustez ao programa. Elimina um custo operacional que é enorme para o banco, que é ver em quem você pode confiar ou não. Isso garante uma operacionalidade incrível, com uma inadimplência muito baixa, dando dinheiro para pessoas que não têm garantias bancárias. Então, dá para alavancar essa operação com recurso de mercado, ou seja, banco privado pode fazer, a gente pode fazer sem ser com FNE (Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste).
Sobre inadimplência, quais as expectativas para o término da crise?
A impressão que a gente tem é que o risco está menor do que nos cenários mais pessimistas. É sempre importante, quando a gente olhar para inadimplência, a gente olhar a carteira. Por exemplo, uma coisa que sempre baixou muito a inadimplência média foi projetos de infraestrutura, energia... Tinha "default" zero quase. Uma preocupação que a gente tinha é que muitos projetos desses pararam por conta da crise.
Mas outros projetos ajudaram bastante, que foi a infraestrutura em telecomunicações. O segredo é olhar sempre sob a ótica do portfólio. Então, de alguma maneira, a gente está tendo um resultado de inadimplência que era esperado, que pode subir, mas o que a gente tem observado na prática é que os resultados não são tão ruins.
E outra: com as operações que estão com essa carência até primeiro de janeiro de 2021, poderia ter gente que quebrou e não está contando como inadimplência, mas quando ocorre a falência, recuperação judicial, o banco é avisado, já bate na hora aqui. E esse número não tem aumentado como a gente pensou que poderia acontecer.
Aparentemente, o cenário adverso da pandemia está longe de ser aqueles mais rigorosos. E a gente está monitorando isso nas inadimplências das operações que não foram beneficiadas, verificando isso nas recuperações judiciais.
Na hora que falam: olha, você tem indicadores aí de que a recuperação tá sendo interessante... Os nossos dados também mostram um pouco isso. E é interessante, porque banco é o primeiro lugar onde a coisa aparece. Depois é que sai nas estatísticas oficiais.
Neste cenário de retomada, o que esperar das decisões que foram tomadas pelo Conselho Monetário Nacional, que flexibilizou as regras para concessão de crédito, e o Banco Central em movimentos como o PIX?
A discussão do que vai ser promissor na recuperação tem muito a ver com essa mudança de regulamento e as novas tecnologias. Porque aí você vai ter uma concorrência maior, e não só isso, às vezes as pessoas fazem uma interpretação equivocada.
O banco muitas vezes não empresta dinheiro para determinado segmento não porque não está disposto, mas porque ele não tem informação suficiente, informação disponível, não possibilita isso. Agora com essa discussão de open banking, de PIX, e toda essa concorrência, cria um ambiente de alta potencialidade de aumento de crédito no Brasil. Não é milagre. Os modelos de risco agora vão poder ser desenhados melhor.