Impasse entre Cagece e Anatel pode atrasar usina de dessalinização e aumentar conta de água; entenda

Em ofício enviado à Cagece, a Anatel se coloca contrária à instalação da usina de dessalinização na Praia do Futuro

Escrito por Heloisa Vasconcelos , heloisa.vasconcelos@svm.com.br
Praia do Futuro
Legenda: Usina está prevista para ser construída na Praia do Futuro e converterá água do mar em potável
Foto: Talles Freitas

A implantação da Planta de Dessalinização de Água Marinha, que prevê a produção 1000 litros de água por segundo para o abastecimento de Fortaleza e Região Metropolitana, pode sofrer novos atrasos e uma oneração nos custos. 

Na última terça-feira, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) enviou ofício à Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) se manifestando contra a instalação do projeto na Praia do Futuro. 

O impasse se dá devido à existência de cabos submarinos de empresas de telefonia na região. Por conta dessa infraestrutura já existente, a agência sugere a mudança do projeto para outra localidade. 

Para a Cagece, uma mudança no projeto acarretaria um atraso de mais pelo menos um ano nas obras, além de aumento nos custos de investimento, que seriam invariavelmente repassados aos consumidores em reajustes nas contas de água. 

De acordo com o presidente da companhia, Neuri Freitas, a Cagece entrará em vias judiciais para resolver o imbróglio junto à Procuradoria Geral do Estado (PGE).  

“Agora, nos resta questionar tudo isso, até entrar com medidas judiciais. Porque nessas tratativas já perdemos 6 meses de trabalho na usina, isso inclusive já vai gerar um custo a mais para essa usina e para a população. A Anatel está inviabilizando a usina de dessalinização para Fortaleza, gerando todo o risco hídrico”, destaca. 

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Briga por território 

Neuri contextualiza que algumas empresas telefônicas que possuem cabos submarinos na Praia do Futuro questionaram a obra por meio da Anatel, mesmo após a assinatura da licitação para a implantação da usina. 

Ele conta que as tratativas para resolver a situação de forma administrativa começaram há seis meses. Segundo o presidente da Cagece, a usina seria implantada a 50 metros de distância dos cabos já existentes, mas isso não traria nenhum prejuízo para a operação das telefônicas. 

Em busca de negociação, ele conta que a Cagece trouxe a proposta de instalar a usina a 250 metros dos cabos, mas não houve acordo.  

“Nós tentamos, disse que modificava inclusive a distância. Mas eles não aceitam, não querem nada na Praia do Futuro, é como se a Praia do Futuro fosse reservada para eles. A gente não pode deixar a Praia do Futuro privatizada por um grupo de companhias telefônicas”, protesta. 

De acordo com Neuri, foi realizado todo um estudo desde 2016 para a implantação da usina na Praia do Futuro, levando em conta aspectos como economicidade, qualidade da água, menor impacto ambiental e características do mar. 

Qualquer alteração no projeto já aprovado exigiria um novo estudo, o que acarretaria em um maior atraso nas obras e mais custos. Ele argumenta que não há como mudar o projeto de lugar, já que imóveis inclusive já foram desapropriados na Praia do Futuro para a instalação da usina. 

Segundo ele, a situação também pode trazer um aumento no valor cobrado pelos consumidores pela água encanada. Ele afirma que não há ainda como prever quanto a conta iria pesar, já que seria ainda necessário realizar estudos para um novo orçamento de custos caso o projeto mude de lugar. 

“Quanto mais distante estivermos da Praia do Futuro, mais caro vai ficar", alega. 

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Impactos no abastecimento 

O presidente da Cagece ainda chama atenção para os riscos de adiar ainda mais a obra, que tem como objetivo trazer maior segurança para o abastecimento hídrico da Capital e Região Metropolitana.  

“Se a gente voltar a ter uma situação hídrica não muito favorável, a falta da dessalinização vai trazer uma dificuldade de abastecimento para a população. Quanto mais atrasar, mais aumenta o risco de a população de Fortaleza ficar sem água tratada”, aponta. 

Em nota, a empresa Águas de Fortaleza, responsável pela construção da planta, também aponta para os riscos com a posição da Anatel. 

“O equipamento, que há anos é de interesse do Governo do Estado e da população, é a mais importante alternativa para atenuar os problemas de abastecimento de água de Fortaleza agravados pelos sucessivos períodos de estiagem. A Planta terá capacidade de produção de 1 m³/s, aumentando em 12% a oferta de água. A posição simplista da Anatel não avalia os prejuízos do desabastecimento de água na 5ª maior cidade do Brasil”, considera. 

A empresa argumenta que todo o processo licitatório para a construção da usina foi precedido de duas consultas públicas e uma audiência pública, tendo havido possibilidade de questionamentos antes da assinatura da licitação. 

“O ofício simplista afirma que, em função da infraestrutura de telecomunicações já estar instalada no local há mais tempo, qualquer risco, ainda que pequeno, deve ser evitado. Dessa forma, a Anatel imagina a Praia do Futuro - uma faixa de costa urbana com mais de 8km - como reserva para uma única atividade, ignorando que a mesma é um espaço público de interesse de todo fortalezense”, acrescenta. 

"Incontornáveis riscos às telecomunicações brasileiras"

O Diário do Nordeste entrou em contato com a assessoria de imprensa da Anatel para esclarecimentos sobre o assunto. Foi questionada a possibilidade da coexistência das duas operações na mesma faixa da praia e os riscos que a operação da Cagece poderia trazer. 

Também foi questionado sobre os impactos diretos que o posicionamento da agência pode trazer para os fortalezenses e o que será feito em busca de uma conciliação entre as partes. 

Em resposta, a agência encaminhou um ofício que foi enviado ao prefeito José Sarto sobre a situação. No documento, a Anatel afirma que "em análise exaustiva" foi notado que poderiam haver "incontornáveis riscos do empreendimento às telecomunicações brasileiras".

"Em análise exaustiva sobre a compatibilidade do projeto de construção e operação da usina de dessanilização e a operação de cabos submarinos de telecomunicações, registrada no Informe nº 277/2022/COQL/SCO (SEI nº 8899745) anexo, não obstante o reconhecimento da relevância da Usina para a população local, a ANATEL concluiu pela oposição à execução do projeto nas proximidades da Praia do Futuro, na cidade de Fortaleza/CE, devido aos incontornáveis riscos do empreendimento às telecomunicações brasileiras e por solicitar que a instalação seja realizada em outro local viável, conforme previsto no edital da licitação", destaca.

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