Hotel de luxo em praia no Ceará é denunciado por construção em faixa de areia

Em Fortim, Jaguaríndia Village teve obra de muro embargada por ficar muito próxima à faixa de pós-praia, mas voltou a construir nas proximidades do local

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Legenda: Praia Pontal de Maceió fica localizada no município de Fortim, às margens do Rio Jaguaribe
Foto: Diário do Nordeste

A praia do Pontal de Maceió, no Fortim, no litoral leste do Ceará, conta com uma série de empreendimentos turísticos de luxo. Um deles, porém, está sendo denunciado por moradores e ambientalistas pela construção de um muro de contenção à beira-mar.

A denúncia é feita por Vanda Carneiro, geógrafa, especialista em gerenciamento costeiro e pós-doutora em geomorfologia costeira pela Universidade da Flórida, e também por moradores da região. A ambientalista elaborou um parecer relatando as violações do Hotel Jaguaríndia Village.

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O empreendimento entrou em operação em dezembro de 2021 e conta com 50 mil metros quadrados (m²) de área construída e 300 metros de praia exclusiva.

Em nota, o Jaguaríndia informou que está em dia com todas as documentações e aprovações de órgãos municipais, estaduais e ambientais.

"O Hotel Jaguaríndia Village está em operação em Fortim desde dezembro de 2021, empregando diretamente 80 pessoas, com todas as documentações e aprovações dos órgãos municipais, estaduais e ambientais, inclusive tendo obtido as licenças necessárias de órgãos competentes para instalação de um muro de contenção, localizado dentro da área interna do empreendimento", declarou o empreendimento.

LOCALIZAÇÃO PRIVILEGIADA

O Hotel Jaguaríndia Village fica em uma região conhecida pelos resorts de alto luxo. Conhecido como Praia Canoé, o loteamento conta ainda com outros empreendimentos.

Um deles é o empreendimento imobiliário da própria rede Praia Canoé, nas margens da praia do Pontal de Maceió, nas imediações do encontro do Rio Jaguaribe — o maior rio do estado, com 633 km de extensão — e o mar.

Procurada pela reportagem, a Rede Praia Canoé informou que não tem relação comercial com o Jaguaríndia Village e que o hotel de luxo adquiriu do complexo um terreno para a construção do empreendimento turístico.

Legenda: Bangalô do Jaguaríndia Village. Praia aparece logo após o fim da cerca de madeira, ao fundo da foto
Foto: Reprodução/Site Jaguaríndia

O Jaguaríndia faz parte da mesma rede de empreendimentos que conta ainda com o Vila Selvagem e o Jaguaribe Lodge & Kite, também localizados na região do Pontal de Maceió.

Muro de concreto

O Jaguaríndia Village, por estar localizado em uma região muito próxima da praia, teve de realizar a construção de um muro para conter o avanço das águas do mar e a erosão costeira. Essa edificação começou a ser feita na parte de pós-praia, com área de isolamento para as obras, incluindo a área de praia.

Conforme as definições de geomorfologia costeira, pós-praia é a região que geralmente não é atingida pelo vaivém das ondas, popularmente conhecida como a faixa de areia onde pode acontecer o desenvolvimento de vegetação e o depósito de diversos sedimentos. Praia, por sua vez, é área banhada continuamente pelas águas.

Segundo o parecer de Vanda Carneiro, obtido pelo Diário do Nordeste com a ambientalista, o muro que começou a ser feito pelo Jaguaríndia Village tem como finalidade proteger o empreendimento da erosão costeira provocada pela própria construção.

“O muro de concreto tem o intuito de proteger contra a erosão setores de uma construção indevida realizada na faixa de pós-praia, associada com a instalação de uma pousada”, explica a ambientalista.

Vanda esclarece que toda a área de construção do muro é feita usando maquinário pesado, como tratores, favorecendo a compactação do solo na região.

Para a obra, são usadas ainda manilhas de ferro, causando impacto ainda na paisagem e no trânsito de pessoas. A ambientalista explica que, nos períodos de maré alta, a edificação é alcançada pelas ondas.

Legenda: Manilhas de ferro instaladas pelo Jaguaríndia Village na construção do muro. Obra foi embargada pelo Ibama
Foto: Reprodução

“Isso prejudica a fauna marinha litorânea, por compactar as areias, pisotear os nichos ecológicos e romper a continuidade ecológica com o continente. O paredão, por outro lado, impede a livre transferência de sedimentos para o interior da zona costeira, o que é fundamental para a manutenção da fauna costeira e para a alimentação de dunas, as quais por sua vez são importantes para o abastecimento do lençol freático costeiro”, enumera.

Embargo

A obra chegou a ser embargada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas de acordo com a denúncia da ambientalista, foi retomada em abril deste ano.

Em nota, o Ibama afirmou que o embargo na obra de construção do muro na faixa de praia segue válido.

"A obra permanece embargada e o termo de embargo não foi descumprido. A construção é na parte interna ao terreno, de novo muro de contenção, construído com recuo de cinco metros de distância da área embargada. Ressaltamos que o empreendedor apresentou o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) e realiza retirada de materiais colocados na área da praia", explica o Ibama.

Toda a fiscalização da área da construção do muro do Jaguaríndia Village fica a cargo dos órgãos municipais de Fortim. Para Vanda Carneiro, no entanto, o que vem acontecendo é o “ocaso da fiscalização ambiental” no Ceará.

“O Ibama pediu um Plano de Recuperação de Área Degradada, ao invés de pedir a retirada das manilhas. A Semace simplesmente se recusa a fiscalizar, com o argumento que o município tem autonomia no licenciamento ambiental. No entanto, não podem passar por cima das leis ambientais, como estão fazendo. Denunciamos também ao Ministério Público estadual há cerca de dois meses, mas nada acontece”, critica Vanda.

Também em nota, a Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Estado do Ceará (Sema) informou que as denúncias devem ser encaminhadas ao município.

"O município de Fortim já comunicou ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) que está realizando as atividades de licenciamento, monitoramento e fiscalização ambiental. Assim, as denúncias ambientais devem ser direcionadas ao município", pontua.

Já a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) informou em nota que tem conhecimento do caso, bem como das medidas administrativas adotadas pelo ente mucipal "uma vez que a obra ocorreu em desacordo com a Autorização Ambiental de N°26/2022-SEMMAM, emitida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, tendo sido aplicadas as sanções administrativas de multa e embargo em desfavor de Jaguaribe Hospedagem LTDA. pelo órgão licenciador, como prioriza a lei".

"Ressaltamos que, diante da responsabilização administrativa providenciada pelo ente municipal, não cabe ação supletiva do ente estadual, uma vez que as competências estão sendo exercidas de acordo com a Lei Complementar no 140/2011 e Resolução Coema no 07/2019. Uma eventual sanção da Semace seria inócua, pois a lei estabelece que prevalece a autuação do ente municipal", acrescentou a Superintendência.

Ministério Público

Já o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) disse em nota que por meio Promotoria de Justiça Vinculada de Fortim, informa que recebeu denúncias de moradores da cidade referentes à construção de dois muros, próximos à faixa de praia, pelo Hotel Jaguaribe Hospedagem.

"A respeito do primeiro muro, o MP realizou um levantamento e verificou que a obra foi alvo de embargo pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e foi autuada pelo Batalhão de Polícia do Meio Ambiente. O hotel argumentou que teve autorização da Secretaria Municipal do Meio Ambiente para realizar a construção, porém o MP Estadual foi informado que a permissão foi revogada. O MPCE abriu procedimento para apurar a regularidade da situação", informa o MPCE.

Legenda: Trator em faixa de praia na construção do muro do Jaguaríndia Village
Foto: Reprodução

Ainda conforme o MPCE, no dia 20 de julho, o órgão ministerial realizou reunião com o advogado da empresa, que confirmou o interesse em remover o primeiro muro. 

"De acordo com o representante do hotel, a única pendência para a remoção é uma autorização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. O Ministério Público irá entrar em contato com a secretaria para solicitar agilidade quanto à concessão da autorização. O MP Estadual irá avaliar os documentos enviados pelas partes para apurar se houve irregularidade nas esferas cível e criminal", acrescenta o MPCE.  

A reportagem do Diário do Nordeste entrou em contato com a Prefeitura Municipal de Fortim e com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Fortim, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

A ambientalista Vanda Carneiro explica quais as leis violadas com a construção do muro com a utilização de manilhas na faixa de areia da praia do Pontal de Maceió.

A resolução 303, de 20 de março de 2002, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que, dentre outras disposições, trata sobre as Áreas de Preservação Permanente. Isso inclui dunas, restingas, manguezais e faixas de praia. 

O Código Florestal também sofreu violações, consoante o parecer de Vanda Carneiro, com a remoção da vegetação fronteira das restingas, além da desobediência aos planos de gerenciamento costeira do Ceará e do Brasil.

Qualquer especialista em dinâmica marinha e costeira poderá atestar que o muro não conterá a erosão, crescente em todo esse setor costeiro do Estado do Ceará, e apenas servirá para implicar na presença de entulhos e restos de construções na faixa de praia
Vanda Carneiro
Especialista em geomoforlogia costeira

QUESTÃO RECORRENTE

A ambientalista do Instituto Terra Mar, Soraya Tupinambá, explica que o Jaguaríndia Village, pela proximidade com a faixa de praia, corre um risco alto de ser destruído pela erosão.

"Faixa de praia é mutante, é um limite que se altera principalmente com relação as mudanças climáticas. Em todo o mundo, estamos observando o aumento do nível dos oceanos, e as preamares, as máres altas, estão cada vez mais acima do nível. Então esses empreendimentos costeiros vão ser varridos e virar um monte de escombros", projeta.

Ela ainda recorda o caso da Praia de Iparana, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, que com o tempo e os desequilíbrios ambientais da região ocasionaram erosão da praia. 

Tupinambá frisa que a característica mutante da orla tem ficado ainda mais evidente com as alterações climáticas, que desregulam as marés e aumentam substancialmente o nível dos oceanos. 

"A praia não existe mais, só o monte de pedra. Esse é o custo de ocupar a faixa de praia, o recuo é uma necessidade para o turismo. O ideal é que você tenha o recuo para que a praia exista, para que você tenha um recuo ainda maior", lamenta a ambientalista.

Legenda: Invasão do mar em Praia de Iparana, Região Metropolitana de Fortaleza. Foto tirada em 2016
Foto: Fernanda Siebra/Diário do Nordeste

Virando escombros, construções à beira-mar podem trazer questões como pragas urbanas, como ratos e baratas, além de afastar os turistas da região.

"Vão ficar escombros nas praias, problemas de saúde pública. Caberia (no futuro) ao dono do empreendimento processar o próprio município pela construção em um lugar impróprio. É um problema de saneamento, o lugar se torna feio, prejudica o turismo e os negócios", salienta.

O QUE DIZEM OS ENVOLVIDOS

  • Sema

O município de Fortim já comunicou ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) que está realizando as atividades de licenciamento, monitoramento e fiscalização ambiental. Assim, as denúncias ambientais devem ser direcionadas ao município.

  • Ibama

A obra permanece embargada e o termo de embargo não foi descumprido. A construção é na parte interna ao terreno, de novo muro de contenção, construído com recuo de cinco metros de distância da área embargada. Ressaltamos que o empreendedor apresentou o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) e realiza retirada de materiais colocados na área da praia.

  • Ministério Público do Estado do Ceará (MP-CE)

O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio Promotoria de Justiça Vinculada de Fortim, informa que recebeu denúncias de moradores da cidade referentes à construção de dois muros, próximos à faixa de praia, pelo Hotel Jaguaribe Hospedagem.

A respeito do primeiro muro, o MP realizou um levantamento e verificou que a obra foi alvo de embargo pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e foi autuada pelo Batalhão de Polícia do Meio Ambiente. O hotel argumentou que teve autorização da Secretaria Municipal do Meio Ambiente para realizar a construção, porém o MP Estadual foi informado que a permissão foi revogada. O MPCE abriu procedimento para apurar a regularidade da situação.  

Nesta quinta-feira (20/07), o órgão ministerial realizou uma reunião com o advogado da empresa, que confirmou o interesse em remover o primeiro muro. De acordo com o representante do hotel, a única pendência para a remoção é uma autorização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. O Ministério Público irá entrar em contato com a secretaria para solicitar agilidade quanto à concessão da autorização. O MP Estadual irá avaliar os documentos enviados pelas partes para apurar se houve irregularidade nas esferas cível e criminal.

Sobre a denúncia acerca do segundo muro, o MP Estadual está avaliando a documentação enviada pelas partes.

  • Jaguaríndia Village

O hotel Jaguaríndia Village está em operação em Fortim desde dezembro de 2021, empregando diretamente 80 pessoas, com todas as documentações e aprovações dos órgãos municipais, estaduais e ambientais, inclusive tendo obtido as licenças necessárias de órgãos competentes para instalação de um muro de contenção, localizado dentro da área interna do empreendimento.

 

 

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