De shoppings a igreja: Ricardo Eletro possui dívida de R$ 83,6 milhões no Ceará; veja lista

Lista de credores da empresa no Estado conta com 467 dívidas locais, entre trabalhadores, consumidores e fornecedores

Escrito por Carolina Mesquita , carolina.mesquita@svm.com.br
Legenda: Em 2020, Ricardo Eletro fechou as 300 lojas do grupo que ainda funcionavam, ocasionando no desligamento de 3,6 mil funcionários
Foto: Kid Júnior

Depois de ter a falência decretada na última quinta-feira (09) e suspensa no dia seguinte, o plano de recuperação judicial da Ricardo Eletro está atualmente paralisado por ainda não ter homologação.

Enquanto recursos judiciais não são analisados e decidam o destino do imbróglio, 467 credores cearenses ficam no aguardo de receber R$ 83,6 milhões devidos pela empresa no Estado.

Conforme documentos disponibilizados pela Laspro Consultores, administradora da recuperanda no processo de recuperação judicial, a lista de credores inclui 244 dívidas de natureza trabalhista no Estado, que totalizam R$ 1,72 milhão; 216 débitos com fornecedores em geral no valor de R$ 81,72 milhões; e mais sete compromissos de R$ 168,9 mil com sete microempresas ou empresas de pequeno porte.

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Quirografários

A categoria que acumula o maior valor da dívida é chamada quirografários, que inclui todos os débitos que não sejam trabalhistas, que não tenham direito garantido, e que não sejam vinculadas a microempresas ou empresas de pequeno porte.

Nesse caso, os valores devidos variam de R$ 112,77 a R$ 45,06 milhões. Entre os prejudicados estão consumidores que não receberam bens adquiridos em lojas do grupo Máquina Venda (controlador da Ricardo Eletro), shoppings e imobiliárias que alugavam pontos comerciais, indústrias e até igreja.

A maior parcela dos credores quirografários no Ceará é de consumidores - 139 ao todo -, seguido pelos fornecedores (68) e pelos quirografários (9).

O documento ainda subdivide as categorias por natureza das dívidas. Os consumidores e os quirografários, por exemplo, estão todos ligados a processos cíveis incontroversos, quando o valor da dívida indicado é o mínimo e incontestável.

"Por exemplo, eu entro com um processo e digo que tenho direito a R$ 100 mil, mas a empresa diz que eu só tenho direito a R$ 50 mil. Esses R$ 50 mil são incontestáveis, é o mínimo que deve ser pago, porque já foi reconhecido pela empresa", explica o presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-CE, Ricardo Wagner Oliveira Santos.

Já os fornecedores são subdivididos pela natureza da atividade: aluguel, indústria, marketing ou serviços.

Os aluguéis (29), seguido de perto pelos serviços não especificados (28) são a maioria em número, mas os fornecedores industriais concentram 87% da dívida total no Estado, somando R$ 71 milhões devidos a quatro credores atuantes no segmento de linha branca.

Entre os serviços, há empresas atuantes no segmento imobiliário, fornecedora de alimentos, transportadora, veículos de comunicação, pessoas físicas e até concessionárias de serviços básicos de água e energia elétrica.

Micro e pequenas empresas

Entre as micro e pequenas empresas, sete cearenses aguardam o pagamento pelos serviços prestados à Ricardo Eletro. Essas são consideradas fornecedoras das atividades de aluguel, marketing e serviços em geral não especificados.

As prejudicadas também são fornecedoras de artigos de viagem, distribuidoras de água e gás, pessoas físicas, entre outras.

Trabalhadores

No Estado, 244 credores aguardam o recebimento de valores referentes a direitos trabalhistas, débitos que devem ser priorizados caso a falência do grupo seja confirmado.

Esse grupo também é subdivido em processos incontroversos (14 credores), rescisão pré-Covid (129), rescisão pós-Covid (98) e sindicato (4).

Nessa classe, as dívidas variam de R$ 4,99 a R$ 115,9 mil, totalizando R$ 1,72 milhão.

Recuperação judicial

A Máquina Vendas, também controladora de redes como Insinuante, EletroShopping, Salfer e City Lar, ingressou com pedido de recuperação judicial em agosto de 2020, com dívida cotada na época a mais de R$ 4 bilhões.

A medida - tomada cerca de um mês após a breve prisão do fundador do grupo Ricardo Nunes por sonegação de impostos - foi seguida pelo fechamento das 300 lojas do grupo que ainda resistindo, ocasionando no desligamento de 3,6 mil funcionários.

Santos, presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-CE, explica que em um processo de recuperação judicial a empresa apresenta um plano de recuperação que é avaliado e aceito ou não por um comitê de representantes dos credores.

No caso da Ricardo Eletro, o plano foi aprovado em assembleia por 75% dos 17 mil credores, mas ainda não foi homologado pela Justiça por 17 deles terem contestado judicialmente o plano.

"A recuperação judicial não tem aprovação do juiz, quem aprova são os credores, a Justiça apenas homologa. Esse comitê, que conta com a representação de classes como trabalhista, com direito garantido, quirografário e ME e EPP, vai fiscalizar as atividades, verificar se o plano de recuperação está sendo seguido, e comunicar ao juiz caso não", detalha Santos.

Possível falência

Caso a falência seja decretada, a lista de credores passa a ter outra configuração e propósito: a priorização dos pagamentos.

Em situações como essa, são quitados em ordem:

  1. Débitos trabalhistas limitados a 150 salários mínimos por credor
  2. Dívidas com direitos garantidos, por exemplo, instituições financeiras que tenham concedido empréstimos com garantia de imóveis
  3. Débitos tributários, referente a impostos
  4. Quirografários, que são todos os demais credores, entre fornecedores, prestadores de serviço, consumidores, etc

Santos esclarece que, na falência, são arrecadados todos os ativos e bens da massa falida, entre imóveis, estoques, marcas, para fins de pagamento dos credores.

Estima-se que a Ricardo Eletro possua cerca de R$ 2 bilhões em bens, o que seria suficiente para pagar apenas metade dos credores.

Em situações como essa, o advogado pontua que, após o pagamento das dívidas possíveis, seguindo a ordem de prioridade estabelecida em lei, a falência é arquivada até que novos ativos sejam encontrados ou seja constatada fraude, por exemplo.

Questionado sobre o imbróglio e qual deve ser a resolução, Santos pontua que não é um grande conhecedor do processo, mas que, como a assembleia de credores aprovou o plano de recuperação apresentado, deveria-se dar a chance da empresa tentar se recuperar.

"Pelo relatório do juiz que decretou a falência, trata-se de um plano de recuperação complexo em uma situação financeira-econômica mais complexa ainda. Mas a decisão do comitê é soberana e sou defensor de que seja dada a chance da empresa se preservar como fonte produtora", argumenta.

Ele acrescenta que, por envolver um número significativo de credores, é importante que a recuperanda utilize mecanismos alternativos de resolução de conflitos, além da própria Justiça, como a mediação, com o objetivo de dar mais celeridade ao processo.

"Um caso de sucesso do uso dessas alternativas é o da Oi, que tinha cerca de 60 mil credores e foi muito bem sucedida", revela.

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