De quem é a culpa da alta da gasolina e o que pode ser feito para baixar os preços?
Após presidente apontar dedo para os estados, governadores reagem, mas tema demanda discussões complexas
O preço da gasolina já chegou a R$ 7 nos estados do Acre, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Tocantins. No Ceará, o combustível chega a custar R$ 6,39, segundo o último levantamento semanal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Com o preço pesando no bolso dos consumidores, o assunto vem sendo tratado politicamente como uma batata quente. Desde o início da crise inflacionária, o presidente Bolsonaro vem atribuindo a culpa aos governadores, que passaram agora a reagir com contundência às acusações.
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Na última quarta-feira (18), Bolsonaro voltou a responsabilizar os governadores e a incidência de carga tributária pelo aumento no preço dos combustíveis. “Sabemos que a inflação está batendo na porta de vocês, mas lá atrás grande parte dos governadores e da nossa mídia disse que deveríamos respeitar aquela máxima: 'fique em casa que a economia a gente vê depois’”, declarou em evento em Manaus.
O governador Camilo Santana rebateu o discurso nesta terça-feira (24), acusou Bolsonaro de mentir e afirmou que a “responsabilidade é única e exclusiva do Governo Federal e da Petrobras”.
Mas, afinal, existe um culpado pelos consecutivos aumentos na gasolina?
Petróleo e dólar
Desde 2016, a Petrobras realiza uma política de paridade de preços internacionais para definir o valor vendido nas refinarias. Isso significa que fatores externos que possam aumentar os custos da estatal chegam invariavelmente direto para o consumidor.
O economista e professor da FGV, Mauro Rochlin, aponta dois principais fatores que motivaram a decolada do preço dos combustíveis: o petróleo e valorização do dólar.
No início do ano passado, o preço do barril de petróleo despencou. As medidas de restrição em razão da pandemia desaqueceram a economia e diminuíram a procura pela matéria prima, tornando-a mais barata.
Em abril do ano passado o barril do petróleo Brent desceu ao menor patamar de 2002, chegando a menos de US$ 20. A queda no preço, contudo, não chegou às bombas.
“A gente não observou a gasolina cair quando o preço do petróleo caiu porque no início da pandemia teve uma alta muito grande no preço do dólar. O dólar saiu de R$ 4,10 e chegou a R$ 5,80 em maio do ano passado. A queda do petróleo foi mais que compensada pela alta do dólar”, explica o especialista.
O retorno gradual das atividades econômicas, sobretudo com a vacinação, voltou a aquecer a demanda pelo produto, mas, diante dos prejuízos no ano passado, os produtores internacionais de petróleo têm segurado a oferta. Nessa terça-feira (24), o barril do petróleo Brent foi vendido a US$ 70,44.
A recente disparada no preço, portanto, tem relação direta com a política de preços da Petrobras e o comportamento do mercado externo.
Composição do preço
O preço nas refinarias, definido pela Petrobras, é uma das variáveis que compõem o valor final que chega aos consumidores.
No meio do caminho, a gasolina ainda passa por adição de álcool anidro, sofre incidência de impostos e tem uma parcela de distribuição e venda, definida livremente por cada posto.
O álcool anidro, que representa 16,3% do preço da gasolina, também contribuiu para uma alta na gasolina. O Indicador Cepea/Esalq, da USP, apontou aumento de 5,18% na matéria prima na semana passada.
Mauro Rochlin afirma que, apesar de a carga tributária compor importante parcela do preço do combustível, não houve modificação recente nas alíquotas que justifique o aumento dos preços.
A questão tributária
Ainda assim, a carga tributária também vem gerando debates. O ICMS (estadual) sobre a gasolina no Ceará é de 29% e, junto com Cide, PIS e Cofins (federais), os impostos sobre o combustível chegam a 40,6%.
No entanto, a incidência de ICMS sobre a gasolina e o diesel permanece inalterada há vários anos. Embora este imposto seja, de fato, importante na composição do valor final, os aumentos da gasolina em 2021 não foram impulsionados diretamente por ele.
“Se tirasse toda essa carga tributária, o preço estaria mais ou menos em R$ 2,78. O que vem no caminho para chegar no valor de R$ 6 são as contribuições. A culpa também é dos estados porque os estados também deveriam fazer uma política de redução de preço de ICMS. Mas você acha que o estado vai abrir mão da arrecadação de ICMS?”, resume o economista e advogado especialista em direito econômico, Alessandro Anzoni.
Ele acrescenta que o ICMS acaba tendo uma bitributação que não é compensada aos contribuintes. Isso porque a alíquota é aplicada em diferentes momentos do processo de comercialização do combustível, desde as refinarias, passando pelas distribuidoras até o consumidor final.
Para o consultor na área de petróleo e gás, Bruno Iughetti, tanto os impostos federais quanto os estaduais deveriam ser reduzidos para que haja um alívio no preço da gasolina.
“É preciso mudar a política do ICMS através do Confaz, passando o ICMS a ter um valor fixo e não mais percentual, seguindo em cima do preço de refinaria. Queremos que se atenda a uma necessidade social que é a redução dos preços, mas tem o possível impacto no caixa dos estados. Não dá para agradar dois senhores ao mesmo tempo. Para mim a saída é a mudança do ICMS”, considera.
Diretor de formação sindical e relações intersindicais da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Francelino Valença defende que a unificação do ICMS traria problemas às federações e municípios.
“Ter uma unificação do ICMS para remediar a crise, torna mais aguda a desigualdade entre os estados. Impacta os municípios, que recebem ICMS”, defende.
O que pode ser feito?
Há muita politização sobre o tema. Antes da eleição, em 2018, Bolsonaro prometia trabalhar para reduzir o preço da gasolina que, encerrou o ano em R$ 4,344 de acordo com a ANP.
Mauro Rochlin aponta que, por mais que o governo federal não intervenha na política de preços da Petrobras, algumas atitudes poderiam estabilizar a situação do câmbio, colaborando para um menor custo para a importação do petróleo.
“O governo poderia se posicionar de maneira mais responsável com relação aos gastos. Reduzir teto orçamentário. Se o mercado observar que o governo está buscando essa redução de gastos, faria com que alguns investidores aplicados em dólar deixassem essa aplicação. O governo teria que reduzir despesas ou pelo menos não promover novas despesas. Ele diz que vai substituir o Bolsa Família por outro programa. Para o mercado o nome disso é aumento de despesas”, opina.
Francelino Valença considera que a própria responsabilização dos estados por parte do governo agrava a situação.
“Quando o governo federal faz um discurso que a culpa seria dos estados, ele coloca a responsabilidade do governo federal de controlar a inflação (nos estados). O risco do nosso país está alto e se ataca todas as instituições do país, isso causa um receito muito grande de colocar dinheiro no Brasil”, avalia.
Francelino Valença considera que a redução dos preços dos combustíveis está vinculada a uma reforma tributária que seja pensada no sentido de reduzir a tributação sobre produtos e serviços e aumentar sobre renda.
Assim, os estados seriam capazes de tirar parte da alíquota da gasolina sem prejudicar a arrecadação, reduzindo o preço do combustíveis para os consumidores.
Alessandro destaca que o ideal seria haver uma unificação de impostos com pacificação política, mas o atrito entre os governos torna um consenso mais difícil e, inclusive, afeta negativamente o câmbio. Isso deixa a redução do preço da gasolina refém do aumento da produção de petróleo a nível internacional, na análise do advogado.
Mauro Rochlin acrescenta que a redução do preço da gasolina depende diretamente do dólar e a desvalorização do real só deve arrefecer com sinais de maior responsabilidade fiscal por meio do governo federal.