Dana Nunes: com pandemia, empresas buscam em profissionais visão crítica e aprendizado contínuo
Mudanças provocadas pelo coronavírus fizeram com que o mercado de trabalho exigisse novas características dos estagiários e profissionais
O avanço do coronavírus em todo o mundo provocou profundas mudanças na economia e no mercado de trabalho. A pandemia catalisou processos que já estavam previstos e levou as empresas a exigirem novas características dos profissionais interessados em uma oportunidade: eles agora precisam ter uma postura ainda mais proativa, pensamento crítico, criatividade, responsabilidade e domínio de novas tecnologias.
Além disso, outro conceito passa a ganhar força dentro das salas de recrutamento - virtuais ou físicas - diante do novo contexto: o lifelong learning. Isso significa que as empresas também se tornaram ainda mais atentas aos profissionais que fazem do aprendizado uma caminhada sólida e contínua.
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A avaliação é da superintendente do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), Dana Nunes, entrevistada no Diálogo Econômico desta semana. O IEL, ligado à Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), completou no mês passado 50 anos de um trajetória marcada pela busca por atualizações.
Para as próximas cinco décadas, a intenção não seria diferente: em setembro de 2020, o instituto lançou o Hub de Inovação do IEL, com o objetivo de aproximar a indústria cearense de startups e ideias inovadoras.
Veja a entrevista completa:
Quais foram os efeitos dos últimos dois anos de pandemia sobre os estágios na indústria cearense e como o IEL tem atuado nesse período para mitigar esses impactos?
A oferta de vagas de estágios tem muita sintonia com a economia e o desempenho das empresas. No início da pandemia, muitas empresas conseguiram manter seus estagiários, mas novas seleções foram suspensas. Naquele momento, o IEL atuou fortemente junto às empresas no sentido de reforçar a importância da manutenção dos seus programas de estágio.
Mas, com o prolongamento do isolamento social e o agravamento da crise, houve uma redução significativa das vagas, em especial de atividades mais operacionais ou relacionadas ao atendimento aos clientes. Ao observar esse movimento, ofertamos capacitações para ajudar as empresas e os profissionais a se adaptarem e se prepararem para oportunidades futuras. Também realizamos atendimento psicológico para os estudantes participantes do Programa IEL de Estágios.
Em setembro de 2020, iniciamos o projeto Integrar IEL, uma ação com o objetivo de orientar os estudantes sobre aspectos relevantes do cotidiano do trabalho, fornecendo um direcionamento comportamental para aqueles que estão iniciando a carreira numa empresa. Todos os estagiários contratados por meio do IEL Ceará participaram da iniciativa logo que iniciaram o trabalho na empresa, recebendo ao final do treinamento um manual com informações sobre como se portar no mercado de trabalho com inteligência emocional e capacidade de resistir à pressão.
Aos poucos, estamos percebendo uma retomada das vagas conforme a vacinação avança. Também podemos dizer que, além do impacto na oferta de vagas, a pandemia também afetou a seleção e até a contratação dos estudantes.
Onde antes predominava o contato presencial, tudo passou a ser pela internet. Provas, entrevistas e integração: tudo foi transferido para o ambiente virtual. O perfil dos estudantes requisitados pelo mercado também ficou diferente. As empresas estão buscando estagiários com criatividade, postura proativa, pensamento crítico e muita responsabilidade, além de domínio de novas tecnologias.
É importante ressaltar que embora estejamos ligados à Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), não atendemos apenas indústrias. O Programa IEL de Estágios é voltado para empresas de todos os setores, de todos os portes. Disponibilizamos o serviço de gestão de estágios e bolsas para as empresas, sendo o IEL responsável por selecionar, supervisionar e adequar o contato e a relação empresa-estudante.
O programa IEL de Estágios, porém, não se limita a ser um mero fornecedor de estagiários para as empresas. O programa capacita esses estudantes e complementa a formação acadêmica, ensinando postura e comportamento dentro da empresa, atendimento ao cliente com excelência, respeito a hierarquias, a importância da comunicação, entre outros temas que são abordados nas palestras e treinamentos.
Quais segmentos dentro da indústria cearense têm se destacado em 2021 na oferta de vagas de estágio? Temos números de quantas oportunidades de estágio a indústria deve lançar até o fim de 2021? Houve aumento dessa oferta? Se sim, de quanto em relação ao ano passado?
As principais demandas das empresas são estudantes dos cursos de Tecnologia, Marketing, Logística, Comunicação, Administração e Direito. Se compararmos o desempenho do mês de setembro do ano passado com setembro de 2021, temos um aumento de quase 20% na quantidade de novos alunos inseridos em estágios nas empresas.
Em relação ao desempenho anual, 2021 já igualou a quantidade de vagas abertas em 2020. Portanto, certamente teremos um saldo de crescimento até o fechamento do ano. Não temos como prever precisamente esse percentual de crescimento, mas acreditamos que deveremos ter um incremento bastante relevante considerando o contexto de recuperação econômica atual.
Como você descreveria o papel do IEL em um momento de tantas mudanças na indústria e na economia? Como o instituto se insere na missão de tornar a indústria cearense mais competitiva?
Nesse momento tão complexo, de tantas incertezas e de transformações, o IEL Ceará tem atuado no sentido de amparar as empresas nos processos de transformação digital e de inovação, além de desenvolver carreiras e de preparar os profissionais para o novo mercado de trabalho.
O IEL Ceará está totalmente alinhado às demandas das empresas, com soluções em sintonia com as tendências de mercado, contribuindo para a superação dos desafios impostos não só pela pandemia, mas pelo avanço das tecnologias e da quarta revolução industrial.
São três os nossos focos de atuação: Educação Executiva, Trilhas de Carreiras e Gestão da Inovação. Na Educação Executiva, oferecemos mais de 200 cursos - e todo mês trazemos novidades para a grade - com temáticas focadas nas principais tendências e temáticas da atualidade e do futuro.
Em relação às Trilhas, trabalhamos o desenvolvimento de estagiários, trainees e líderes, mirando nas competências necessárias aos novos tempos. O IEL também atua no sentido de orientar as empresas a implementarem uma cultura e processos de inovação contínua e sistemática.
O mais caro da inovação não se limita à compra ou à substituição de máquinas e equipamentos ou à transferência de tecnologia; o mais caro da inovação é montar uma equipe qualificada, focada em promover inovação.
Por isso, o IEL Ceará tem um papel fundamental para a competitividade da indústria cearense. Não é possível avançarmos sem inovação. Não é possível avançarmos sem preparar os profissionais cearenses para lidarem com as tecnologias que surgem a todo instante. Transformação digital não é só sobre máquinas. É sobre pessoas. Não existe melhoria de competitividade sem a transformação das pessoas, sem o conhecimento.
A pandemia catalisou uma série de processos na economia mundial. Como você avalia que a indústria cearense vem passando por esse movimento? Ela vem acompanhando essas mudanças ou falta algo para que nós ganhemos velocidade nesse contexto?
A indústria cearense tem apresentado forte recuperação em 2021, figurando entre os Estados com maiores taxas de crescimento do País. Essa recuperação vem somada a um rápido despertar sobre a importância da transformação digital nas empresas, como forma de potencializar a gestão empresarial e o próprio relacionamento com os clientes.
É essencial que isso se concretize em uma estratégia de longo prazo para as empresas, pois só assim conseguiremos reduzir as disparidades de adoção tecnológica frente aos países mais avançados.
O IEL começou a sua trajetória com uma visão bem focada na supervisão de estágios e hoje possui uma atuação mais abrangente. Quais devem ser os passos do instituto nos próximos 50 anos? O IEL deve ampliar ainda mais a sua abrangência, atuando em mais frentes?
Uma novidade que trouxemos em plena pandemia foi o lançamento em setembro de 2020 do Hub de Inovação do IEL, aproximando a indústria cearense de startups e ideias inovadoras.
O Hub tem como objetivo impulsionar a inovação na indústria e promover o desenvolvimento do setor. É um ambiente destinado para empreendedores criarem negócios, trocarem conhecimento e acelerarem a transformação de ideias em produtos e processos inovadores.
Esse primeiro ano do Hub foi marcado por uma atuação muito intensa, com a realização de eventos e ações voltadas à aceleração de startups. Incentivamos também a difusão dos conceitos relacionados à gamificação, como forma de estimular o uso de tecnologias de jogos como um caminho para a inovação e o ganho de competitividade.
Desenvolvemos, por meio do Hub, uma metodologia exclusiva de Gestão da Inovação que vai impulsionar o Hub do IEL Ceará dentro do ecossistema de inovação cearense, fazendo que ele não seja só mais um e sim fazendo a diferença. A metodologia já vem sendo aplicada em um projeto piloto desenvolvido em uma empresa de Juazeiro do Norte, sinalizando a interiorização das ações do Instituto.
Acredito no potencial do Hub e certamente, nos próximos anos, sua atuação será muito mais intensificada.
Outro destaque é que o IEL Ceará foi reconhecido, neste ano, como ICT - Instituto de Ciência e Tecnologia. Com isso, o IEL Ceará abre um leque de novas oportunidades para a instituição apoiar o Ceará e a indústria cearense em várias frentes na geração de novos negócios com base tecnológica, contribuindo para a ampliar sua competitividade.
Nesse cenário pós-pandêmico, digamos assim, o que mudou para o candidato na hora de ir em busca de um estágio? Quais dicas você daria para que ele se sobressaia nesse novo contexto?
Uma das principais mudanças é que os processos seletivos passaram a ser realizados de maneira remota. Isso passou a exigir dos candidatos algumas habilidades extras, como criatividade, organização e planejamento.
Algumas empresas exigem um vídeo de apresentação do candidato para fazer uma pré-seleção. Algumas dão um roteiro, outras deixam o candidato à vontade para se apresentar. O importante é ter alguns cuidados, como gravar o vídeo em ambiente claro, organizado, sem ruídos, seguindo o roteiro do recrutador, caso tenha.
O candidato deve estudar a cultura da empresa para direcionar sua forma de apresentação, respeitando o tempo determinado e, caso não tenha um tempo pré-determinado, o recomendado é focar nas realizações e autoconhecimento. Também é importante se vestir como se realmente fosse para uma entrevista presencial e utilizar fones de ouvido.
É fundamental observar também que mesmo as mais sólidas formações acadêmicas podem não bastar, pois a crescente complexidade do mercado exige novos conhecimentos, habilidades e competências a todo momento. A saída é investir no aprendizado contínuo, como prega um conceito cada vez mais comum no mundo corporativo: o lifelong learning.
O termo compreende a educação como um processo contínuo e não algo com começo, meio e fim. A tradução das palavras que o compõem diz muito sobre o que ele representa: aprendizagem ao longo da vida. O IEL, por sua rapidez e facilidade em se adaptar a essas transformações, está sempre trazendo capacitações que complementam a formação acadêmica. Isso vale para estagiários, mas também para profissionais de uma maneira geral.
Temos observado um movimento cada vez maior de aproximação entre indústria local e as universidades, inclusive vimos isso bem in voga em relação à chegada do hidrogênio verde. Na sua avaliação, a indústria local tem um vínculo próximo com as universidades daqui? Precisamos estreitar ainda mais esses laços? Como isso precisa ser feito?
A integração entre os ambientes acadêmico e corporativo tem um potencial muito grande para o desenvolvimento de uma cultura de inovação e de valorização da ciência nas empresas. Ainda estamos aquém do ideal, mas caminhamos a passos largos.
O presidente da Fiec, Ricardo Cavalcante, desde que assumiu em 2019, vem trazendo um fôlego novo a essa integração justamente por entender que esse é um caminho promissor. Ele tem liderado intensamente esse movimento de mostrar para as empresas a necessidade de os empresários abrirem as portas e a mente para a Academia.
Alguns dos sindicatos ligados à Fiec, a exemplo do Sindialimentos, também têm feito esse papel indutor junto às empresas associadas. Destaco também a forte atuação do Conselho Temático de Inovação e Tecnologia (Cointec) da Fiec, sob a liderança de Sampaio Filho, que desde o seu surgimento tem conseguido, ao reunir integrantes do setor industrial e as instituições científicas, tecnológicas e de inovação cearenses, azeitar essa relação e impulsionar editais para projetos de desenvolvimento de produtos e processos inovadores em áreas prioritárias para o Ceará.
Também percebemos um movimento da Academia em direção às empresas em iniciativas como a da Universidade Federal do Ceará (UFC) na criação do Condomínio de Empreendedorismo e Inovação, que vem despontando com a proposta de ser o ponto de conexão da inteligência cearense com o setor produtivo.
O IEL, por meio do programa Inova Talentos, desenvolvido em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), realiza essa conexão há vários anos. A atuação de graduados, mestre e doutores em projetos de pesquisa se transforma em produtos e soluções. O objetivo é ampliar o número de profissionais qualificados em atividades de inovação no ambiente empresarial e incentivar a criação de projetos de inovação nos empreendimentos.
O programa é alicerçado no conceito de que estimular a indústria a manter-se competitiva, diversificada e inovadora é o caminho para o desenvolvimento sustentado do Estado e do país. Inclusive, estamos com edital aberto para inscrições até 2022.
Como vocês avaliam essa chegada do hidrogênio verde em relação às oportunidades que devem ser abertas? Há um bom potencial a ser desenvolvido de mão de obra? Quais são as maiores necessidades e os desafios a serem enfrentados com esse novo contexto?
O hidrogênio verde se transformará em um importante vetor de desenvolvimento para o País, especialmente para o Ceará e o Nordeste brasileiro, haja vista o enorme potencial para energias renováveis que temos.
As quatro revoluções industriais anteriores tiveram em sua gênese a mudança da matriz energética, então devemos estar preparados não só para as oportunidades de negócio, mas para a própria mudança que ocorrerá nos modelos de negócio e no impacto que a valorização da sustentabilidade terá nas cadeias produtivas do Estado.
Essa rápida internacionalização que o Ceará viverá, com a chegada de grandes grupos empresariais mundiais, exigirá um segundo idioma, impulsionará domínios de conhecimento como a sustentabilidade e ciência de dados, bem como reforçará a demanda por profissionais das engenharias e de diversas áreas científicas e tecnológicas, complementando nosso parque industrial com uma indústria intensiva em inovação e tecnologia e partícipe da descarbonização da economia mundial.