Combustíveis, energia e alimentos: o que esperar da inflação de Fortaleza em 2022?
Economistas apontam que incertezas em relação ao dólar acendem alerta sobre a pressão dos preços para o ano que vem no Brasil e na Capital cearense
O ano de 2021 não foi fácil para Marcelo Nogueira. Ele foi um dos 22,1 milhões de brasileiros contaminados pela Covid-19 e, mesmo após alguns meses desde o diagnóstico da doença, ainda sofre com as sequelas. Além disso, amarga especialmente o encarecimento dos combustíveis, já que ele trabalha com transporte por aplicativo.
Marcelo também foi afetado pelos preços de outros produtos e serviços básicos, como alimentos e a energia elétrica. E teme que esses três itens continuem pressionando o orçamento familiar no ano que vem, já que economistas preveem que esses podem continuar sendo o "calcanhar de aquiles" do poder de compra da população de Fortaleza e do País em 2022.
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Para driblar a situação dos combustíveis e não comprometer tanto os ganhos com as viagens pela cidade, Marcelo, assim como muitos outros que trabalham no ramo, recorreu ao kit de Gás Natural Veicular (GNV). A estratégia ameniza a situação, mas não é o suficiente, principalmente considerando que, não só a gasolina, mas diesel, etanol e GNV também vivenciaram uma escalada em 2021.
“Se os combustíveis continuarem subindo nesse patamar e as corridas não forem atualizadas, a tendência é que a gente veja cada vez maior de motoristas deixando a atividade, principalmente que roda com carro alugado. O pessoal não tem mais conseguido pagar a conta”, pontua Marcelo.
Não foi só a gasolina
A elevação dos combustíveis observada no Brasil está relacionada ao avanço dos preços do petróleo brent no mercado internacional, conforme explica o economista e coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade de Fortaleza (Unifor), Allisson Martins. Para o ano que vem, de acordo com ele, os preços da commodity podem continuar apresentando crescimento, mas não deve ser nada comparado à velocidade que se observou em 2021.
“O petróleo brent praticamente dobrou de preço em um ano, então houve uma elevação de custos em toda a cadeia produtiva que precisa dele e de seus derivados. Isso gerou repercussão nos preços de gasolina, diesel, e seus efeitos de custos se espraiam por toda a atividade econômica de uma maneira muito intensa”, detalha Martins.
A expectativa de um crescimento dos preços em velocidade menor se sustenta no fato de que os preços do petróleo brent já se encontram em um patamar muito elevado. “Provavelmente isso não vai ocorrer porque o preço do petróleo brent está em torno de US$ 80 a 90. É inimaginável que ele venha a dobrar novamente”, avalia o economista.
Mas se por um lado as projeções para o petróleo brent são mais brandas, por outro existe um fator que derrubar qualquer traço de otimismo: o dólar. Isso porque ele também tem efeito sobre os combustíveis e sobre outros preços que corroem o poder de compra da população.
“Um ponto para ficarmos um pouco mais atentos é o dólar. Além do petróleo, o efeito dólar tem a sua transmissão inflacionária para combustíveis e outros materiais e insumos que são utilizados nas diversas cadeias produtivas locais”, pondera Allisson Martins.
Alimentos
Um dos grupos que mais sofrem com a transmissão inflacionária decorrente das flutuações do dólar é, sem dúvidas, o dos alimentos. Durante a pandemia foi observada a intensa elevação dos preços de itens da cesta básica, a exemplo do arroz, feijão, óleo e da carne, em grande parte por conta da elevação do dólar, favorecendo a exportação. Esse fator caminhou ao lado da fortíssima demanda mundial por alimentos.
O economista presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Ricardo Coimbra, reforça que a alta do dólar leva as empresas a terem preferência pela venda de produtos no mercado externo.
“Isso diminui a oferta principalmente de produtos alimentícios no mercado interno, como soja, milho e carne. Então esses produtos acabam por diminuir a oferta no mercado interno, elevando o preço no mercado interno”
Mas a preocupação não se limita à redução da oferta interna, já que a aquisição de insumos importados também ficaria ainda mais prejudicada por uma nova sequência de elevações no câmbio em 2022.
“Temos também os insumos, então a própria produção depende de outros países, como no caso do trigo. Existe uma expectativa de que, mantendo esse cenário (de alta), tenhamos respingos relacionados a essas variáveis”.
A provisão preocupa quem trabalha com produtos do segmento de alimentação que possuem importados em sua composição. O empresário Lissandro Turatti teme que uma possível elevação do câmbio em 2022 afete, por exemplo, os preços do malte, do trigo e de seus derivados.
“Nós usamos muito as massas, a carne. Já temos fornecedor que avisou sobre o aumento do preço da arroba do boi em janeiro. Sabemos que não dá para repassar isso para o consumidor, porque começa a ficar uma coisa absurda. Se isso se mantiver em 2022, vai ser uma situação complicada para acompanhar”, teme o empresário.
O economista Alex Araújo espera um arrefecimento dos preços dos alimentos no próximo ano, em linha com um abrandamento da concorrência por commodities. Entretanto, ele reconhece que a influência do dólar “é algo difícil de prever”.
“Este ano, com a pandemia, nós observamos um sincronismo no crescimento do mundo. Antes não se tinha as principais economias crescendo na mesma velocidade e concorrendo por recursos. Essa pressão como fator determinante não deve estar presente em 2022”
Questionado sobre o dólar ter também efeito sobre o frete dos alimentos, Araújo ressalta que para alguns produtos é um componente relevante, mas ele frisa que a estrutura de fornecimento dos alimentos em Fortaleza, com destaque para a cesta básica, é mais local.
“Os alimentos in natura são mais fornecidos nas redondezas dos centros de consumo, então o custo do frete não representa um componente tão pesado. Já em relação aos alimentos processados, o frete acaba penalizando mais”, diz o economista.
Energia elétrica
Marcelo, Lissandro e o restante do País também viveu um ano de intensos reajustes na energia elétrica diante da pior crise hídrica que o Brasil já enfrentou em 91 anos.
O economista Allisson Martins acredita que há uma sinalização de recomposição dos recursos hídricos, “trazendo um alívio para as reservas de água”. No entanto, ele frisa que o cenário de recuperação só deve se mostrar mais sólido no primeiro semestre do ano que vem.
“A gente imagina que não vai ficar em um nível tão confortável, mas que haverá uma melhora na recomposição dos reservatórios. Isso deve trazer um alívio do ponto de vista do custo de energia elétrica pela ótica das bandeiras tarifárias e, portanto, na conta da energia elétrica”
Já Ricardo Coimbra visualiza uma continuidade do problema energético para 2022. “O volume de chuvas parece ainda, pelo que se observa, não ter sido algo a ponto de reduzir significativamente as bandeiras ou que possa diminuí-las no ano que vem”, expressa.
No fim de novembro, o Operador Nacional do Sistema (ONS) apontou melhora para os reservatórios neste mês de dezembro.
"A estimativa é de que os reservatórios localizados na região Nordeste terminem o mês com 47,5%; seguido pelo Norte, com 40,6% de sua capacidade. Na região Sudeste/Centro-Oeste o nível dos reservatórios deve continuar a subir, fechando em 26,1%. Já os reservatórios do Sul apresentam queda e chegarão ao fim do mês com 49,9% de sua capacidade", diz o relatório do ONS.
Aluguéis
Coimbra teme também os efeitos do Índice Geral de Preços (IGP-M) - que acumula variação de 16,7% de janeiro a novembro deste ano e é utilizado nos reajustes de aluguéis - sobre os contratos de locação, sendo mais um fator para afetar o poder de compra das famílias no ano que vem.
“Negociações relacionadas ao aluguel, refinanciamentos imobiliários vinculados ao IGP-M, podem sofrer impactos de elevação de preço para o ano que vem, então diversos setores podem ser impactados com isso”, alerta o economista.
E quem mais sofre com isso?
Apesar da expectativa de arrefecimento dos preços dos alimentos, especialmente falando de produtos da cesta básica, Alex Araújo pontua que os que ganham menos devem continuar sendo penalizados pelo cenário dos preços no ano que vem.
“A renda é muito importante para essas famílias, muitas delas não possuem reservas financeiras e o mercado de trabalho ainda não apresentou significativa ativação”, diz Coimbra.
Allisson Martins reforça que isso ocorre porque as famílias mais pobres concentram a sua renda em alimentação e transportes.
“Alimentação, transportes e itens relacionados à residência, como a energia elétrica, foram exatamente os que mais subiram em 2021”. Portanto, caso a energia elétrica e os transportes (combustíveis) continuem pressionando os preços, esse estrato familiar será grandemente penalizado.
As projeções mais recentes do Boletim Focus, do Banco Central, apontam para uma inflação de 5% em 2022. Para 2021, o índice previsto no encerramento é de 10,15%. “A gente espera que para 2022 tenhamos uma inflação ainda, é bem provável que não alcancemos a meta de inflação, mas deve, sim, ser algo bem menor do que os números que estamos experimentando agora em 2021”, arremata Allisson Martins.
Alex Araújo conclui que, diante da perspectiva atual para os alimentos, há um alívio, “mas não algo a ser comemorado”, sobretudo diante dos números ainda preocupantes do mercado de trabalho.