Especialistas e servidores divergem sobre reforma administrativa

Economistas afirmam que o debate sobre a reforma será complexo, levará tempo e exigirá diálogo, inclusive com os servidores e seus sindicatos.

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(Atualizado às 21:08)

A proposta do Governo de promover uma reforma administrativa que não alcance os servidores públicos atuais do Executivo federal pode gerar contestações na Justiça e demorar mais de 20 anos para mudar a realidade do serviço público.

Essa é a avaliação da economista Ana Carla Abrão, sócia da Oliver Wyman Consultoria e uma das autoras de uma proposta de reforma do RH apresentada há quase dois anos, em conjunto com o economista Arminio Fraga Neto e o advogado Carlos Ari Sundfeld.

"Conceitualmente, essa fase 1 é uma proposta muito boa, porque ela toca em questões fundamentais, como reduzir o número de carreiras, definir o que é carreira de Estado, qualificar a estabilidade. Agora, se você não mexe nas carreiras atuais e cria um modelo novo que vai coexistir com esse anacrônico que a gente tem hoje, a chance disso ser judicializado é muito grande. Você vai ter servidores exercendo funções iguais em regimes distintos", afirma Abrão.

"Ela só vale para novos concursados. A gente está falando, na melhor das hipóteses, em começar a ter concurso dentro desse novo modelo em 2022. Vai levar 20 anos, pelo menos, para isso avançar e ser o modelo dominante dentro do serviço público."

A economista avalia que, ao apresentar a proposta, o Governo dará ao Parlamento a chance de preencher essa lacuna.

"Pelo menos isso coloca a bola em jogo e dá a chance de o Parlamento melhorar essa proposta, de buscar incorporar os servidores atuais, que é o ponto nevrálgico de tudo o que a gente precisa fazer do ponto de vista da máquina pública. Teremos de contar com o espírito reformista do Congresso."

Servidores

Ela diz que o debate sobre a reforma será complexo, levará tempo e exigirá diálogo, inclusive com os servidores e seus sindicatos, mas que as mudanças serão positivas tanto para o cidadão como para os funcionários públicos.

"O que nós temos hoje é que gerou a precarização do serviço público, não só do ponto de vista do que a gente entrega de qualidade, mas a precarização das condições de trabalho do servidor. A máquina não tem recursos suficientes para dar condições de trabalho, capacitação e instrumentos tecnológicos para ele trabalhar", afirma Abrão.

Também foi apresentada nesta semana a proposta de reforma administrativa da Câmara dos Deputados, elaborada em conjunto por servidores da Casa e pela consultoria Falconi.

Vinícius Brum, sócio da consultoria responsável pela unidade de negócios de saúde, educação e serviços públicos, afirma que a proposta mexe com serviços, estruturas e carreiras e poderá fazer com que a Casa, daqui a oito a dez anos, funcione com metade do seu quadro atual (após aposentadorias, pois não há quebra de estabilidade) sem prejudicar a qualidade do serviço.

Também está aberta a possibilidade de redução no número de assessores dos parlamentares, algo que depende de avaliação da Mesa Diretora da Casa.

"A Câmara veio acumulando algumas atividades que não se relacionam com sua atividade finalística. Isso tira o foco do trabalho de alguns servidores. A discussão sobre carreiras traz perspectivas [para eles]. Vai permitir que o servidor tenha uma condição de trabalho em termos de eficiência e produtividade mais adequada", afirma Brum.

Rudinei Marques, presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado), que representa cerca de 200 mil servidores de todos os Poderes nos três níveis de governo, classificou a proposta do governo para o Executivo federal como "um texto rudimentar, sem base em evidências científicas, técnicas e acadêmicas".

"É impossível chegar à conclusão de que esse texto vai contribuir para o aprimoramento do serviço público. O governo quer passar uma reforma dessa magnitude precarizando o serviço público", afirmou Marques durante evento realizado pelo Fórum.

"Não podemos aceitar o aviltamento salarial. Quebra da estabilidade. A precarização das condições de trabalho. Não tem essa coisa de que a reforma não atinge os antigos servidores. Todo o serviço público vai ser afetado."

Ele criticou a questão do período probatório, mesmo para carreiras de Estado, dando como exemplo o trabalho de fiscais da Receita Federal.

"Como vai montar uma equipe em que um fiscal tem estabilidade e o outro não tem? Nesse período de avaliação, de experiência, que é de dois anos na carreira de Estado, o fiscal vai se sentir à vontade para lançar um auto de infração contra um milionário, um político de peso, se ele ainda está sob risco de não ser efetivado no serviço público?"