Cacau e pitaya ganham espaço, e Ceará deve receber investimento milionário em culturas alternativas

Chamadas de culturas alternativas, produtos não ainda não eram cultivados no Estado, mas demonstraram potencial a partir de estudos e adaptação de técnicas

Os avanços de estudos para novas técnicas, tecnologias e espécies de plantas estão ajudando o agronegócio cearense a driblar o clima semiárido característico do Estado e ampliando o investimento nas chamadas culturas alternativas, produtos que ainda não eram cultivados no Ceará mas demonstram forte potencial.

Uma dessas culturas que está despontando fortemente é o cacau, que após alguns anos de pesquisa se mostrou viável com produtividade ainda maior que a observada no Recôncavo Bahiano, região que cultiva a amêndoa desde o período da colonização do Brasil.

Somente no Baixo Acaraú, por exemplo, cerca de 20 produtores já demonstraram interesse no plantio do cacau, dos quais dez já iniciaram a implantação. Um deles é Vitor Chiamulera, sócio-proprietário da Fazenda Águas de Março.

Natural de Mato Grosso e descendente de uma família já atuante no agronegócio, Vitor e os sócios chegaram ao Ceará em 2012 para investir no plantio de coco em uma área de 80 hectares, que hoje comporta cerca de 14 mil pés.

Em todo o perímetro irrigado da Região, Vitor revela que já há quase 100 mil mudas plantadas. Ele estima que, ao todo, a área deve receber um investimento de R$ 50 milhões nos próximos três anos apenas nessa cultura, dos quais R$ 4 milhões são apenas no próprio negócio.

O interesse no cacau surgiu após algumas pesquisas de quais culturas seria possível integrar com o coco.

Segundo ele, as primeiras mudas foram adquiridas em 2019, mas a pandeia atrapalhou um pouco o cronograma de implantação, que iniciou em março de 2021. Ao todo, cerca de 20 mil plantas já estão implantadas em três etapas.

"O que nos levou a trabalhar com o cacau, consorciado com o coco, foram as experiências que já vêm dando certo na Bahia há mais de 20 anos. A mesma água e o mesmo adubo que você usa no coco eu consigo produzir o cacau", afirma Vitor.

Além da economia nos custos de produção, outra vantagem que o produtor aponta é o preço. Por ser uma commodity, o valor de comercialização do cacau tende a se manter estável e em patamares mais elevados que outras culturas.

O espaço para expansão da participação do cacau nacional no abastecimento mundial é outro fator que puxa o investimento. Conforme Vitor, a maior parte da oferta internacional é advinda da África, que possui um cultivo mais artesanal.

"O Brasil já foi líder mundial em produção de amêndoas de cacau. Hoje, estamos em 7º, 8º do mundo. A gente só produz cerca de 7% do que o mundo consome", ressalta sobre a oportunidade de crescimento do produto.

Escoamento da produção

Vitor detalha que o cacau começa a produzir em ritmo comercial a partir do terceiro ano após a implantação. Sobre o escoamento da produção, ele explica que três empresas comandam a comercialização da amêndoa no mundo, todas atuantes no Brasil.

Em contato com uma delas, ele revela que a compra da produção já foi assegurada, inclusive com garantias como seguro e escolta do transporte.

A ideia é continuar expandindo a implantação para o restante da área disponível este ano com o plantio de mais 50 mil mudas.

Viabilidade

Para chegar à certeza de que o plantio de cacau era viável no Ceará, um projeto experimental foi conduzido durante muitos anos na região do Baixo Jaguaribe.

Em uma área de cerca de quatro hectares, diversas espécies e clones foram testadas, uma iniciativa privada em parceria com o Governo do Estado, Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e outros.

João Teixeira, um dos condutores do projeto, relata que o experimento alcançou resultados satisfatórios e deu o pontapé inicial para o maior investimento na cultura no Ceará, inclusive no Baixo Acaraú.

"Não temos interesse em ampliar, mas tem muita gente interessada. É uma fruteira muito demorada, para nós não foi interessante, mas tem viabilidade técnica", argumenta.

Apesar de ainda permanecer com a mesma área plantada, a iniciativa motivou o desenvolvimento de uma outra parte da cadeia: a industrial.

O engenheiro agrônomo e especialista em cultura irrigada, Diógenes Henrique Abrantes Sarmento, vendo o potencial e o interesse dos produtores no cacau, abriu uma fábrica de chocolate em Limoeiro do Norte, que é abastecida pela amêndoa produzida na área de Teixeira.

Com operação desde maio de 2021, a planta industrial já está sendo expandida e a capacidade de produção deve passar de 100 quilos para até uma tonelada por mês.

O produto, da marca Cacau do Ceará, já é comercializado principalmente no Interior e em outros três pontos de venda em Fortaleza. O leque de itens inclui o pó de cacau, nibs de cacau e o chocolate 46% e 70%, todos sem lactose.

"Eu já investi de uns R$ 170 mil a R$ 200 mil. A demanda por produtos derivados de cacau é grande. Esses produtos todos vem de fora. Daqui um ano e meio, no máximo dois anos, quero mudar de uma área de 120 metros quadrados para um galpão maior", vislumbra Diógenes.

Culturas alternativas

O secretário executivo do Agronegócio do Estado, Sílvio Carlos, pontua que o Governo tem estimulado o desenvolvimento de culturas alternativas no Ceará, através do apoio a iniciativas experimentais, por exemplo.

Entre os critérios para que essas culturas sejam fomentadas estão as chamadas seguranças hídrica, econômica, social e produtiva.

Ele detalha que o cultivo precisa ter um baixo consumo de água ou igual a de outras culturas já consolidadas no Estado; precisa ter um alto valor agregado; precisa gerar um volume significativo de empregos; e ter uma boa produtividade.

Um desses casos de sucesso é justamente o cacau.

"A gente já vem trabalhando culturas que deram certo e não eram produzidas aqui, como o cacau. A gente trabalhou bastante consorciado com a banana, ele aproveita a água e espaço da banana e tem boa produtividade, melhores até do que a da Bahia", afirma.

Além do cacau, a pitaya é um outro exemplo de culturas alternativas incentivadas e em expansão no Estado.

Segundo o secretário executivo, o Ceará já exportou cerca de US$ 160 mil de pitaya no ano passado.

"Pitaya é uma cultura que também não era produzida aqui, mas por ser uma cactácea, por ter característica de climas semiáridos, começamos a trabalhar aqui. É uma cultura que tem alto valor agregado, consome pouca água, e além de tudo é um bom gerador de emprego, porque precisa de um trato manual", destaca.

Outras iniciativas incluem o mirtilo e o avocado. Ambos devem começar a ser produzidos na Serra da Ibiapaba, que já tem cultivo de abacate.

Segundo Sílvio Carlos, as mesmas condições que propiciam o cultivo do abacate na Região são favoráveis ao avocado, produto de valor agregado bem superior.

"Mirtilo é outra cultura que tem potencial de ser produzida, é muito nobre e muito requisitado pra exportação, o preço é fabuloso. A gente está começando a trabalhar em uma área na Ibiapaba", pontua.

Apesar de ainda não representar uma parcela expressiva na produção agrícola cearense, Sílvio Carlos estima que em pouco tempo essas culturas alternativas passarão a ter uma forte representatividade.

Pitaya

A agricultora Derce Maria Fernandes Pereira cultiva pitaya em seu sítio em Juazeiro do Norte há três anos. Ao todo, são quase seis hectares destinados ao cultivo, que rende todo o faturamento da propriedade.

A ideia de produzir pitaya veio após pesquisas de quais frutas renderiam bem na região do Sítio Amaro Coelho, segundo Derce. Apesar de também plantar outras frutas, como pinha, graviola, limão e acerola, a pitaya é o carro-chefe do negócio.

"Tudo que entra de renda no sitio é da pitaya, da muda da pitaya e da rosa do deserto", aponta.

A produção é vendida para empreendedores do ramo de hortifrúti e em menor volume diretamente para o consumidor final.

Com um bom valor de comercialização, a agricultora revela que está se organizando para realizar uma nova expansão na produção.

O mercado da pitaya também tema traído produtores da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O engenheiro agrônomo Joaquim Fernandes Alves, que já investia em fruticultura, como caju e manga, viu na pitaya um mercado promissor.

A Fazenda Vale das Frutas, localizada no município de Cascavel, já conta com 5 mil mudas de pitaya plantadas desde de junho de 2021. Ao todo, as plantas ocupam uma área de cerca de um hectare e são de três espécies diferentes.

Com a primeira safra prevista para março deste ano, o agrônomo está realizando testes para identificar as melhores condições de produção e o comportamento de cada uma das variedades selecionadas.

Ainda assim, algumas mudas já estão produzindo frutos precocemente, embora de tamanho menor que a média. O primeiro fruto foi colhido no dia 3 de janeiro deste ano.

Segundo o produtor, a rápida respota indica que a planta está se adaptando bem às condições fornecidas. Ao todo, cerca de R$ 100 mil já foram investimentos no projeto piloto.

A produção da iniciativa deve passar a ser comercializada apenas na segunda safra, quando estiver mais consolidada.

"Nós estamos testando, estudando, vendo como elas vão se comportar. Mesmo ainda não chegando no tamanho que é o ideal para a produção, algumas mudas já começaram a dar frutos. Daqui a alguns meses, vamos saber exatamente o que é melhor e dividir esse conhecimento com os demais produtores do Ceará", afirma Joaquim.

O produtor, que também possui carreira na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce), destaca que a pitaya pode gerar um mercado super lucrativo, como o já observado em Israel, por exemplo.

Entre as variedades cultivadas na fazenda, uma delas rende frutas de até 1,2 kg, por exemplo.

Consorciada com a pitaya, Joaquim também está iniciando o plantio de melancia, caju e mogno, aproveitando o preparo do solo e a água das demais culturas.

O pesquisador ainda avalia a possibilidade do cultivo de mirtilo e framboesa na fazenda, outras duas culturas alternativas de alto valor agregado.

Outro diferencial da propriedade é que não são utilizados agrotóxicos na produção.