Seu Jorge diz não haver justificativa para atos racistas após ser alvo de ataques: 'racismo não'
Cantor foi atacado por parte da plateia em um show após criticar a redução da maioridade penal
Seu Jorge declarou, em entrevista ao Fantástico nesse domingo (23), que não há justificativa para atos racistas. O cantor foi alvo de ataques após criticar a redução da maioridade penal em um show no clube Grêmio Náutico União, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
"Não existe justificativa para o racismo. É exatamente disso que nós estamos tratando. Estamos tratando de violência. Racismo, não. Racismo, não. Simples assim", declarou.
O caso ocorreu no último dia 14 de outubro. A fala contra a redução aconteceu após o artista convidar o instrumentista negro Pedrinho da Serrinha, de 15 anos, para o palco. No cavaco, o jovem tocou sucessos como "Mina do Condomínio".
"Quando a gente trata da redução da maioridade penal, o foco atingido é a população jovem negra. [A atriz e escritora negra] Elisa Lucinda falou uma coisa muito interessante: 'ninguém confunde a Eliana com a Xuxa, uma Grazi Massafera com a Gabriela Prioli, sabe? Mas a gente vai preso confundido. É morto confundido.' Depois, eu saí do meu concerto e eu percebi vaias. O que é do jogo, né?", disse ao Fantástico.
Além das vaias, o público ainda teria emitido sons imitando macacos, conforme registrado em vídeos que circulam na internet do momento após a apresentação. Segundo Seu Jorge, ele só soube das ofensas ao receber as gravações depois do show. "Uma pessoa publicou as injúrias e foi ali que eu tomei conhecimento".
Uma fã que acompanhou a apresentação, e não quis se identificar, confirmou ao programa que o clima da plateia mudou após o discurso contra a redução da maioridade penal.
"Estava tudo normal. O show maravilhoso. E aí ele apresentou o Pedrinho (da Serrinha) e falou então sobre a juventude negra, sobre o negro da favela e que ele é contra a redução da maioridade penal. Nesse momento, as pessoas se transformaram. Foi um show de horrores, uma grosseria”, relembrou.
Investigação
Três testemunhas denunciaram o episódio na Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DCPI) de Porto Alegre. Nos depoimentos, uma delas disse que “pessoas que estavam do lado direito da pista começaram a se exaltar com as falas do cantor e proferiram injúrias raciais, vaias e xingamentos. Com imitação de som de macaco e xingamento de 'macaco'."
A DPCI instaurou um procedimento policial de ofício, ou seja, a investigação será realizada, mesmo sem que alguma vítima tenha registrado o boletim de ocorrência sobre o caso.
"Nós temos, nesse caso, uma vítima direta, que seria o cantor ou mesmo algum membro da banda que também seja negro. É importante dizer que a instauração do procedimento se deu pelo crime de racismo, que é um crime que, de certa maneira, atinge toda uma coletividade".
A Polícia Civil declarou ao programa que deve intimar outras testemunhas para prestarem depoimentos. O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) também instaurou um procedimento para apurar os ataques racistas contra o cantor Seu Jorge durante show em Porto Alegre.
"Não podemos compactuar com covardia. Então, se você ver qualquer caso de racismo, denuncie", pediu Seu Jorge.
Posicionamento político
Dois dias após o show, o presidente do Grêmio Náutico União, Paulo Bing, enviou um áudio para um grupo de mensagens. Na gravação, segundo ele, as atitudes do público aconteceram porque Seu Jorge teria feito um gesto político. No contrato, o estabelecimento proibiu “manifestações ou opiniões de cunho político, partidário, racial, religioso ou ideológico, inclusive de gênero".
"Acho que não estamos tratando de política aqui. Estamos tratando de uma violência que não cabe mais no Brasil. A justificativa para o racismo não existe, assim como o racismo não deveria existir", disse o artista ao ser questionado se fez o gesto citado por Paulo Bing.
Em nota, o clube Grêmio Náutico União lamentou o episódio. Com a comprovação, pelos órgãos competentes, da prática de ato de racismo, se o responsável for associado do clube, ele será expulso do quadro associativo. Sobre o áudio do presidente Paulo Bing, o estabelecimento diz que ele foi enviado a um grupo interno de diretoria, e deve ser contextualizado, enquanto, naquele momento, as primeiras manifestações eram de pessoas que não estavam na festa.
Após o caso com o cantor e a divulgação da gravação, oito sócios do clube publicaram uma carta aberta ao público. Na mensagem, eles reforçam a necessidade de o clube excluir os associados que sejam identificados cometendo racismo no show. Em menos de uma semana, mais de 100 sócios do clube já assinaram o documento.
"Devemos todos combater o racismo. Eu sou um homem negro brasileiro. Eu sou um africano nascido no Brasil. Me sinto assim, me reconheço assim. E tenho um amor muito grande pelo meu país, pela minha nação, mas entendo que existe um atraso e uma dívida muito grande do Brasil para com o povo afrodescendente”, finalizou.
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