Saúde emocional de crianças, adolescentes e familiares deve ser prioridade no retorno às aulas, aponta psicopedagoga
As notas se mantiveram boas, até aumentaram – mas não se sabe a que custo. Para Ana Clara Alves, 15, estudante do 1º ano do ensino médio na rede pública do Ceará, um pensamento é recorrente desde março de 2020: “às vezes, dá muita vontade de desistir”.
Já são quase 17 meses sem ir à escola, sem interação com os colegas, sem aulas olho-a-olho com professores. “Tudo isso com medo, tanto em relação ao coronavírus, como às dificuldades econômicas de casa. E de não conseguir terminar os estudos”, confessa a adolescente.
Pesquisa realizada pelo Datafolha com responsáveis por mais de 2.100 crianças e adolescentes matriculados na rede pública (ou fora da escola) no Brasil mostrou que 94% delas tiveram alguma mudança comportamental – e 34% perderam o interesse pela escola.
44%
dos meninos e meninas se sentiram tristes durante a pandemia, 38% tiveram medo e 56% ganharam peso.
O levantamento, feito entre 16 de junho e 7 de julho a pedido da Fundação Lemann e do Instituto Natura, constatou ainda que as meninas sofreram mais mudanças comportamentais do que os meninos, citando mais sintomas de estresse e ansiedade.
Volta ao ensino presencial
Daniela Caldeirinha, diretora de projetos da Fundação Lemann, aponta que a ideia do estudo é “entender que outras questões estão afetando as crianças e adolescentes além da perda de aprendizagem”.
“O primeiro passo pra gente recuperar tanto os danos na aprendizagem das crianças quanto os comportamentais é que elas voltem pra escola. Isso não exclui, claro, os cuidados que precisam ser tomados”, pontua.
7 a cada 10 alunos confessaram sentir falta das aulas presenciais ou de algum professor, além do convívio social e dos amigos.
O afastamento prolongado do ambiente escolar tem modificado, inclusive, as ideias e prioridades dos pequenos jovens. “17% dos entrevistados disseram, de forma espontânea, que o maior sonho é que a pandemia acabe. Geralmente, a resposta seria sobre o que querem ser, comprar, fazer”, lamenta Daniela.
A psicopedagoga Ticiana Santiago, professora do Departamento de Estudos Especializados da Universidade Federal do Ceará (UFC), reforça que “a pandemia impactou desde a forma como os alunos gerenciam o tempo até os próprios projetos de vida”.
"Houve evasão escolar muito grande de alunos em vulnerabilidade social. A pandemia, o desemprego, o luto, tudo impactou. Não estávamos preparados para isso", reconhece Ticiana.
Insegurança alimentar entre estudantes
Outro prejuízo da pandemia flagrado entre estudantes de escola pública vai além do ensino: é a fome. De acordo com a pesquisa, 46% das famílias nordestinas afirmaram que não tinham comida suficiente para todos os membros, durante a crise sanitária.
81%
das crianças e adolescentes, principalmente as de menor renda, costumavam fazer alguma das refeições na escola, antes da pandemia.
É o pior cenário entre todas as regiões do Brasil, como frisa Daniela Caldeirinha. “A escola tem esse papel de garantir uma alimentação de qualidade pelo menos no período em que os alunos estão lá. Crianças mais pobres, negras e das regiões Norte e Nordeste em geral têm sofrido mais.”
É por isso que, para a psicopedagoga Ticiana Santiago, o que deve ser prioridade no retorno às aulas presenciais não é o currículo escolar.
É preciso tirar essa ansiedade de pais e professores de repor conteúdo. A escola não pode pensar só em EPIs, mas abrir espaços de escuta e apoio a pessoas que há muito tempo não interagiam com outras.