26º Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga (FNT) homenageia trabalhadores das artes cênicas

Evento tem início amanhã (3) e segue até sábado (7). Espetáculos, debates e shows gratuitos compõem esta edição

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@diariodonordeste.com.br
Legenda: "Abrazo", do grupo Clowns de Shakespeare (RN), dialoga com a proposta do FNT este ano: ressaltar a importância dos profissionais das artes cênicas para a sociedade
Foto: FOTO: RAFAEL TELLES

Renatta e Juliana ainda eram crianças quando começaram a frequentar a Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga (Agua), mais de duas décadas atrás. Imersas nas atividades e formações culturais oferecidas pela ONG, elas logo encontraram no Festival Nordestino de Teatro (FNT) uma porta de experimentação para tudo que estavam aprendendo. Hoje, aos 32 anos, ambas representam algumas das mãos que ajudam a construir a história desse evento cuja 26ª edição - marcada para acontecer no próximos dias 3 e 7 de setembro - homenageia exatamente os trabalhadores integrados a sua realização.

“O Festival é resistência e sobrevivência. É manutenção do que somos como comunidade: trabalhando o desenvolvimento humano por meio da arte”, declara Renatta, à frente da produção do evento há dez anos. Ela o entende como uma potência, não só no âmbito da formação profissional, mas também pela possibilidade de divulgar a cidade para o País e para o mundo. 

Legenda: “Ensaio sobre a memória”, da Pequena Companhia de Teatro (MA), será apresentado dia 4, às 19h e 21h30, no palco do Teatro Rachel de Queiroz.
Foto: FOTO: AIRTON VALLE

A colega Juliana, por sua vez, responsável pela infraestrutura há seis anos, interpreta o FNT como um dos maiores incentivos que teve pra trabalhar dentro da área.

Ele me formou para atuar nas produções em outras épocas do ano, dentro do meu Município. E sem dúvidas é um dinheiro que faz a diferença na minha renda pessoal. Acaba sendo um processo de formação que influencia na vida de quem está ligado a ele o ano todo”, pontua. 

O olhar da coordenadora geral do evento, Nilde Ferreira, para o tema em questão induz a uma reflexão ampla. “Somos trabalhadores desse campo, e o FNT é a forma de nos juntarmos a todas as vozes da classe trabalhadora da sociedade: precisamos de amparo para que continuemos e de forma digna. Entendemos isso como homenagear porque desperta o interesse de quem não está prestando atenção no artista”, explica a coordenadora.

Nilde reforça ainda a necessidade de enxergar a arte como ofício. “É preciso que a sociedade veja os artistas e técnicos como trabalhadores que constroem coisas, são sustento e base de subsistência de tantas pessoas e têm direitos como previdência, seguro, dignidade”, destaca, levantando o desafio de organizar o evento com R$350 mil reais captados pela Lei do Mecenato Estadual, R$ 50 mil a menos em relação ao ano passado. Este fator econômico, aliás, reduziu a quantidade de dias dedicados às atividades, de oito para apenas cinco. 

Curadoria

Evidente que uma discussão como essa teria reflexos imediatos na curadoria das mostras que compõem o Festival. Fran Teixeira (CE), diretora do grupo Teatro Máquina, e Alexandre Vargas (RS), artista de teatro, empreendedor cultural, pesquisador e curador de artes cênicas, trabalham nessa perspectiva desde maio. 

Embora a orientação curatorial seja ampla e possamos com ela compreender que todos os trabalhos inscritos envolvem profissionais das artes, realizar um festival de teatro nesse País, hoje, é especialmente fortalecer a ideia de que precisamos continuar fazendo e indo ao teatro. A indicação das peças considera essa urgência, mas reconhece em cada um enviado o engajamento, o interesse e as formas de resistência que seus artistas têm encontrado para continuar trabalhando”, expõe Fran Teixeira. 

Partindo dessa premissa, foram selecionadas companhias de cinco estados para se apresentarem na Mostra Nordeste: Clowns de Shakespeare (RN) com “Abrazo”; Pequena Companhia de Teatro (MA), com a montagem “Ensaio sobre a memória”; Grupo Bagaceira de Teatro (CE), com o espetáculo “O Sr. Ventilador”; Vilavox (BA), com o solo “Medeia Negra”; e Grupo Magiluth (PE) com “Dinamarca”.

Legenda: Além de apresentar o espetáculo "Dinamarca", o grupo Magiluth (PE) também participará de um encontro em Fortaleza, dia 5, às 17h, com os alunos do Curso de Princípios Básicos de Teatro do TJA
Foto: FOTO: DANILO GALVÃO

A companhia do Rio Grande do Norte já tem histórico de participação no FNT desde 2004. O diretor artístico Fernando Yamamoto compartilha que o evento proporcionou ao grupo a oportunidade de conhecer uma série de parceiros, dentre os quais destaca o Bagaceira. Yamamoto destaca ainda a importância do FNT posicionar-se de forma tão contundente no tema-homenagem deste ano. 

O que a gente está vendo hoje é uma tentativa de criminalização dos artistas, um desmonte da cultura como um todo no País, e no momento em que um festival dessa relevância chama atenção para isso, ele coloca no centro de discussão o nosso fazer, o quanto a gente movimenta a economia. E o que mais estamos precisando neste momento é reforçar nossa identidade a partir de práticas artísticas e culturais”, acredita. 

O espetáculo “Abrazo”, segundo Yamamoto, cumpre papel fundamental nesse processo. “Ele está dentro de uma pesquisa da América Latina, junto com artistas de todo continente, num movimento de resistência a esses governos autoritários, a essa onda de ultradireita que vem assolando essa região”, resume. 

Desafios 

A cidade de Guaramiranga receberá ainda duas mostras paralelas – Palco Ceará e Cena Plural - além de programação de debates, peças para crianças e de shows musicais, estes sempre ao fim do dia. As limitações de espaço, visto que o teatro municipal segue em reforma, serão dribladas pela flexibilidade de se fazer espetáculos em espaços menores. 

Legenda: O grupo Vilavox (BA) apresentará o espetáculo Medeia Negra na Mostra Nordeste do FNT

“O teatro já não tem mais risco de queda, mas a segunda etapa da reforma está começando só agora. Vamos substituir a coberta e, por fim, cuidaremos da questão cênica em si. Como trabalhamos com a captação via Lei do Mecenato Estadual, o processo é um pouco mais lento, por isso aceitamos colaboração de outros setores da sociedade interessados em investir aqui também”, alerta. 

Nilde entende que pesquisas sobre o impacto do FNT na região são um passo importante nesse processo de argumentação. “É um festival com duas décadas e meia, e a gente precisa estudar esse fenômeno para compartilhar experiências, resultados e comprovar a eficácia dele. Sabemos, por exemplo, que ele gera anualmente 80 empregos diretos durante sua realização e que fortalece também os pequenos e médios empreendedores da cidade no período. Mas isso é só o começo”, identifica. Para que as próximas gerações do Maciço de Baturité continuem respirando os ares teatrais, as mãos precisam continuar unidas. 

Serviço
26ª edição do Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga
De 3 a 7 de setembro de 2019, em Guaramiranga, Ceará. Programação completa em: fnt.agua.art.br. Contato: (85)3321-1405, fnt@agua.art.br.. Facebook e Instagram: fntguaramiranga. Gratuito. 

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