Maia chama MP de capenga e Congresso estuda devolver medida que suspende contratos

Após a má repercussão, presidente voltou atrás na decisão e disse que revogaria o trecho da MP

Escrito por Redação ,
Legenda: Para Maia, o texto do governo criou uma crise desnecessária
Foto: Foto: Câmara dos Deputados

Publicada em edição extraordinária no final da noite de domingo (22), a medida provisória que suspende contratos de trabalho por até quatro meses encontra forte resistência no Congresso. Após a má repercussão, presidente voltou atrás na decisão e disse que revogaria o trecho da MP que estabelece a medida.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chamou a proposta de "medida provisória capenga".

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Governo edita MP que permite suspensão de contrato de trabalho por até quatro meses

Para ele, o texto do governo criou uma crise desnecessária. "Tenho certeza de que temos que construir rapidamente com a equipe econômica outra medida provisória".

Uma ala de parlamentares defende que o texto, editado no âmbito de medidas tomadas por causa da pandemia do novo coronavírus, seja devolvido ao Executivo, embora outros congressistas prefiram evitar o confronto e apostam na edição urgente de uma nova medida com algum tipo de amparo ao trabalhador.

Na avaliação de líderes partidários, o texto penaliza o trabalhador, é insuficiente para conter os danos provocados pelo coronavírus à economia e mostra despreparo do governo para lidar com a crise.

A medida provisória 927 permite que o funcionário fique até quatro meses sem trabalhar e sem receber salário do empregador.

A empresa é obrigada a oferecer curso de qualificação online ao trabalhador e a manter benefícios, como plano de saúde. Também poderá conceder ajuda compensatória mensal durante a suspensão, com o valor definido pelas duas partes em negociação individual.

A ideia, de acordo com o governo, já estava prevista na Constituição. "Será em acordo entre empregadores e empregados. E terá, sim, uma parcela paga pelo empregador para a manutenção da subsistência e vida do empregado", afirmou o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, numa rede social.

Quando uma medida provisória é editada, ela passa a valer imediatamente, mas tem que ser aprovada em três etapas -nas quais se pode fazer mudanças- para que se torne uma lei. Primeiro, a MP passa por uma comissão formada por deputados e senadores. Em seguida, é votada primeiro na Câmara e, depois, no Senado.

Por causa do coronavírus, as duas Casas editaram normas para realizar sessões a distância, pela internet. No entanto, não há regras para deliberação remota em sessões mistas, como é o caso da comissão especial.

Assim, para que a MP tramite e mudanças possam ser feitas pelos parlamentares, ou o ato do Senado tem que ser ampliado para tratar de sessões do Congresso ou os parlamentares teriam que ir a Brasília para uma reunião presencial, o que não está descartado por alguns congressistas.

Na avaliação do líder do Solidariedade, deputado Zé Silva (MG), a medida só prejudica o trabalhador.

"Vamos propor devolver a MP e que façamos uma lei que permita garantir o emprego e as linhas de crédito. Não queremos que os negócios quebrem, mas que o trabalhador também não pague a conta", afirmou.

Ele disse ainda que vai ingressar com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para suspender a MP. Depois, defendeu que parlamentares e governo costurem um acordo "sem questões ideológicas". "O momento é de sentar todo mundo na mesma mesa e de achar soluções que venham a garantir que se ache um caminho".

Líder do DEM, o deputado Efraim Filho (PB) qualificou a iniciativa do governo de tímida. Para ele, o Executivo, de Jair Bolsonaro (sem partido), deve complementar a MP com o papel do poder público para apoiar os trabalhadores durante o tempo em que o contrato ficar suspenso. No Reino Unido, por exemplo, o estado vai arcar com 80% dos salários dos empregados licenciados.

"Defendemos a antecipação do seguro-desemprego, para que o governo possa entrar com esses valores. É melhor a suspensão do contrato do que a demissão, mas o Estado e o poder público têm que entrar com uma antecipação do seguro-desemprego", disse.

O líder do DEM, no entanto, não avalia que o Congresso deva devolver o texto, mas sim complementá-lo. "Não é hora de politizar o tema, a crise. Se há insuficiências, cabe ao congresso complementá-lo", afirmou.

Ele também defende que se dê celeridade ao rito das medidas provisórias, retirando a etapa da criação de comissão mista, formada por deputados e senadores, para avaliar o texto.

"Isso gera uma burocracia que é impeditiva para o momento que estamos vivendo. Queremos que se possa, numa concordância e consenso das Casas, de repente ir direto para o plenário. É mais rápido e compatível com a estrutura virtual que o Congresso adotou."

O deputado André Figueiredo (PDT-CE), líder da Oposição na Câmara, afirmou ser "natural" que o Congresso devolva a MP até que o governo edite uma com "conteúdo técnico-legislativo melhor".

Ele afirmou que os líderes estão tentando organizar uma reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para discutir o assunto. "O trabalhador não vai ter renda para sobreviver. Isso mostra o despreparo do governo para lidar com um ambiente de crise", disse.

Segundo o parlamentar, a MP dá ao trabalhador a "possibilidade de morrer de fome ou de coronavírus, porque ele vai ter que fazer bico para sobreviver".

O líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), também defende que o texto seja devolvido. "O governo comete uma desumanidade ao permitir que trabalhadores fiquem até quatro meses sem salários numa crise como esta", disse. "De um lado, socorre as empresas, o que é importante para que não quebrem, mas, de outro, entrega os trabalhadores à própria sorte, forçando-os a escolher entre o emprego e a vida".

No Senado, o líder do PSL, Major Olímpio (SP), defende a devolução da MP.

"No intuito de tentar promover a sobrevida das empresas, o governo editou esta medida provisória 927, que condena à morte, talvez morte física, os trabalhadores. Na prática, está dizendo ao trabalhador 'vai para casa e, se você não morrer, daqui a alguns meses você volta'. Apaga incêndio com gasolina", diz o ex-aliado de Bolsonaro, que agora adota postura independente.

"A população não vai aceitar, e nós, pelo Legislativo, temos que fazer com que seja devolvida esta MP de imediato e que se faça alguma coisa mais equilibrada", afirmou o senador, que defende que ao menos o governo libere recursos do FGTS e do seguro-desemprego.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) é contra a devolução da MP, para não se iniciar uma nova crise entre Executivo e Legislativo. Ele diz acreditar que o governo encaminhará urgentemente uma nova medida provisória.

"A receptividade [da MP 927] é próxima do zero. Garantir uma renda mínima para o cidadão é uma solução uniforme no mundo. Quando o governo edita primeiro a MP que cuida da suspensão de contratos e deixa para depois a medida provisória que vai cuidar da proteção ao cidadão, mostra suas prioridades. Isso é muito ruim, gera um tumulto na sociedade. É uma falta de sensibilidade social e uma demonstração de profunda inabilidade política", disse o senador.

Vieira chegou a contestar uma publicação de Bolsonaro nas redes sociais. O presidente escreveu que "o governo entra com ajuda nos próximos 4 meses", o que não está previsto pela MP editada no fim da noite do domingo (22).

"Presidente, com todo respeito, isto não está no texto da MP. Falar de suspensão de contratos antes de garantir a renda mínima para subsistência do cidadão é um grave equívoco. Confio que vocês vão corrigir isso rapidamente. O Brasil precisa da sua atuação, estamos aqui para ajudar", escreveu o senador.

Líder da maior bancada do Senado, a do MDB, Eduardo Braga (AM) diz que já estão em estudo propostas de alteração para serem apresentadas na forma de emendas.

"A questão da suspensão de contrato por 120 dias eu acho que é importante para o empregador. Mas governos mundo afora estão garantido um percentual do salário do trabalhador pela área social do governo. Se vai ser de 50% [do salário], de 40%... O governo tem que garantir um mínimo para dar segurança social no país", afirmou Braga.

Não foi possível contactar o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que está isolado em casa por ter sido infectado pelo coronavírus.

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