Violência provoca 1 a cada 5 mortes ligadas ao consumo de álcool no Ceará

Acidentes de trânsito são a segunda maior causa, como aponta estudo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: Violência interpessoal, inclusive doméstica, infla o número de óbitos ligados ao consumo de álcool
Foto: Shutterstock

Consumir bebida alcoólica de forma abusiva é visto por muitos como problema individual, mas os riscos são coletivos. O Ceará é o 6º do Brasil com maior taxa de mortes atribuíveis ao álcool – e violência interpessoal e acidentes de trânsito são as principais causas.

O Estado teve, no primeiro ano da pandemia, 36,6 mortes ligadas ao uso de álcool a cada 100 mil habitantes, uma taxa acima da nacional (31,5). Os dados são da pesquisa Álcool e a Saúde dos Brasileiros 2022, do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).

Kae Leopoldo, psicólogo e pesquisador do Cisa, explica que esses óbitos se dividem entre parcial ou totalmente atribuíveis ao álcool – ou seja, mortes que aconteceriam (câncer, acidentes de trânsito etc.) ou que não aconteceriam (doenças) se a substância não existisse.

“No Ceará, essas mortes estão acima da média nacional. É um sinal de alerta, porque é um dos estados que puxa pra cima os dados nacionais de mortes atribuíveis ao álcool. E houve um aumento considerável de 2019 pra 2020”, observa o especialista.

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cearenses morreram por doenças ou condições 100% ligadas ao uso de álcool, em 2020, 53% a mais do que os 256 óbitos registrados em 2019.

Uma a cada 5 vítimas (20%) cuja morte tem a ver com uso de álcool tem a vida ceifada pela violência, em conflitos gerados pela embriaguez. É a principal causa de óbitos atribuíveis ao consumo da substância, segundo o levantamento do Cisa.

A explicação é científica. “O álcool deprime regiões do cérebro responsáveis pela habilidade de socializar, pelo controle inibitório. Bêbado, a chance de você ingressar em atividades reprobatórias é maior. As brigas têm muito mais chance de acontecerem, e de forma mais grave, quando as pessoas estão alcoolizadas”, destaca Kae.

Na pandemia, com o isolamento social, dois públicos foram ainda mais afetados. “A ONU Mulheres recomendou controle do consumo de álcool, porque mulheres e crianças estavam mais vulneráveis”, complementa o psicólogo.

Álcool x direção

Atrás da violência, a segunda maior causa de mortes ligadas ao álcool é tão criminosa quanto: os acidentes de trânsito (17,3%), que ultrapassam até os transtornos mentais e comportamentais por uso de álcool (11,6%).

Beber álcool e dirigir é, no fim das contas, crime sem justificativa. Num país com tolerância zero a isso, conduzir sob efeito da substância é assumir o risco de morrer e de matar: o que, em média, quase 200 motoristas de Fortaleza fazem todo mês.

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De janeiro a maio deste ano, na capital, 965 motoristas ou foram flagrados dirigindo após consumir álcool (219) ou se recusaram a fazer o teste do bafômetro (746), de acordo com a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC). 

No Instituto Dr. José Frota (IJF), principal hospital público de urgência e emergência da cidade, um a cada 5 (20%) pacientes internados por acidentes de trânsito declara ter ingerido bebidas alcoólicas antes da ocorrência.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que um condutor que desrespeitar a lei com um copo de cerveja terá três vezes mais chances de morrer num acidente do que um sóbrio.

Kae define as mortes no trânsito causadas pela embriaguez como “algo trágico e terrível”, e lamenta o fato de que, apesar da Lei Seca, isso persiste por ser um fator cultural e enraizado.

“O Brasil, na teoria, é um dos exemplos mundiais de legislação sobre isso, pela Lei Seca. A grande questão é mudar o aspecto cultural e também legislar sobre isso de forma mais rigorosa, ter monitoramento. É um desafio”, pondera.

Mulheres bebendo mais

Situações de risco para mortes ligadas ao álcool são causadas, em geral, por episódios de consumo abusivo: quando homens bebem 5 ou mais doses e mulheres bebem 4 ou mais doses da substância (uma dose = lata de cerveja ou taça de vinho ou shot de destilado).

O pesquisador do Cisa explica que consumo abusivo “é o que muitos brasileiros fazem” – e um comportamento que tem aumentado entre as mulheres. A cada ano, a média anual de mulheres que abusam da bebida cresce 4,2%, dado consolidado entre 2010 e 2020.

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Pela composição biológica, como menor quantidade de água no organismo e menores níveis de enzimas que metabolizam o álcool, mulheres são mais impactadas pelos efeitos nocivos da bebida.
Mariana Thibes
Socióloga e coordenadora do CISA

O centro de pesquisa reforça que “esse é um dos padrões de consumo que traz riscos de curto a longo prazo à saúde, como envolvimento em brigas, sexo desprotegido e amnésia alcoólica até prejuízos mais graves em diversos órgãos”.

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