‘Única refeição do dia’: 13 mil pessoas se alimentam por cozinhas comunitárias no Grande Bom Jardim
Mapeamento aponta que projetos não-governamentais amenizam a fome de até 5 mil famílias na região
Ao anoitecer, seis das quentinhas feitas numa cozinha comunitária do Grande Bom Jardim (GBJ), na periferia de Fortaleza, chegam à porta de Janiele de Souza, 30. A única refeição certa do dia para ela e os 5 filhos é justamente a última – e para várias famílias, é a única.
“Falta comida, claro. A gente recebe dinheiro uma vez por mês, mas a criança pede alimentação todo dia”, diz a dona de casa, integrando as 13 mil pessoas que têm a insegurança alimentar amenizada pelas cozinhas comunitárias da região.
refeições por semana. Essa é a capacidade de produção das 18 cozinhas comunitárias do GBJ. Mas dificuldades como falta de insumos, o número não é atingido.
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Com a “alimentação muito cara”, sustentar os pequenos de 2, 5, 8 e 9 anos, além de um adolescente de 12 anos autista, tem exigido de Janiele um malabarismo para que a renda do Auxílio Brasil e do benefício que recebe pelo filho com deficiência dure.
“Teve dias que eu fiquei sem comer pra dar comida a eles. Sempre quem fica sem comer é a mãe, minha filha”, afirma, fazendo questão de reconhecer que “tem gente no Bom Jardim que passa muito mais dificuldade”.
Para ao menos 5 mil famílias dos bairros Bom Jardim, Siqueira, Granja Lisboa, Granja Portugal e Canindezinho, conseguir comida em quantidade suficiente e qualidade ideal não é uma realidade, como aponta o Mapa Participativo de Enfrentamento à Fome, divulgado nesta sexta-feira (2).
O estudo foi feito pelo Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa (CDVHS), em parceria com grupos de pesquisa das Universidades da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Estadual do Ceará (Uece) e Federal do Ceará (UFC), e mostra a localização das pessoas em vulnerabilidade mais grave.
Para o mapeamento, participaram 18 cozinhas do Grande Bom Jardim e da Associação de Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis (Ascabomja). O objetivo era identificar as áreas, comunidades e famílias mais vulneráveis da região.
“Para muitos, é a única refeição do dia”
Eduardo Machado, professor da Unilab e integrante da pesquisa, observa que o número de famílias em insegurança alimentar e fome no Grande Bom Jardim é provavelmente “muito maior” do que as 5 mil apontadas no estudo, já que estas são apenas as alcançadas pelas cozinhas.
Ele avalia que “são famílias sob ausência de renda, emprego e vivendo as piores violações de direitos, pra quem a refeição provisionada pelas cozinhas comunitárias é, muitas vezes, a única do dia”.
As cozinhas comunitárias são ativas na busca por cidadania, e conseguem atender 62 comunidades, apesar da falta de apoio. Costumamos dizer que elas fazem o milagre da multiplicação dos pães.
O professor, assim como o próprio Mapa, aponta que “fortalecer as cozinhas com isenção de tarifas de água, energia e gás; com a distribuição de mantimentos e insumos; e com auxílio às 77 pessoas que trabalham nelas” são maneiras de fazer com que a alimentação chegue a mais famílias.
A aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 274, de junho de 2022, também é citada como medida “urgente” de apoio às cozinhas. O dispositivo propõe a criação dos selos “Instituição Apoiadora de Cozinhas Comunitárias” e “Cozinha Comunitária Promotora de Segurança Alimentar e Soberania Alimentar e Nutricional”, para fomentar doações.
Atualmente, de acordo com o Mapa Participativo de Enfrentamento à Fome no Grande Bom Jardim, as cozinhas comunitárias se sustentam com recursos próprios e de 11 doadores fixos. Para Eduardo, expandir esse número é essencial.
“As doações diminuem à medida que a pandemia recua – mas a fome só aumenta.”