Prédio histórico do Estoril tem tombamento 'atualizado' para proteger entorno; veja o que muda

Situada na Praia de Iracema, a edificação é um marco simbólico desta área da cidade. No decorrer dos anos, já serviu de cassino, bar, restaurante e sede de órgão público

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
prédio do Estoril na Praia de Iracema
Legenda: Em 2017, o Estoril se tornou a sede da Secretaria do Turismo de Fortaleza e assim permanece até hoje.
Foto: Kid Jr

Um prédio na orla de Fortaleza, feito inicialmente em taipa, na década de 1920, detentor de histórias e usos diversos. Já foi um cassino para soldados dos Estados Unidos, na Segunda Guerra Mundial, quando havia uma base norte-americana no Nordeste brasileiro; chegou a ser um bar e restaurante reduto de intelectuais na Praia de Iracema; e hoje é sede de órgão público. O Estoril ajudou a configurar a Praia de Iracema e foi tombado na década de 1980. Em seguida, viu parte da sua estrutura ruir e ser reconstruída. Agora, a Prefeitura “atualizou” a proteção e definiu a poligonal do entorno do bem. E o que isso significa?

A novidade sobre a definição da poligonal do entorno consta no decreto municipal 15.683, publicado no Diário Oficial do Município do dia 6 de julho de 2023. A norma atual reforça o que já estava previsto na lei de 1986 que estabelece o tombamento do bem - a proteção do imóvel em si - mas também avança na definição daquilo que está em volta do prédio, de modo que, com essa atualização, o resguardo, em distintos graus, incide também sobre o entorno da edificação

O decreto municipal 15.683/2023 sobre o Estoril, estabelece que:

  • O tombamento do edifício Estoril recai de forma rigorosa sobre o imóvel; 
  • O imóvel possui proteção rígida em sua volumetria, fachadas e no ambiente interno
  • Toda e qualquer ação de restauração, manutenção, conservação e adaptações aos novos usos que incidam sobre o Estoril deve ser analisada e aprovada pela Coordenação do Patrimônio Histórico-Cultural da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza;
  • O Estoril não poderá ser demolido e suas características originais devem ser preservadas, recuperadas ou restauradas, de acordo com os critérios contidos no decreto.

Qual o entorno protegido?

O novo decreto é um documento que complementa o tombamento do Estoril ao estabelecer um entorno do edifício a ser protegido para garantir visibilidade, ambiência e integração do bem tombado. Na prática,  é delimitar a proteção pensando o bem em conexão com as construções e espaços em volta, e não de modo isolado. 

O coordenador do Patrimônio Histórico-Cultural da Secultfor, Diego Zaranza, explica que o Estoril foi tombado antes de 2008, época em que entrou em vigor uma lei municipal em Fortaleza estabelecendo parâmetros e exigências que aprimoram a fundamentação do tombamento.  Com isso, agora, diante da necessidade de deixar claro o entorno do bem, o novo decreto relacionado ao Estoril foi aprovado. 

“Depois desse decreto saiu uma lei municipal (9.347 de 2008) que rege o patrimônio histórico do município de Fortaleza. E essa lei pede que toda instrução de tombamento tenha uma poligonal de entorno definida. Uma zona de amortecimento do patrimônio histórico, onde vai se preocupar com a questão da visibilidade, do protagonismo do bem, da ambiência em que ele está inserido, se tem outros imóveis que se relacionam com ele. Então, a poligonal faz isso, tenta proteger a moldura onde está circunscrito”. 
Diego Zaranza
Coordenador do Patrimônio Histórico-Cultural da Secultfor

Diego também acrescenta que a definição formal desse entorno ocorre devido a vários pedidos de interferência nos arredores do bem.

“A procura de informações sobre mexer no entorno de um determinado bem, gera a necessidade de a gente fazer a poligonal de entorno. Foi nesse intuito que fizemos. Como forma de proteger, evitar a descaracterização. No caso do Estoril em si, a gente evitou a questão do gabarito, de alturas e de estar alinhado com a legislação do Plano Diretor”.
Diego Zaranza
Coordenador do Patrimônio Histórico-Cultural da Secultfor

Nesse sentido, um parecer técnico foi elaborado pela Coordenação do Patrimônio Histórico-Cultural da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza e aprovado pelo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Histórico-Cultural (COMPHIC), em junho de 2022. 

O polígono da área de entorno é demarcado da seguinte forma: 

  • Ponto A: cruzamento do eixo das vias Rua dos Potiguaras com Rua dos Cariris; 
  • Ponto B: da Rua dos Cariris seguindo até a confluência da Rua dos Tremembés;
  • Ponto C e Ponto D: continuando na Rua dos Tabajaras atravessando o lote até o fim da faixa do calçadão da orla;
  • Ponto E: Largo dos Tremembés até o ponto perto da Ponte dos Ingleses pela faixa de praia;
  • Ponto F: Seguindo do ponto perto da Ponte dos Ingleses pela Rua dos Cariris até o ponto A. 

O decreto também indica que a poligonal de entorno é dividida em duas áreas distintas:

  • Área de Preservação Rigorosa (APR): que é caracterizada por ter edificações com: concentração de grande densidade de exemplares significativos da arquitetura religiosa, civil, institucional e militar; conjuntos de edificações que, pela continuidade, harmonia e uniformidade, formam a ambiência de edifícios significativos; relação com acontecimentos históricos ou com personalidades locais, estaduais e nacionais; relação com testemunho das práticas e tradições de uma época da sociedade; exemplo de evolução estilística ou tecnológica da arquitetura; presença de elementos naturais com significação histórica, paisagística ou ambiental. 
  • Área de Preservação de Entorno (APE): é a área que representa uma zona de transição entre o bem tombado e a cidade. 

Parte do Estoril já desabou

Registros indicam que o Estoril - que ainda não tinha esse nome - foi construído na década de 1920 por iniciativa do pernambucano de ascendência portuguesa José Magalhães Porto. A obra foi inicialmente chamada de "Vila Morena", nome que consta no letreiro na frente do imóvel e pode ser visualizado ainda hoje, em homenagem à esposa de José Magalhães, Francisca Frota Porto, conhecida como Morena.

A edificação tem a entrada voltada para a Rua dos Tabajaras e as “costas” para o mar. Décadas depois, a Vila Morena foi vendida e o prédio se tornou um cassino e clube de veraneios que chegou a ser utilizado por soldados dos Estados Unidos, na época da Segunda Guerra Mundial, quando o país norte americano instalou base no Nordeste brasileiro.

Fac-símile da edição do Diário do Nordeste do dia 21 de abril de 1994
Legenda: Fac-símile da edição do Diário do Nordeste do dia 21 de abril de 1994
Foto: Centro de Documentação do Sistema Verdes Mares (Cedoc SVM)

Após a Guerra, em 1948, a Vila Morena foi alugada a dois irmãos portugueses que a transformaram em um restaurante e o batizaram de Estoril, em alusão a uma cidade homônima em Portugal. Essa fase do Estoril é marcada pela imagem da boêmia, sendo reduto de intelectuais e artistas na Praia de Iracema. Depois, a edificação passou a outros donos. 

O imóvel foi desapropriado pela Prefeitura de Fortaleza em 1992, na gestão do ex-prefeito Juraci Magalhães, conforme registrado em matéria do Diário do Nordeste da época. Mas, em abril de 1994, quando a Prefeitura ainda não havia resolvido a situação do prédio, e uma família - antiga proprietária - ainda o habitava, parte da torre do equipamento desabou em uma chuva. 

A situação de abandono, que já era denunciada, gerou ainda mais comoção na cidade e debate sobre a necessidade de preservação do patrimônio. Após a ocorrência, o prédio foi reformado pela Prefeitura com a promessa de conservação das características e das linhas arquitetônicas originais. A edificação, que no decorrer dos anos, foi perdendo a taipa que deu lugar ao concreto armado e alvenaria, foi reconstruída e assumiu o atual formato.  

Desde então, o Estoril passou a ser administrado pela gestão municipal, reabrindo em 1995 como Centro Cultural. Já em 2017 se tornou a sede da Secretaria do Turismo de Fortaleza e assim permanece até hoje.

Características do Estoril

No decreto que definiu a poligonal do entorno do Estoril consta que “a relevância da edificação está pautada em sua arquitetura expressa um linguajar eclético, com predominância de elementos neocoloniais”. A norma menciona que a construção inicial “foi executada em taipa de mão, sem qualquer auxílio de engenheiro, arquiteto ou qualquer outro profissional normativo do ramo da construção civil”. 

prédio do estoril na praia de iracema
Legenda: Segundo o decreto que define o entorno do Estoril, o prédio tem "arquitetura expressa um linguajar eclético, com predominância de elementos neocoloniais"
Foto: Centro de Documentação do Sistema Verdes Mares (Cedoc SVM).

Na época da construção, diz o decreto, a Praia de Iracema (conhecida como Praia do Peixe) “era habitada principalmente por pescadores e dominada por casas simples de taipa, e teve seu padrão habitacional mudado justamente a partir da construção do Estoril”. 

O edifício, menciona o documento, “contribuiu para formação da nova feição paisagística do bairro, que se foi convertendo paulatinamente em endereço das construções de casas de veraneio da elite fortalezense”. 

Outro destaque é que a edificação também “influenciou o nome das ruas em seu entorno, bem como do bairro em que se insere”. A mudança de  Praia do Peixe, para a atual Praia de Iracema, diz o decreto, foi um empenho do primeiro proprietário do imóvel, José Magalhães que atuou para a alteração da antiga denominação fazendo com que as ruas do entorno fossem batizadas com nomes alusivos a tribos indígenas do Ceará.

 

 

 

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