Pais fazem festa de réveillon em fila para matricular filhos em escola pública no interior do CE
Moradores de cidade no sertão cearense acamparam na porta da escola por uma semana
A preferência por uma escola municipal da cidade de Parambu, no Sertão dos Inhamuns, no Ceará, levou os pais a uma medida inusitada, no fim do último dezembro: passar a virada de ano acampando na fila por uma vaga.
No dia 26 do mês passado, os parambuenses iniciaram a mobilização para matricular os filhos na Escola de Ensino Fundamental José Carvalho Pinheiro, a mais antiga das seis instituições municipais da localidade, fundada nos anos 1950.
O “acampamento”, que contou até com redes armadas e ceia de ano novo, chegou ao fim no dia 2 de janeiro, quando o processo de inscrições foi iniciado.
A professora Francisca Moura, diretora da escola há mais de 7 anos, diz que a formação de filas é comum, mas que, desta vez, a quantidade de pessoas e a duração surpreenderam a gestão. “Ficamos admirados. Vieram no dia 26 e ficaram até o dia 2. Nós estávamos de recesso”, pontua.
Segundo ela, a alta procura é justificada pela localização da escola, no Centro de Parambu. “Todas as escolas do município são públicas, não temos particulares, e a forma como a gente trabalha é padronizada, buscando fazer o melhor. Temos as mesmas orientações e formações, a qualidade de todas é a mesma”, frisa.
Além da localização central, a diretora destaca que, por ser a mais antiga da cidade, a escola permeia diversas gerações das famílias. “Quem já tem um filho aqui busca sempre manter a continuidade e vai se propagando”, diz.
A escola, contudo, tem apenas 5 salas de aula, cada uma com estrutura para matricular até 25 crianças do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. “Tentamos atender, mas ficamos numa situação difícil. De acordo com a demanda, chegamos a matricular até 35 alunos na sala”, reconhece a gestora.
Francisca pontua que cerca de 100 crianças deixam a educação infantil todos os anos e precisam migrar ao 1º ano do ensino fundamental – e embora a EEF José Carvalho só consiga absorver 50 delas, grande parte busca matrícula lá.
“Tentamos conciliar da melhor forma, priorizando as famílias do Centro. Mas as escolas são próximas, ninguém fica sem estudar”, garante. Parambu, de acordo com o Censo Demográfico de 2022, tem pouco mais de 31 mil habitantes.
“É como se fosse uma particular”
Por ser veterana, Ana Laura, 8, já está com vaga garantida para 2024. A mãe, a autônoma Maria Gonçalves, 38, não enfrentou a fila recordista de 2023, mas chegou a pernoitar em anos anteriores, para a filha ingressar lá. A justificativa vem em tom de pergunta.
“Precisamos de uma escola maior, com mais salas, pros pais que querem colocar as crianças lá. É uma escola muito boa, bem localizada. Quem não quer ver os filhos numa escola boa? É como se fosse uma particular”, compara.
A qualidade alegada pelos pais se mostra também nas avaliações do Ministério da Educação. No Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), por exemplo, os alunos da instituição atingiram níveis avançados de aprendizado em português e matemática. O número de alunos com atraso (distorção idade-série) quase zerou em 2022.
“É triste os pais terem que ficar em filas, e essa bateu o recorde. Foi 7 ou 8 dias que eles ficaram lá, dormiram, armaram redes. No réveillon, fizeram até confraternização. Nos outros anos era só de um dia pro outro, dessa vez não”, relata Maria.
Outra mãe de estudante, que preferiu não ser identificada, confirmou que conseguiu a matrícula da criança no 1º ano após 4 dias de fila. “Os professores são excelentes, a diretora é maravilhosa e é a escola mais perto de casa”, argumenta sobre o esforço.
Ampliação prevista
O secretário de Educação de Parambu, Thiago Gomes, confirma que a alta demanda “é por conta de alunos de vários bairros procurarem a escola, que fica no Centro”. Ele reconhece que existe “uma cultura anual de que é a melhor escola”, mas reforça que “as demais recebem o mesmo apoio e formações”.
“As filas acontecem devido a isso. A orientação é que os pais matriculem na escola mais próxima de casa, mas como a lei nacional não obriga a isso, eles continuam buscando a Escola José Carvalho Pinheiro”, declara o gestor.
Questionado sobre a necessidade de aumentar a capacidade da rede, o secretário afirmou ao Diário do Nordeste que existe perspectiva de ampliação das duas escolas localizadas no Centro da cidade, mas não deu detalhes.