Multa ou não? Entenda como está a fiscalização por videomonitoramento em Fortaleza após novo recurso
Órgãos argumentam pela liberação ou não do uso dos equipamentos desde 2017, mas recursos apresentados adiam decisão final sobre o caso.
O impasse sobre a fiscalização de infrações de trânsito por videomonitoramento em Fortaleza, em prática desde março de 2017, ganhou mais um capítulo no fim de janeiro. O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) que autorizou novamente o uso dos equipamentos, em novembro do ano passado, para registrar infrações no interior de veículos.
Os chamados embargos de declaração expõem que as câmeras não têm critérios técnicos (como alcance e precisão) devidamente regulamentados pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e que os condutores não têm direito à ampla defesa porque as imagens não ficam guardadas em banco de dados.
Os recursos foram apresentados pelo procurador regional da República José Cardoso Lopes, nos dias 20 e 24 de janeiro, ao desembargador federal Leonardo Carvalho, relator do processo no TRF-5. Os pedidos se baseiam tanto no caso de Fortaleza como de Uberlândia, em Minas Gerais, onde também há processo semelhante.
No caso da cidade mineira, foi solicitada a regulamentação dos tipos de equipamentos eletrônicos e audiovisuais passíveis de utilização para comprovar infrações de trânsito, nos termos do Código Brasileiro de Trânsito.
Outro pedido foi a manutenção das imagens gravadas que registraram o fato gerador da infração, pelo prazo de 30 dias, a partir da notificação de imposição de penalidade, a fim de permitir o exercício da ampla defesa e contraditório aos autuados na esfera administrativa.
Em nota, o TRF-5 informou que “os processos mencionados encontram-se na Secretaria da Segunda Turma, cumprindo prazos recursais, com embargos de declaração pendentes de julgamento”. Não foi dado prazo para a análise.
Aumento do desrespeito
Em setembro de 2019, sentença da Justiça Federal do Ceará estabeleceu que câmeras não podem multar por:
- uso de celular ao volante;
- falta de cinto de segurança;
- farol baixo apagado durante o dia;
- avanço de sinal vermelho;
- excesso de velocidade.
Nos dois primeiros casos, foi defendido que as câmeras violam a privacidade e a intimidade dos condutores no interior dos veículos, por utilizarem zoom 20 vezes maior que o normal.
Assim, a medida só ficou válida para estacionamento proibido, em faixa de pedestre, fila dupla, tráfego na contramão e conversão proibida. Motociclistas sem capacete, visor e de chinelo de dedo também podem ser autuados.
Questionada novamente pela reportagem, a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania de Fortaleza (AMC) declarou que o videomonitoramento tem caráter preventivo e que segue integralmente a resolução nº 471/13, que regulamenta esse tipo de fiscalização.
A Autarquia também ressalta sucessivas quedas no uso do cinto de segurança na cidade após a suspensão do videomonitoramento dessa infração.
“Antes da medida judicial, 97% dos condutores utilizavam o cinto de segurança. No último levantamento, em outubro de 2021, esse número caiu para 87%. Se analisada a adesão ao uso do item entre todos os ocupantes do veículo, o número é ainda mais preocupante: a redução foi de 14%”, destaca.
A AMC aponta ainda que o Manual de Segurança no Trânsito da Organização Mundial da Saúde (OMS) comprova que o cinto reduz a probabilidade de morte em acidentes de 40% a 50% aos ocupantes do banco da frente e em 75% para os do banco de trás.
Relembre a discussão
Em maio de 2017, o MPF propôs ação civil pública contra a União e AMC para que fosse suspensa a fiscalização de trânsito por meio de câmeras de alta definição, que permitem uma filmagem por até 400 metros de distância; e a anulação das autuações decorrentes desse tipo de fiscalização nas vias urbanas de todo o país.
Em setembro de 2019, a 1ª Vara da Seção Judiciária do Ceará julgou parcialmente procedente a ação para determinar a exclusão, no sistema de verificação das infrações de trânsito por videomonitoramento, das infrações cometidas dentro de veículos, por violação aos princípios constitucionais.
A União e a AMC recorreram da sentença ao TRF5 alegando, dentre outros argumentos, não haver ofensa à intimidade e à privacidade das pessoas e solicitando autorização para realização de fiscalização e aplicação de multas com os equipamentos.
Em novembro de 2021, a 2ª Turma do TRF5 proferiu acórdão acatando o pedido por entender que os condutores devem zelar por uma direção segura, sustentando que “não há que se falar em dano a intimidade com a filmagem de veículos em via pública, sendo esta medida eficaz para a fiscalização e segurança do trânsito”.
Agora, o MPF recorreu da decisão defendendo, dentre outros pontos, que os equipamentos não gravam as infrações, o que deixa os condutores vulneráveis para formulação de recurso.
Em Minas Gerais, o MPF também entrou com ação civil pública contra a União e o Município de Uberlândia, por entender haver ilegalidade na aplicação de multas por essas câmeras. Os dois processos devem ser analisados conjuntamente pelo TRF-5.