Mãe e filha engravidam juntas e vivem maternidade no Ceará; ‘uma sobrecarga e um amor estrondoso’
Kelly e Luísa tiveram bebês com 2 meses de diferença, e compartilham rotina de múltiplos desafios e papéis familiares, neste Dia das Mães
“Nós éramos duas, agora somos mais de 10 pessoas.” É assim que Kelly Arruda, 39, descreve a própria família desde janeiro deste ano – quando a filha dela, Luísa Arruda, 18, deu à luz apenas dois meses depois de a mãe ter parido pela segunda vez.
Pedro, caçula de Kelly, veio ao mundo em novembro de 2022. Anna Liz, filha de Luísa, chegou em janeiro de 2023. Mãe e filha, que já haviam recebido diagnóstico médico de infertilidade, descobriram as gestações-surpresas praticamente juntas. Seriam, agora, avó e irmã.
Neste Dia das Mães, então, elas se revezam entre funções familiares. Multiplicam sentimentos, sentidos e cumplicidade – envoltas numa “sobrecarga grande e um amor estrondoso”.
Foi questão de meses até a vida virar ao avesso. Enquanto Kelly tinha na conta duas fertilizações que não deram certo, uma perda gestacional e uma vontade imensurável de ser mãe de novo, Luísa tinha 17 anos e duas faculdades – Direito e Letras – pela frente.
Kelly “já tinha desistido” de engravidar outra vez. Cuidando da depressão que ficou e da quase obesidade, passou a focar na própria saúde física e mental. Fez até uma cirurgia bariátrica, ao final de 2021. Era momento de olhar para si.
Já Luísa pensava em ser mãe, mas bem longe, lá pelos 30. De bebê, só queria mesmo um irmão, apesar do ciúme. Cursando o 3º ano do ensino médio, o foco era ser aprovada na universidade e construir uma carreira. Era hora de olhar o futuro.
Mas, elas aprenderam, só o presente é soberano. No dia 13 de maio de 2022, Kelly soube, no susto, que Pedro já crescia no ventre. Doze dias à frente, os testes de farmácia feitos por Luísa deram positivo para Anna Liz.
“Fiquei muito nervosa pela reação da minha mãe e da minha família. Eu sempre pensei que seria mãe, mas a médica disse que eu nunca ia poder engravidar e fiquei com isso na cabeça. Então fui pega demais de surpresa. Fiquei em choque”, relembra Luísa.
“Eu tava fazendo exames de rotina, pra iniciar uma nova medicação. Achava que as mudanças no corpo eram pela bariátrica. E aí o médico disse: ‘você não tá grávida… tá muito grávida!’. Dias depois, eu já tava impactada com a minha gestação, aí a Luísa me liga”, conta Kelly.
Gestações conjuntas
Entre ansiedades e a “mistura de emoções” sentida e descrita pelas duas, veio a cumplicidade. Vieram afetos e planos, preocupação e cuidado, mas também uma quebra nas rotinas e nos planos.
“Tranquei a faculdade pra dar mais atenção pra Anna Liz, ficar mais com ela, perto dela. Mas é muito difícil, porque sinto falta da minha rotina. E bagunçou tudo. Eu tinha acabado de passar, foram muitas transições ao mesmo tempo. Totalmente inesperado”, descreve Luísa, ao que a mãe completa:
Não dá pra romantizar a gravidez na adolescência, porque pula uma etapa grande da vida. Eram dois enxovais e três crianças – porque na cabeça de uma mãe, um filho é sempre criança, e assim eu via a Luísa. Pra mim foi muito novo e difícil: era, ao mesmo tempo, uma sobrecarga e um amor estrondoso.
Para a mais nova, porém, o fato de viver uma gravidez “conjunta” com a própria mãe foi fonte de força. “Ter alguém grávida comigo e esse alguém ser minha mãe foi muito bom. Alguém que me entendia, desse apoio, vivesse os momentos comigo. Já tínhamos um vínculo e só se fortaleceu”, depõe Luísa.
O aprendizado, aliás, foi via de mão dupla. “A relação da Lulu com a gravidez foi muito melhor do que a minha. Eu, mãe de segunda viagem, e pensando: ‘será que vou conseguir, será que vou ser boa mãe?’. Já a Lulu era tranquila com a maternidade”, sorri Kelly.
A minha rede de apoio foi fundamental pra dar conta da maternidade próximo aos 40, da minha 'vóternidade' e da maternidade da Luísa aos 17 anos. Tive amigas me apoiando muito.
Separar os papéis
Para Kelly, há ainda outro desafio intenso e diário: aprender a separar e “encaixar muito bem” os muitos papéis que exerce agora.
“Existe eu vó, eu mãe da Luísa, eu mãe do Pedro. A Luísa minha filha, irmã do Pedro e mãe da Anna Liz. O Pedro meu filho, irmão da Luísa e tio da Anna Liz. E a Anna Liz filha da Luísa, minha neta e sobrinha do Pedro”, diz, enquanto sorri contando as funções nos dedos.
Isso é necessário inclusive pra eu não sobrepor a maternidade da Luísa, respeitar a forma de ela ser mãe. Não ultrapassar os limites, porque as avós tendem a fazer isso. O amor é igual, a forma de lidar é que é diferente. Me sinto muito completa quando estão todos juntos.
Hoje, mães e filhos vivem em casas separadas. Luísa mora com o pai, Kelly vive com o atual esposo. Mas os encontros entre Anna Liz e Pedro são festas – a pequena, de pele branca e fartos cabelos pretos, desperta alegria imediata no tio “carequinha”, que abre o sorriso banguelo ao vê-la.
O que é ser mãe
O primeiro dia das mães vivido em quatro ainda paira na mente de Luísa como um sonho, algo meio abstrato. Na fala calma, mas atravessada por sinceridade e pureza, a estudante deixa claro: já se percebeu como irmã de Pedro, é “louca por ele!”, mas a ficha de que é mãe, de que gerou alguém, ainda não caiu.
“Acho que quando a gravidez é planejada é muito boa, mas no meu caso ainda tô descobrindo. Ainda tô processando. Todos os dias se concretiza um pouco que eu me tornei mãe. Sou mãe. Mãe da Anna Liz”, diz, como numa tentativa de mastigar e digerir cada sílaba.
Apesar de ser nova no papel, tem na ponta da língua a definição do que é ser mãe. “É se doar pelo filho. Você abre mão de muita coisa da sua vida pra ficar com seu filho”, diz, contornando com o dedo indicador a diminuta orelha da filha.
Já Kelly, que assume o posto pela segunda vez, é enfática: “ser mãe é uma missão cumprida”. “Trazer novas pessoas pra construir o mundo... Essa é a única função que a sociedade ainda não consegue explicar o tamanho e o impacto”, sentencia.
E finaliza com uma conclusão que a faz sorrir largo: “e estou sendo mãe várias vezes e de diversas formas”.