Fim da escala 6x1: qual o impacto da medida na saúde física e mental dos trabalhadores?

Profissionais de Saúde ouvidos pelo Diário do Nordeste avaliam que a mudança no atual regime pode resultar em melhor saúde e desempenho

Escrito por Bruno Leite , bruno.leite@svm.com.br
Trabalhador da construção civil
Legenda: Mobilização popular quer que CLT seja alterada.
Foto: Thiago Gadelha

O fim da escala 6x1, na qual o trabalhador é submetido a seis dias de expediente um dia de folga, virou discussão ao longo das últimas semanas, após uma mobilização em torno de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) encampada pela deputada federal Érika Hilton (Psol-SP). A parlamentar conseguiu, inclusive, coletar assinaturas de congressistas que permite a propositura começar a tramitar. Então, para além das discussões relacionadas aos aspectos econômicos, qual o impacto na saúde física e mental do trabalhador tem a escala atual — e também a sua alteração? 

A mobilização popular visa alterar a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e tomou corpo por iniciativa do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), nascido após um desabafo de Rick Azevedo (Psol-RJ), eleito vereador pela capital fluminense para a próxima legislatura, em uma postagem no seu perfil no TikTok. A principal alegação da proposta é de que o fim da jornada 6x1 poderá trazer uma melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores.

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O entendimento de que regimes excessivos de trabalho podem trazer malefícios para profissionais não é tão recente. Em 2007, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) já indicava a necessidade de redução da jornada de trabalho para a geração de empregos de qualidade. Em nota técnica, a instituição mencionou a relação entre o trabalho excessivo e condições como estresse, depressão, e lesões por esforço repetitivo (LER), além de dificuldades para o convívio familiar.

Em 2021, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicaram um apanhado de dados coletados entre 2000 e 2016, que mostravam a ocorrência de mortes em decorrência de doenças relacionadas ao trabalho. No período coberto pelo levantamento realizado pelos braços de Saúde e Trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU), foram contabilizadas cerca de 1,9 milhão de mortes. 

A exposição a longas jornadas de trabalho foi um fator de risco alegado no documento, sendo associada ao aumento do número de casos de doenças cardíacas e de Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs). Somente em 2016, um total de 745.194 mortes registradas pela OMS e pela OIT foram atribuídas a essa condição de trabalho excessiva.

Prejuízos da escala 6x1

Para o médico Roberto Bob Maranhão, especializado em Saúde da Família e membro do Coletivo Rebento — que reúne profissionais que militam na defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e de causas sociais — correlacionar a escala 6x1 com o processo de adoecimento é, “praticamente, constatar o óbvio”. 

Ele indicou que dados como os da OIT e OMS “reforçam a ideia dos prejuízos”. “Talvez a grande justificativa que faça essa correlação da saúde com a mudança da escala de trabalho seja em relação aos atestados médicos. Os afastamentos são, comprovadamente, verificados em número decrescente quando você amplia o período de descanso do trabalhador”, salientou, ao prescrever o ajuste em dias de trabalho para melhoria das condições e do desempenho de cada empregado.

Maranhão chamou atenção para os fatores associados que podem atingir a saúde, como a integridade física e o bem-estar daquele ou daquela que trabalha. Estão englobadas nessa conta situações de insegurança no percurso casa-trabalho, a alimentação não saudável, a má qualidade e as intercorrências vivenciadas no transporte público, assim como a ocorrência de acidentes envolvendo veículos individuais. Todos esses fatores, pelo que considerou, teriam um impacto positivo caso a escala fosse reduzida.

745.194
Esse foi o número de mortes atribuídas à condição de trabalho excessivo apenas em 2016, segundo a OMS e a OIT

Já a professora Maxmiria Holanda Batista, doutora em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e docente da Universidade Federal do Ceará (UFC), que pesquisa os transtornos mentais relacionados ao trabalho, contextualizou que a escala 6x1 “está fortemente associada a diversos prejuízos à saúde dos trabalhadores”. Segundo a estudiosa, além das condições físicas indicadas pela OMS e pela OIT, “a saúde mental dos trabalhadores também é impactada”. 

“As jornadas exaustivas e as condições precárias do ambiente laboral têm efeitos diretos na saúde mental e física das pessoas”, salientou a entrevistada, pontuando que as condições precárias se dão por meio de situações como a falta de pausas adequadas entre jornadas, pela ausência de descanso entre turnos e pelo trabalho em horários irregulares. 

O professor Iratan Bezerra de Sabóia, doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e docente da mesma instituição de ensino, afirmou que qualquer reflexão sobre jornada de trabalho não pode ser feita isoladamente, mas pensando também no universo de implicações relacionadas a ela.

Conforme explicou o pesquisador, que atua na área da Psicologia do Trabalho e das Organizações, o resultado dos excessos no ambiente de trabalho, especificamente no campo da saúde mental, não é imediato. Segundo ele, agravos como a ansiedade, a depressão, o estresse e a Síndrome de Burnout são sentidos a longo prazo e têm relação com outras questões.

Pelo que pontuou Sabóia, o tempo gasto no deslocamento entre a casa e o trabalho, a falta de descanso e de espaço na agenda para outras práticas extra-laborais — a exemplo das atividades de lazer — são fatores diretamente relacionados com o trabalho e que podem incorrer no adoecimento. “Isso resulta em quê? Sobrecarga. E ela, por via de regra, resulta em agravo à saúde”, correlacionou. 

Plenário da Câmara
Legenda: PEC que pode dar fim para escala 6x1 está na fase de coleta de assinaturas.
Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

Novas compreensões

Alguns termos ainda são recentes no vocabulário do trabalhador brasileiro. Um deles e que está ligado com a realidade de muitos é a Síndrome de Bournout. A Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt) estima que 30% dos trabalhadores do país sofra com o problema. Entre os sintomas da doença ocupacional está o cansaço mental e físico excessivo, dores musculares, pensamentos suicidas, insônia, dores de cabeça e no corpo, pressão alta e tristeza excessiva.

A condição foi uma das doenças relacionadas ao trabalho incluídas no rol do Ministério da Saúde no fim do ano passado. A listagem não era atualizada há 24 anos. Nela constam uma relação de questões relacionadas com problemas na organização e duração da jornada de trabalho, assim como fatores psicossociais que têm ligação com o tema.

A partir dessa iniciativa da gestão federal, políticas públicas podem ser pensadas a fim de prevenir ou até mesmo controlar o número de ocorrências dessas patologias.

Questionado se acredita que isso demonstra uma sensibilidade maior do Poder Público para com o assunto, Iratan Sabóia falou que acredita nessa possibilidade. “Isso vem sendo encampado pela própria ciência”, atribuiu.

Com certeza, os órgãos públicos hoje estão mais sensíveis a isso. E não só eles, mas a sociedade. 
Iratan Bezerra de Sabóia
Professor da UFC e doutor em Psicologia

No entendimento do profissional, o adoecimento por causa laboral faz com que “a conta não feche”. “Não fecha, inclusive, para o governo, porque [isso] pode superlotar o sistema de saúde”, arrematou o entrevistado.

Maxmiria Batista, por sua vez, foi mais enfática ao dizer que a eliminação da escala 6x1 “pode resultar em melhorias significativas no bem-estar e na saúde dos trabalhadores”.

A adoção de jornadas que permitam períodos de descanso mais frequentes e adequados favorece a recuperação física e mental, reduzindo a incidência de agravos à saúde relacionados ao trabalho.
Maxmiria Holanda Batista
Professora da UFC e doutora em Saúde Coletiva

Bob Maranhão, entretanto, disse que a exclusão da escala 6x1 não encerra a problemática na saúde pública, mas serve como um esforço inicial. “Não vai resolver tudo. Isso é somente um primeiro passo”. Como complemento, ele propôs que, além da modificação na escala, deve ser promovido um “conjunto de ações”.

Inclusive para fomentar o desenvolvimento pessoal, oportunizando que nesse tempo livre elas não vão cair na armadilha de utilizar desse tempo para o que não faz bem para a saúde.
Roberto Bob Maranhão
Médico e membro do Coletivo Rebento

Debate econômico X viés de saúde

Apesar da correlação direta entre a proposta do fim da escala 6x1 com a saúde, a pauta tem considerado principalmente os aspectos econômicos. Os que fazem oposição ao encerramento do regime alegam que a alteração causaria perda da produtividade e o aumento dos custos operacionais das empresas, apesar de quem propõe enumerar benefícios como o próprio aquecimento de setores da economia e um rendimento maior da mão de obra. 

Em razão da dinâmica com que o debate tem sido tratado, o único representante do Governo Federal que se manifestou até o momento foi o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), que defendeu, nesta segunda-feira (11), uma “discussão aprofundada e detalhada” e disse que o assunto deveria ser tratado em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados. 

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Pensando em ampliar a abrangência do que está sendo mobilizado pelo possível protocolamento da PEC, Roberto Bob Maranhão falou que, apesar do viés “acabar sendo um gatilho” para o convencimento do empregador, o debate “não pode ser contaminado” por ele. 

“Estamos em uma sociedade adoecida. E cada dia mais esse processo de adoecimento se agrava em um nível que está se tornando insustentável”, frisou Maranhão ao dar conta da necessidade de uma discussão pautada pela saúde. 

Maximiria Batista disse ser “comum” que a proposta seja considerada, pelo menos no momento inicial, pela ótica econômica. Isso se dá, segundo ela, porque é uma proposta de alteração de jornada de trabalho. “No entanto, é fundamental que o debate também privilegie a saúde dos trabalhadores”, ponderou. 

“A OMS e a OIT destacam que ambientes de trabalho que promovem a saúde mental, resultam em maior produtividade e menor rotatividade de funcionários”, finalizou Batista.

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