Conheça agricultor que transformou terra desertificada no sertão do CE com ação de reflorestamento

Raimundo Soares Rodrigues, de 64 anos, contou com apoio da Associação Caatinga, que estava implantando o projeto 'No Clima da Caatinga'

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: Casados há 30 anos, o casal Raimundo e Antonieta já reflorestou 3 hectares de terra
Foto: Divulgação/Associação Caatinga

Perder para valorizar. Por mais clichê que possa parecer esta frase, não é raro encontrar exemplos que edificam em base sólida - e, por vezes, repleta de lamentos - essa afirmativa. "Só quando a gente perdeu tudo e ficou quatro, cinco anos sem plantar, foi que eu vi a importância de preservar a natureza". O depoimento é do agricultor cearense Raimundo Soares Rodrigues, de 64 anos. 

Em meados de 1980, ainda jovem, ele contrariou os conselhos de seu pai e, com então 20 anos, iniciou um feroz processo de desmatamento nas terras da família na Comunidade de Filomena, zona rural de Crateús, a mais de 300km de Fortaleza.

O desmate, segundo ele mesmo conta, era justificado "pela possibilidade de um grande retorno financeiro".  O agricultor queria extrair máximo proveito das terras, que somam cerca de 18 hectares. 

Eu achava que quanto mais eu desmatasse para plantar, mais terra teria e mais colheria. No começo foi isso mesmo que aconteceu. Nos dois primeiros anos eu tirei muito milho, mas não respeitava nada, até a beirada do Rio eu degradei.
Raimundo Soares Rodrigues
Agricultor

Não durou muito e o que se apresentava com "fartura", declinou de forma progressiva. O ponto mais crítico "veio cerca de três anos depois", quando, diante de uma boa quadra-chuvosa, o terreno da família foi completamente inundado pelas águas que transbordaram do Rio, o mesmo que, outrora, Seu Raimundo havia degradado. 

Legenda: O grande sonho de Seu Raimundo é conseguir reflorestar todos os 18 hectares de sua propriedade
Foto: Divulgação/Associação Caatinga

Duplo renascimento 

Diante da improdutividade das terras, Raimundo se mudou para São Paulo, onde trabalhou com outros ofícios. Com as dificuldades na região Sudeste, resolveu retornar à sua terra natal. O homem que diz ter "perdido tudo" só não perdeu a força de recomeçar.

Frente a uma área quase desertificada, ele se viu na obrigação de renascer, o que veio de forma dupla. Primeiro teve de mudar sua mentalidade. "Eu não entendia a importância da natureza, só depois que percebi que a natureza é vida, tudo gira em torno dela", diz.

Diante dessa mudança de pensamento - e de postura - veio o renascimento de tudo que estava em sua volta. "Passei a cuidar e a plantar", ou, replantar. Esse processo, contudo, contou com o apoio da Associação Caatinga, que estava implantando o projeto "No Clima da Caatinga". 

"Sozinho não teria tido como reflorestar. Primeiro que não é algo barato e segundo que a gente acaba não tendo muito conhecimento. Então quando surgiu esse projeto, um amigo me alertou e eu fui buscar informações. Até que me envolvi e começamos o replantio", relembra.

O Projeto tem patrocínio por meio do Programa Petrobras Socioambiental, e atualmente está na quarta fase. Ele alia ações de conservação e de desenvolvimento local sustentável, mobilizando a população local em defesa da Caatinga e gerando alternativas de geração de renda para a população do semiárido.

O reflorestamento da área quase desertificada começou ainda na primeira fase do projeto, surgido em 2011. O processo, segundo Seu Raimundo, é lento. Essa morosidade, no entanto, deve-se a ele próprio, conforme reconhece. "Eu desmatei muito. A área ficou bem empobrecida", diz em tom de lamento. 

Primeiros resultados

O antes e o depois impressiona. De uma área arrasada, sem vida, Seu Raimundo fez nascer uma quase floresta em pleno Sertão cearense. Hoje ele se orgulha de ter em sua propriedade árvores nativas como Pau-branco, Ipê, Sabiá e tantas outras frutíferas.

"Agora, com o reflorestamento, diversas espécies de animais voltaram a habitar o local. A nossa água ficou de mais fácil acesso, o Rio não nos ameaça mais. Tudo muda. A natureza é vida. E, além disso, ela nos traz paz. Quando estou triste, estressado ou com alguma preocupação, entro aqui para caminhar e saio da mata renovado", conta. 

Legenda: "Quando estou triste, estressado ou com alguma preocupação, entro aqui para caminhar e saio da mata renovado", revela o agricultor
Foto: Divulgação / Associação

Dos 18 hectares que compreendem suas terras, três estão completamente reflorestados e outros dois devem ter processo iniciado ainda neste ano. O sonho de Seu Raimundo, que um dia deu pouca ou nenhuma importância ao meio ambiente, é ver a área "vida e verde" novamente.

"Queria viver pelo menos até conseguir ver metade disso tudo reflorestado. Mas, sei que deixei uma boa semente plantada. Hoje meus filhos têm mentalidade diferente da minha quando eu era jovem. Sei que eles darão continuidade ao reflorestamento", anseia.

Legado

Do matrimônio de quase 30 anos com Antonieta de Sousa Rodrigues, nasceram oito filhos, dos quais dois auxiliam os pais "na lida da roça". "O Marcelo (25 anos) e a Marcia (22) são os dois que estão no dia-a-dia comigo e com minha esposa. Todos sabemos a importância do meio ambiente, um dia tudo isso aqui vai ser só verde", projeta esperançoso.

"A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro. Ela só ocorre aqui, é um patrimônio nosso e devemos nos orgulhar disso e ter ações que contribuam com a preservação da sua biodiversidade. Infelizmente já perdemos 50% da sua cobertura vegetal e 13% do território no Ceará já está em estágio avançado de desertificação, e isso traz muito impactos e prejuízos", considera Daniel Fernandes, coordenador Geral da Associação Caatinga.

Quando se fala em "preservar", Daniel avalia que Seu Raimundo passou de exemplo a não ser seguido - quando jovem degradou "muito por falta de conhecimento - a modelo "a seguir e inspirar". O legado que o agricultor constrói já é palpável, considera o coordenador da Associação.

"A história dele é muito interessante. É impressionante como, passados dez anos, a natureza está se regerando. Nós, da Associação, demos todo um apoio técnico e hoje já sentindo um microclima diferente, a fauna já está voltando, o local mudou. Ele é um exemplo de como manejar a Caatinga de forma sustentável", comemora Daniel.

É importante que os agricultores saibam que a Caantiga, a floresta em pé, é mais vantajosa, tanto financeiramente como do ponto de vista ambiental, do que se ela for derrubada e transformada em carvão.
Daniel Fernandes
Coordenador Geral da Associação Caatinga.

Atualmente, a fonte de renda da família advém do aposento de Seu Raimundo e é complementada com a agricultura, e comercialização de hortifruti e poupas. Tudo é plantado de forma consorciada, respeitando a biodiversidade do local e tendo, como benefício, o enriquecimento do solo. 

Associação Caatinga

A Associação Caatinga é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, cuja missão é promover a conservação das terras, florestas e águas da Caatinga para garantir a permanência de todas as suas formas de vida.

Desde 1998, atua na proteção da Caatinga e no fomento ao desenvolvimento local sustentável, incrementando a resiliência de comunidades rurais à semiaridez e aos efeitos do aquecimento global.

 

 

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados