Câncer está entre as principais causas de mortes nas 2 regiões do CE sem serviço especializado

Ao todo, 40 cidades fazem parte do Sertão Central e do Litoral Leste / Jaguaribe, onde há grande dependência de unidades hospitalares de outras áreas

Escrito por Gabriela Custódio , gabriela.custodio@svm.com.br
Hospital do Vale do Jaguaribe
Legenda: O Hospital Regional Vale do Jaguaribe irá atender à demanda das regiões Vale do Jaguaribe / Litoral Leste e Sertão Central
Foto: Divulgação / Sesa

Diferentes tipos de câncer estão entre as principais causas de mortalidade no Sertão Central e no Litoral Leste (Região do Jaguaribe) do Ceará. Com a dependência da área de saúde de Fortaleza pela falta de hospitais de alta complexidade para tratamento dos pacientes, os impactos da doença são apontados pelo Governo do Estado entre os principais problemas sanitários locais.

Em ambas as regiões, a primeira causa de mortalidade são as doenças do aparelho circulatório, mas as neoplasias — ou tumores — destacam-se em seguida, ocupando a segunda posição no Sertão Central entre os anos de 2017 a 2019 e, no Litoral Leste, em 2018 e 2019. No período de 2020 e 2021, as doenças infecciosas e parasitárias aproximaram-se das doenças da primeira colocação devido à pandemia de Covid-19.

Em 2021, ano mais recente disponível no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), houve 709 mortes por neoplasias no Sertão Central. No Litoral Leste foram 644 óbitos. Em ambos os casos, o câncer foi a terceira maior causa de mortes naquele ano.

As informações constam nos planos regionais de saúde do Sertão Central e do Litoral Leste/Jaguaribe, da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa). Os documentos contextualizam o perfil demográfico, a população e o diagnóstico sanitário da região, apresentando análises de demanda, capacidade instalada e outras informações.

Os Planos de Saúde Regionais 2023/2027 foram entregues pela Sesa durante o Seminário Estadual de Regionalização e Governança Federativa Regional no Ceará, no último dia 1º de setembro. Eles estabelecem diretrizes que vão nortear as políticas de saúde do governo estadual e que serão base para a elaboração do Plano Estadual de Saúde.

VAZIOS ASSISTENCIAIS

Em meio a esse cenário, tanto o Sertão Central quanto o Litoral Leste são considerados “vazios assistenciais”, pela falta de serviços especializados para oncologia, e os pacientes precisam se deslocar para realizar atendimento.

“As UBS (Unidades Básicas de Saúde) apenas acompanham o tratamento dando atendimento ‘básico’ necessário, mas o tratamento oncológico é integralmente em Fortaleza”, explica Islayne Ramos, secretária de saúde de Canindé e secretária de Articulação Interinstitucional do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems-CE).

Para que esse problema seja mitigado, a Sesa aponta a inauguração do Hospital Regional Vale do Jaguaribe (HRVJ), prevista para o fim de setembro de 2023. Em resposta ao Diário do Nordeste, a pasta explica que tem o objetivo de tornar o equipamento uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon).

O serviço irá contemplar oncologia clínica, ambulatorial, hospitalar, especializada, quimioterapia e hormonioterapia. Teremos ainda exames laboratoriais e de imagem, nutrição especializada, oncogenética, além de cirurgia. A radioterapia, também contemplada, será realizada pelo Instituto do Câncer do Ceará (ICC).
Secretaria da Saúde do Ceará

Com a implantação do Hospital Regional Vale do Jaguaribe, de acordo com a Sesa, será possível realizar o acompanhamento de 2.714 pacientes das duas regiões até outubro de 2024, de forma escalonada. "Atualmente, a fila de pacientes oncológicos na Central de Regulação do Estado soma 98 (pessoas)", informa a Pasta.

Porém, conforme a secretária de saúde de Canindé, o equipamento não será suficiente para atender à atual necessidade das duas regiões. “Até pela malha viária, a região do Sertão Central continuará sendo atendida ‘preferencialmente’ na região de Fortaleza”, afirma Islayne Ramos.

Ainda conforme a Sesa, o objetivo do plano de oncologia, que passará por aprovação na Comissão Intergestores Bipartite (CIB), prevê a presença do serviço de oncologia em todas as regiões do Estado.

O Sertão Central e o Litoral Leste são formado por 40 municípios:

Sertão Central

  1. Aiuaba
  2. Arneiroz
  3. Banabuiú
  4. Boa Viagem
  5. Caridade
  6. Choró
  7. Ibaretama
  8. Ibicuitinga
  9. Itatira
  10. Madalena
  11. Milhã
  12. Parambu
  13. Paramoti
  14. Pedra Branca
  15. Quixadá
  16. Quixeramobim
  17. Senador Pompeu
  18. Solonópole
  19. Tauá

Litoral Leste / Jaguaribe

  1. Alto Santo
  2. Aracati
  3. Ererê
  4. Fortim
  5. Icapuí
  6. Iracema
  7. Itaiçaba
  8. Jaguaretama
  9. Jaguaribara
  10. Jaguaribe
  11. Jaguaruana
  12. Limoeiro do Norte
  13. Morada Nova
  14. Palhano
  15. Pereiro
  16. Potiretama
  17. Quixeré
  18. Russas
  19. São João do Jaguaribe
  20. Tabuleiro do Norte

ATENÇÃO TERCIÁRIA

A rede de hospitais habilitados para oncologia no Ceará já conta com 7 Unacons — 6 em Fortaleza e 1 em Barbalha — e 2 Centros de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) — 1 na Capital e 1 em Sobral.

As Unacons são estruturas hospitalares que realizam o diagnóstico definitivo e o tratamento dos cânceres mais prevalentes da região de saúde onde estão inseridos. Já os Cacons realizam o diagnóstico definitivo e o tratamento de todos os tipos de câncer, mas não obrigatoriamente dos cânceres raros e infantis.

As Unacons devem oferecer minimamente os tratamentos de cirurgia e quimioterapia. “Porém, neste caso, a unidade hospitalar deve, obrigatoriamente, ter o tratamento de radioterapia referenciado e contratualizado formalmente”,  segundo a Portaria Nº 874, de 2013, do Ministério da Saúde. Os Cacons devem “oferecer, obrigatoriamente, tratamento de cirurgia, radioterapia e quimioterapia dentro de sua estrutura hospitalar”, aponta a portaria.

CENÁRIO DO SERTÃO CENTRAL

Entre 2017 e 2021, o câncer do aparelho digestivo foi a principal causa de mortalidade pela doença no Sertão Central, tanto entre mulheres quanto entre homens, de acordo com o plano regional de saúde da região. Nesse período, os homens foram a maior parte das vítimas pela doença (55%).

Especificamente no sexo masculino, o câncer de próstata foi a segunda principal causa de mortes e o câncer do aparelho respiratório também tem destaque. Já entre as mulheres, o câncer do aparelho respiratório, dos órgãos genitais e o de mama são as outras principais causas de mortalidade pela doença, respectivamente.

Atribui-se a isso o fato de a população masculina procurar menos os serviços de saúde, além dos hábitos alimentares e estilo de vida praticados por esse sexo, como uso de álcool e tabaco e sedentarismo.
Plano Regional de Saúde do Sertão Central

A publicação apresenta o conceito de Índice de Dependência Regional, que aponta o quanto uma região de saúde do Ceará depende de outra. Na região, os melhores índices de suficiência estão na média complexidade e nas clínicas básicas: clínica médica, obstetrícia, pediatria e neonatologia. Já na alta complexidade a dependência em relação à região de saúde de Fortaleza é de 99%. A oncologia tem destaque em relação ao IDR dos procedimentos cirúrgicos.

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O perfil de saúde do Sertão Central, assim como o do Ceará como um todo, é similar ao que se observa no Brasil: há um decréscimo “significativo” das doenças infecciosas, principalmente daquelas imunopreveníveis, e um aumento crescente das doenças crônicas e degenerativas, devido ao envelhecimento da população e à violência.

O Plano Regional de Saúde do Sertão Central apresenta como um dos objetivos a melhoria da estrutura da Linha de Cuidado para tratamento do paciente oncológico. Entre as metas estabelecidas está a implantação de um de serviço habilitado em oncologia junto ao Ministério da Saúde em 2024 para descentralizar o atendimento a esses pacientes.

Além disso, o documento aponta que a rede de atenção oncológica na região está “em processo de organização”. Ela será composta por Unidade Básica de Saúde (UBS) dos municípios, policlínicas regionais e Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) regionais.

CENÁRIO DO LITORAL LESTE / JAGUARIBE

No plano do Litoral Leste / Jaguaribe, a “fragilidade no rastreamento de câncer de colo de útero” e de outros tipos de câncer está entre os macroproblemas da Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas (RAPDC), assim como a “fragilidade do fluxo de referências e contra referências” e a “falta de diálogo entre as redes de atenção”.

O documento aponta que as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) — doenças cardiovasculares, neoplasias, diabetes mellitus e doenças respiratórias crônicas — têm gerado elevado número de mortes prematuras (de 30 a 69 anos) na região, gerando perda de qualidade de vida e causando impactos econômicos negativos para as pessoas, as famílias e a sociedade em geral.

Em todo o Ceará, o levantamento da Sesa aponta que houve 3.216 óbitos prematuros por neoplasias malignas entre os anos de 2010 e 2022. Ao se observar os óbitos em todas as idades, foram 108.522 mortes por câncer.

Especificamente no Litoral Leste / Jaguaribe, o câncer de traqueia, brônquios e pulmões teve a maior taxa em todos os anos da série histórica de 2017 a 2021. Em seguida vêm a doença maligna do estômago, de mama e de próstata.

MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA A REGIONALIZAÇÃO

O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) tem acompanhado a situação da oncologia no Ceará. No último dia 30 de agosto, foi realizada a terceira audiência pública para cobrar a expansão da rede oncológica no Estado. Na sessão, foi solicitada a criação de um sistema de informação para que o passo a passo dos pacientes nas filas do atendimento e do tratamento em oncologia possa ser acompanhado.

Tanto a Sesa quanto a Secretaria de Saúde do Município de Fortaleza precisam publicizar, dar transparência à sociedade de todas essas filas, tanto para consulta inicial em Oncologia quanto para cirurgia, assim como precisa dar transparência aos pacientes sobre o andamento do tratamento dos mesmos.
Ana Cláudia Uchoa
Promotora de Justiça e titular da 137ª Promotoria de Justiça de Fortaleza

A promotora explica que foram apresentados avanços em relação à  efetivação do contrato entre o Estado com o ICC, além das consultas iniciais realizadas na unidade, resultando na diminuição da fila para a consulta inicial em oncologia. "Entretanto, essas medidas ainda são insuficientes diante da demanda e da problemática acumulada", avalia Ana Cláudia Uchoa.

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