Campus do Pici/Unifor completa 40 anos e já foi tema de filme, música e tatuagem
Trajeto marca memória de estudantes e funcionários de centros universitários da capital cearense
Percorrendo cerca de 18km para ligar dois importantes centros universitários do Ceará, a linha de ônibus 075 - Campus do Pici/Unifor completa 40 anos de circulação nesta terça-feira (15). Nesse tempo, ela acumula não apenas milhares de passageiros, mas também histórias, curiosidades e até música e minidocumentário.
A consolidação do itinerário foi uma reivindicação de estudantes, professores e funcionários das duas entidades, como contou matéria do Diário do Nordeste naquele ano. Após cinco anos de solicitações, a então linha 30 teve sua viagem inaugural na tarde do dia 15 de agosto. A data marcava o início das aulas do segundo semestre.
Em solenidade na Universidade de Fortaleza, no bairro Edson Queiroz, o então prefeito César Cals Neto ressaltou que a nova linha proporcionaria economia para aqueles que precisavam “apanhar dois ou três ônibus para chegar ao seu destino”.
Ao todo, foram escalados inicialmente nove veículos para realizar 60 viagens por dia, com média de 50 minutos de percurso. A tarifa era de Cr$85 a inteira e Cr$43 a meia.
O reitor da Unifor à época, Carlos Alberto Batista, explicou que seria beneficiada a fatia de 10% a 15% dos alunos da Unifor que também estudavam na Universidade Federal do Ceará (UFC), além de 500 professores e mil funcionários da Instituição.
Inovações ao longo do tempo
Já na inauguração, o Pici/Unifor trouxe uma inovação: o relógio de ponto. Os aparelhos foram instalados nos dois extremos de suas paradas (em frente à Biblioteca Central da UFC e em frente à Imprensa Oficial do Ceará) para monitorar a pontualidade de cada coletivo.
No entanto, não parou por aí. Como a história do atual 075 é objeto de interesse do busólogo Alisson Canuto, integrante do grupo STU Ceará, que reúne admiradores de ônibus, ele elenca outras novidades da linha.
“Ela já teve veículos articulados (sanfona) da extinta Companhia de Transportes Públicos de Fortaleza (CTC), além de ter sido a primeira linha a ter na frota três ônibus com ar-condicionado no ano 2000, quando nem se pensava em estender por todas as outras linhas”, descreve o pesquisador.
Além disso, já recebeu a circulação de um “ônibus sustentável”, o Hibribus, em fevereiro de 2014. Combinando motor a diesel e elétrico, o veículo prometia viagens com menos barulho.
Atualmente, segundo a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), a linha 075 - Pici/Unifor conta com dez veículos na frota, com 54 viagens por dia. O intervalo entre elas é de 16 minutos.
A entidade afirmou ainda que toda a linha conta com ônibus com ar-condicionado e beneficia aproximadamente 5 mil passageiros por dia, iniciando a operação às 5h30 e encerrando à 0h.
Veja também
Memórias do ‘busão’
Quem utilizava a linha “religiosamente” todos os dias, durante os cinco anos da faculdade - entre 2016 e 2021 -, era a psicóloga Adhele Santiago, 25. Ela morava ao lado do campus do Pici e estudava na Unifor, portanto fazia os dois trajetos. “A minha carona fiel era ele”, brinca.
Como pegava horários de pico, tanto pela manhã como ao fim da tarde, as viagens renderam muitas horas para estudar, planejar trabalhos, ler livros e escutar músicas até então desconhecidas.
“Ter esse tempo me fez com que eu me obrigasse a conhecer coisas diferentes”, reflete ela, que gostava de sentar perto das janelas para observar a cidade.
Segundo ela, em meados de 2016, a linha passou a ser bem mais movimentada com a inclusão de um novo shopping no trajeto. “Antes nem sempre eu ia sentada, mas era bem menos lotada do que ficou depois”, conta.
Para Adhele, o ônibus também funcionava como ponte para interações, já que se aproximou de colegas de faculdade, conheceu motoristas que contribuíam nos dias de atraso e criou um senso de segurança ao ver conhecidos, ainda que anônimos.
Como todo mundo pegava naquele mesmo horário, eu tenho muito o rosto deles na minha memória. Não sabia o nome nem o que faziam, mas eu via, cumprimentava e sorria todos os dias. De alguma maneira, eles faziam com que eu me sentisse familiarizada.
No caso do busólogo Alisson Canuto, também usuário da linha, se estabeleceu até mesmo uma amizade.
“Eu resolvi cursar um curso em uma universidade particular no bairro de Fátima. Durante o trajeto, o motorista super educado estava ouvindo os meus desabafos. Conversa vai, conversa vem, quando eu fui perceber já tinha passado do ponto e já estava no final da linha, no bairro Presidente Kennedy. Nossa amizade continua até hoje”, relata.
Influência na arte
Produzido em 2018, o filme-ensaio “075” aborda o processo de amadurecimento pessoal da estudante de Cinema e Audiovisual Greta Moreira em paralelo às viagens na linha de ônibus, num período em que atravessou o fim da educação básica, a separação dos pais, a mudança de casa e um estado depressivo.
Com tantas reviravoltas, ela decidiu “tomar as rédeas” da própria vida. Decidiu cursar duas faculdades ao mesmo tempo: IFCE, no Benfica, pela manhã, e Unifor, à noite. Assim, pegava o 075 quatro vezes por dia.
“Ele representa esse momento de ser a primeira vez que tomei meus passos por mim mesma, de ter autonomia e lutar pelo que eu quero”, garante.
Ao receber a missão de um professor de realizar um minidocumentário sobre “um lugar especial”, não pensou em outro. “Cada vez que entrava nele, eu filmava. Estava exercendo minha criatividade e procurando o belo dentro de uma coisa tão mundana, mas que significava meus passos para a liberdade”, relata.
Aquela experiência de um ano e meio nos bancos do veículo rendeu ainda uma tatuagem e a promessa de voltar, mesmo depois de passar a dirigir o próprio carro.
Naquele mesmo ano, 2018, a linha também ganhou música da banda Abdallah em parceria com o músico e compositor Fernando Moura. “Eu vou só, eu vou só no Pici/Unifor/ E aguento um forró que lá toca sem dó”, diz o refrão.