Assistência, produção de alimentos, mobilidade: especialistas apontam carências nas 5 regiões do CE
Investimentos dos últimos anos moldam o cenário para a definição de políticas públicas da nova gestão estadual
Um Estado, diferentes realidades. A gestão de Elmano de Freitas (PT), eleito governador do Ceará, terá a missão de equacionar – e avançar – questões específicas em cada uma das 5 regiões cearenses. Seja no âmbito educacional, de mobilidade urbana ou até mesmo abastecimento humano, as cidades não possuem um retrato uniforme.
Tamanho, clima, número de habitantes são variáveis analisadas em indicadores e pesquisas realizadas no Estado para entender as políticas públicas mais urgentes em cada localidade. Do incentivo aos pequenos produtores de alimentos às ações para reduzir os prejuízos da pobreza estão entre as proposições.
Para cada região, um tema se mostra mais urgente, conforme pontua o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mário de França.
“As regiões cearenses possuem características geográficas, sociais e econômicas particulares que são importantes como diagnóstico visando a concepção de políticas públicas adequadas às especificidades de cada uma delas”, diz o especialista.
Para entender as nuances e os desafios de cada região, Mário cita ser preciso atentar-se para especificidades, como, por exemplo, o contingente populacional nas zonas rurais e urbanas
No meio rural ações para o fortalecimento da agricultura familiar e da oferta hídrica para múltiplos usos. Já no meio urbano pode-se mencionar políticas públicas voltadas para a mobilidade, trânsito e transporte. Em comum na área social pode-se destacar ações voltadas para a superação da pobreza assim como o desenvolvimento educacional.
Às vésperas do início de uma nova gestão estadual, o Diário do Nordeste consultou bases de dados e especialistas para entender o cenário no Ceará e os desafio para o próximo mandato.
Sertão Central e Inhamuns
Quando se analisa a questão da mobilidade urbana, o primeiro ano do mandato (2023) de Elmano de Freitas, coincidirá com o fim do prazo legal para que municípios com até 20 mil habitantes instituam os Planos de Mobilidade Urbana (PMUs).
Das 5 regiões do Ceará, o Sertão Central e Inhamuns é a única que possui uma cidade (Nova Russas) com o PMU criado. Nos demais municípios, não há, sequer, proposta em desenvolvimento. Ao todo, são 98 cidades no Estado que carecem se adequar, até abril do próximo ano, à normativa da lei 14.000/20.
Destes, 19 não possuem o PMU – os demais municípios, por não terem mais de 20 mil habitantes, não necessitam de tal criação. A implantação desse Plano se faz vital para que essas cidades possam crescer de forma ordenada, conforme avalia o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Flávio José Craveiro Cunto.
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“[Tem] a função de organizar o crescimento de cidades que ainda não estão tão desenvolvidas de uma forma ordenada, e sistemática, levando em consideração o uso dos transportes, dos serviços e etc. É uma tentativa para que a gente possa ter um sistema de transporte sustentável", diz.
Outra questão urgente no Sertão Central diz respeito à questão hídrica. O doutor em Economia e professor do programa de pós-graduação em Economia Rural da UFC, Francisco José Tabosa, considera que o governo do Estado terá que ter uma atenção maior à região “por ter menor nível de desenvolvimento e sofrer muito com as irregularidades de chuva”, além de, ainda em sua concepção, ser “carente de infraestrutura”.
É uma região de destaque regional e nacional, que merece uma devida atenção. A agricultura é praticamente de subsistência e as lavouras são temporárias. É preciso também aumentar os incentivos para a área da cultura do gado, uma vez que lá é uma bacia leiteira.
Como uma das soluções apontadas pelo especialista, está o investimento nas políticas sociais que buscam trazer indústria. “Apesar de ter muita dificuldade pela problemática dos recursos hídricos, tem que ter toda uma forma de tratar a vulnerabilidade dessa região”, completa José Tabosa.
O diretor geral do Ipece, João Mário de França, reconhece a importância destes investimentos citados por Tabosa e avalia que o desenvolvimento regional será um forte desafio do novo Governo. “[É preciso] diminuir a concentração econômica hoje existente na Região Metropolitana de Fortaleza, que detém cerca de 60% do PIB do Estado”, pontua.
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Para que as políticas aplicadas sejam eficazes, João Mário considera ser importante olhar para as vocações regionais de cada região. “Por exemplo, as regiões do Vale do Jaguaribe, Cariri, Serra da Ibiapaba, Litoral Leste, Centro Sul e Maciço do Baturité contribuem significativamente para o setor da Agropecuária do Estado”, disse.
Daí, advém a preocupação do economista Francisco José quando ele destaca o setor agropecuário do Sertão Central.
Adotar um planejamento uniforme de desenvolvimento sem levar em consideração as características socioeconômicas de cada região de planejamento pode não ser viável devido às diferenças intrínsecas existentes entre as mesmas.
Desse modo, completa João Mário, “entende-se que se deve potencializar as vantagens comparativas de cada região objetivando captar investimentos que permitam o desenvolvimento social e econômico destas áreas, assim como dotar estes locais de infraestrutura e capital humano suficientes para elevar a sua competitividade, almejando o incremento das oportunidades de emprego e renda nas regiões cearenses”.
Litoral Leste e Jaguaribe
Aumentar o estímulo à agricultura familiar e fortalecer produção de alimentos merece atenção do Poder Público quando se refere ao Litoral Leste e região do Jaguaribe, conforme analisa Sildemberny Souza, professor e diretor-geral do Instituto Federal de Educação do Ceará (IFCE), campus Tabuleiro do Norte.
A região – que abrange municípios como Pindoretama, passando por Icapuí até o Jaguaribe –, é produtora de alimentos e beneficiada com políticas públicas para gerar renda aos agricultores familiares. Uma das ações, por exemplo, estabelece que no mínimo 30% da merenda escolar seja feita desse tipo de produção.
Isso acontece no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) administrado pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Ceará (SDA), mas com menos abrangência nos últimos anos. Nesse processo, está um dos principais desafios.
“O pequeno produtor rural, no momento que consegue vender os produtos - mel, queijo, iogurte, galinhas e ovos - para a merenda escolar dos municípios tem dois gargalos: o município não tem o selo (de certificação) e os produtores estão desarticulados”, frisa.
Sildemberny articula debates com a iniciativa privada e prefeituras em relação ao desenvolvimento local, entre outras frentes, com a instalação do Polo Metalomecânico, em Tabuleiro do Norte.
Sildemberny exerga várias potencialidades que carecem dessa articulação e da continuidade dos programas. "Por exemplo, a mandioca tem uma cadeia produtiva fortíssima, mas que aos longos das últimas décadas vem caindo”, completa.
Todo o dinheiro que o agricultor familiar recebe vai ser usado, majoritariamente, no município diferente de grande empreendimentos que, na hora que vendem, o dinheiro vai para os donos que nem estão aqui na região.
Além disso, a região precisa de investimentos para a criação de uma rota turística, como avalia o diretor.
“Não é só praia, nós temos a 3ª maior romaria do Estado, em Tabuleiro do Norte, temos o Castanhão, um projeto de engenharia lindíssimo, tem estruturas naturais com potencial turístico fortíssimo que é inexplorado”, completa.
Para avançar, o especialista indica um tripé determinante: Academia (escolas profissionais, institutos federais e universidades), Governo e Iniciativa privada. “A capacitação profissional da juventude tem ocorrido fortemente através das escolas profissionais do Estado e do Instituto Federal do Ceará”, frisa.
Macrorregião de Fortaleza
Alguns municípios, de tão perto, confundem os limites com a capital cearense: Caucaia, Maracanaú e Maranguape, por exemplo. As cidades da Região Metropolitana, inclusive, compartilham as dificuldades históricas com o transporte.
"No meio urbano pode-se mencionar políticas públicas voltadas para a mobilidade, trânsito e transporte”, frisa João Mário. Apesar de ter 560 mil pessoas, 11 cidades da região não têm transporte coletivo.
Além disso, apesar da concentração do PIB na Grande Fortaleza, é nesse mesmo espaço onde as desigualdades sociais aparecem com força. “Em comum na área social pode-se destacar ações voltadas para a superação da pobreza assim como o desenvolvimento educacional”, completa.
A gestão Camilo/Izolda implementou o Programa Mais infância, em 2015, como forma de reduzir os impactos das desigualdades sociais, como desnutrição e falta de acesso aos estudos. Entre as iniciativas do Programa, há distribuição de renda pelo Cartão Mais Infância.
“Os critérios de participação na maior parte dos programas citados, é a renda, sendo assim, a distribuição dos beneficiários segue a distribuição geográfica da concentração de população economicamente vulnerável, sobretudo as extremamente pobres”, analisa João Mário.
A Grande Fortaleza também concentra o número de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) no Estado. Em 2022, por exemplo, 54% dos casos com 1.485 do total de 2.722 CVLIs no Ceará. Os dados, da Secretaria da Segurança Pública (SSPDS), expõem a necessidade histórica de avançar na área.
Região Norte
A segurança pública, citada como uma das prioridades na Grande Fortaleza, também é destacada na região Norte. A professora da Universidade Vale do Acaraú e doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), Virgínia Holanda, avalia que diferentes demandas, como emprego, educação e mobilidade, são sempre questões importantes a se ter um olhar cuidadoso, mas pontua a segurança pública como a principal.
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“A segurança é a mais urgente. Sua ausência tem rebatimento na tranquilidade para estudar e circular, por exemplo. Hoje pais deixam os filhos na escola e não se sentem mais seguros, professores entram na sala de aula e o perigo já não estar apenas fora do muro da escola. Em tempos pretéritos entrar dentro de um ônibus ou num vagão do trem era estar seguro, hoje a sensação de insegurança nos assombra onde quer que estejamos”, critica.
Entre 2015 a 2018 os Crimes Violentos na região Norte tiveram aumento progressivo, saltando de 616, em 2015, para 902 no ano de 2018. Em 2019 a região registrou queda, mas, nos anos seguintes, voltou a subir. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública.
Para reverter este cenário, a docente aposta no investimento em educação e em investigações que possam antever e prevenir alguns crimes.
“A redução da criminalidade passa essencialmente pela melhora dos índices educacionais, melhor distribuição de renda, modernização do serviço de inteligência da polícia para prevenção e solução dos crimes. Devemos ter uma nova concepção do que é segurança pública”, considera.
Para alcançar este cenário, a especialista aponta ser preciso uma atuação multissetorial. “Formar um comitê com representação dos diferentes segmentos da sociedade, que possa pensar soluções, acompanhar a implantação dessas soluções e que tenha a condição de gerar instrumentos de avaliação dos resultados num ciclo virtuoso” é uma das estratégias citadas por Virgínia Holanda.
Cariri
“Diversificar a economia para que ela se torne ainda mais forte”. Foi assim que Francisco do O' de Lima Júnior, reitor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e doutor do Departamento de Economia da instituição, resumiu o cenário da região do Cariri cearense. Uma região que goza de bons números econômicos, mas, que na concepção do estudioso, poderia ser maximizado caso os setores fossem diversificados.
“Os municípios da nossa região são polarizados. Crato, Juazeiro e Barbalha formam o núcleo da região metropolitana de forma mais dinâmica. Temos uma atividade econômica intensa, mas pouco diversificada”, pontua ao externar a necessidade do fomento de políticas públicas que possam garantir geração de empregos, e “impulsionar o turismo e as atividades culturais”.
Francisco José Tabosa, doutor em Economia e professor do programa de pós-graduação em Economia Rural da UFC, também reconhece a necessidade de investimento no âmbito da economia. “[Ela] precisa crescer de forma equitativa para que os jovens invistam na formação e tenham acesso a trabalhos dignos”, pontuou.
O reitor da Urca comunga da mesma análise. Segundo ele, ter uma boa qualificação da mão de obra abre margem para que os mais variados segmentos, como “ciência, tecnologia e educação superior”, possam ser impulsionados.
É uma região já desenvolvida, mas necessita de alguns ajustes, como a produção de frutas e a indústria da região. As políticas que eu vejo teriam de ser voltadas para esse segmento.