‘Aranhas zumbis’ no Ceará? Cientistas estudam fungos que controlam insetos no Maciço de Baturité
Uma futura aplicação da pesquisa pode contribuir para o controle de pragas em plantações; entenda
Nas florestas do Maciço de Baturité, a quase 100 km de Fortaleza, a interação entre fungos e aranhas desperta o interesse de pesquisadores no mundo. Uma dinâmica natural, contudo, é o principal alvo de estudos: a espécie Macrophyes pacoti, que leva o nome da cidade onde foi descoberta, vira uma espécie de “aranha zumbi” após ser contaminada pelo fungo Gibellula aurea, para que o parasita consiga se multiplicar.
Longe dos filmes e séries de ficção, as pesquisas sobre essa interação ecológica acontecem na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), desde 2015, com participação da Universidade Federal de Minas Gerais e apoio de cientistas internacionais.
A ideia do grupo é registrar o funcionamento de organismos pouco estudados e, no futuro, aplicar o conhecimento. Saindo da floresta, uma possibilidade é usar fungos como esse para controlar pragas que prejudicam plantações de caju no Nordeste.
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Jober Sobczak, doutor em ecologia à frente das pesquisas sobre os fungos e aranhas no Ceará, encontrou os insetos ao chegar no Maciço de Baturité, onde dá aulas na Unilab, há cerca de 8 anos. Em 2019, foi encontrada a aranha Macrophyes pacoti.
"A gente observou que quando as aranhas estão parasitadas por esse fungo, elas morrem no final do desenvolvimento, na parte mais superior da floresta. Encontramos aranhas da mesma espécie, não parasitadas, próximo de 1 metro do solo e essas outras ficam até 3 metros", explica.
Após a contaminação com o fungo, a aranha é coberta por um pó branco, e perde o controle das ações até morrer. Dessa forma, o parasita consegue fazer com que a aranha suba nas árvores para que ele possa soltar esporos e contaminar outros aracnídeos que estão abaixo, na área nomeada pelos pesquisadores de “zona da morte”.
Esses casos de fazerem os hospedeiros se deslocarem pela vegetação é muito conhecido entre formigas, mas para aranha não tinha esse tipo de manipulação comportamental. O trabalho que fizemos aqui no Maciço foi o primeiro, em nível mundial, a descrever.
Mas, afinal, como um fungo consegue transformar as aranhas em zumbis? Essa é uma pergunta que guia os ecologistas em novos estudos, ainda em planejamento, para determinar o funcionamento dos parasitas.
"O próximo passo do estudo é entender os mecanismos funcionais disso: como que o fungo faz essa alteração. Existem evidências que é algo químico, mas quais partes são afetadas? Quais as substâncias produzidas e em que momento elas são colocadas no sistema nervoso da aranha?”, questiona Jober.
Relevância do estudo
O estudo dessa interação entre aranhas e fungos pode parecer muito específico, mas possui uma ampla relevância. Por isso, os cientistas recebem apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento (Funcap) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“A gente tem um grupo de pesquisadores no Brasil, e com contribuição nos Estados Unidos, tem eu aqui no Ceará e o Maciço de Baturité está sendo considerado uma das áreas, a nível mundial, como um dos maiores índices de parasitismo de fungos”, detalha.
Essa rede identifica as espécies em campo, reúne dados, troca conhecimento e publica artigos em revistas internacionais. "Nós sabemos que o controle biológico tem um importante papel no ecossistema e temos os benefícios próprios para nossa espécie”, analisa Jober.
Isso porque, como o pesquisador explica, uma das aplicações práticas do estudos de fungos é usar esse potencial de controle de espécies para combater pragas que prejudicam plantações, como é o caso de uma lagarta que ataca os cajueiros.
"Nós temos um fungo que ataca polpas de lagartas e estamos estudando, envolvendo pesquisadores da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) para ter uma aplicação prática do conhecimento da natureza", acrescenta Jober.
Além disso, em meio às mudanças climáticas e à perda de biodiversidade pelo aumento do calor, o esforço do grupo visa registrar os mecanismos naturais.
"O que a gente busca é mostrar a importância da biodiversidade, da relevância dessas áreas úmidas do Estado. Eu sempre chamo atenção porque são áreas que precisam ser preservadas ao máximo”, conclui.
Interesse pelo tema
Jober Sobczak foi enlaçado pelo estudo das aranhas na graduação, mestrado e doutorado. O encanto surgiu ainda nas primeiras pesquisas da época da faculdade.
“Todo mundo queria estudar mamíferos ou animais grandes, mas eu queria dar uma contribuição de um modo diferente. Eu vi muitos organismos negligenciados, entre eles, aranhas e, mais especificamente, as que constroem teias”, lembra.
As teias são fenomenais, umas das estruturas mais interessantes que existem na natureza, são resistentes e a gente não consegue reproduzir nada similar em laboratório mesmo com toda nossa tecnologia
Foi num passeio de domingo à tarde, quando encontrou aranhas vivendo em coletivo – bem diferente do que aprendeu nas aulas de zoologia – que iniciou a jornada de estudos. “De repente, encontrei uma colônia com mais de 300 vivendo juntas e aí que começou o encanto”, completa.
Aranha descoberta no Ceará
A aranha Macrophyes pacoti teve a descoberta divulgada em artigo publicado na revista internacional Zootaxa, em 2019, em parceria com pesquisadores do Instituto Butantan e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Essa espécie ganhou o nome devido aos insetos coletados em Pacoti, mas a aranha também está presente no Rio de Janeiro. Naquela ocasião, também foi descrito o fungo Gibelulla sp., que ataca aranhas no mundo todo.
Os trabalhos de pesquisa aconteceram em parceria com o Sítio São Luiz, em Pacoti. O Maciço de Baturité é considerado uma ilha de vegetação de Mata Atlântica e por isso apresenta uma biodiversidade rica e de destaque.