Alunos da Uece escrevem cartas para Governo e Prefeitura sobre saúde mental no CE: ‘atenção precária'

Textos alertam para cuidados necessários a crianças e adolescentes, e foram parte de atividade do curso de Psicologia

Escrito por Theyse Viana e Lucas Falconery , ceara@svm.com.br
Legenda: Estudantes leram as produções textuais durante aula
Foto: Acervo Uece

Falta de profissionais, de infraestrutura ou de políticas específicas. Esses foram alguns dos problemas da assistência à saúde mental de crianças e adolescentes apontados por estudantes de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece) em cartas ao governador Elmano de Freitas e ao prefeito de Fortaleza, José Sarto.

Os textos foram escritos como atividade da disciplina Psicopatologia da Infância e Adolescência, e endereçados não apenas aos chefes dos Executivos estadual e municipal de Fortaleza, mas a secretarias e órgãos ligados ao serviço público de saúde.

O Diário do Nordeste teve acesso a 8 das cartas. O aumento dos casos de transtornos de saúde mental entre crianças e adolescentes – evidenciados, entre outros fatos, pelos suicídios nessa faixa etária – foi destacado em todas como alerta para a necessidade de fortalecer a rede de atenção.

A demanda mais citada nos trabalhos foi a quantidade insuficiente de psicólogos e psiquiatras na atenção primária de saúde, descrita por alguns como “precária”.

“É perceptível a falta de profissionais como psicólogos e psiquiatras nas unidades de atenção primária. Há um déficit quanto à admissão de pessoas capacitadas, poucas são contratadas e, muitas vezes, são alocadas nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)”, observa uma das cartas.

Outro grupo de estudantes reforça os prejuízos de um atendimento inicial “precário”. “É possível notar o impacto que surge de uma atenção primária precária, uma vez que é a partir dessa instância que são feitos os respectivos encaminhamentos para outras esferas”, sublinha.

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Papel das escolas

Outro ponto que vários acadêmicos frisaram nas cartas aos governantes foi a importância de colocar a pauta de saúde mental infantojuvenil como protagonista nas salas de aula das redes pública e privada.

“Para formar essa rede integral de acompanhamento, é necessária uma maior participação das escolas municipais e estaduais, em conjunto com o núcleo familiar, tendo em vista o papel crucial das instituições educacionais no desenvolvimento humano e nas interações sociais”, salienta um dos textos, escrito por quatro alunas.

“Assim, ressaltamos a implementação de profissionais da Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional nas escolas da cidade de Fortaleza, que apresentam uma alta demanda de crianças e adolescentes que apresentam algum transtorno mental”, complementa o grupo.

A oferta de “mais vagas para profissionais da Psicologia nos postos de saúde, escolas e CAPSs”, além da promoção de “capacitações para esses profissionais” lidarem com as questões específicas de crianças e adolescentes também são colocadas como medidas indispensáveis para fortalecer o atendimento.

“O setor educacional carece de um profissional por escola atendendo as demandas específicas desse grupo. A ausência de psicólogos na rede pública escolar é um grande obstáculo que enfrentamos”, lamenta outra equipe.

“Não seriam lidas se eu mandasse”

A professora Layza Castelo Branco, psicóloga que ministra a disciplina e que propôs o trabalho à turma, explica que o conteúdo da cadeira trata dos cuidados com as psicopatologias infantojuvenis no Sistema Único de Saúde (SUS).

"A ideia era ser uma aula com metodologia ativa e participativa que eu não ficasse só na frente falando, mas que eles construíssem junto comigo", pondera. Foram repassados textos de referências e a turma dividida em grupos para a elaboração dos textos.

A docente confessa que se surpreendeu positivamente com as cartas, “incrivelmente bem escritas e fundamentadas na literatura científica” – mas imagina que “não seriam lidas” caso ela enviasse a Elmano e Sarto.

Legenda: Estudantes leram textos acadêmicos para formular proposições
Foto: Acervo Uece

Nosso maior desafio é trabalhar com a prevenção, que possamos ter mais escolas com atividades extracurriculares, ter mais esporte, mais psicólogos nas escolas
Layza Castelo Branco
Professora de Psicologia

"Na aula seguinte, pedi para que apresentassem e fizeram de uma forma tão intensa", lembra. Layza contextualiza que os estudantes aprendem sobre doenças como depressão e transtornos de ansiedade ou alimentares numa perspectiva aprofundada. 

"Mais do que entender sobre os transtornos e como cuidar dos pacientes, é importante que os estudantes pensem como eles se instalam e como podemos prevenir, vendo também as questões sociais", acrescenta.

Poder Público

O Diário do Nordeste selecionou a carta endereçada especificamente ao Governo do Ceará e à Prefeitura de Fortaleza e encaminhou para as assessorias de Elmano e José Sarto. A reportagem ainda aguarda retorno do Governo do Estado.

Já a assessoria do Prefeito de Fortaleza informou que "segue comprometida em melhorar as ações de prevenção e promoção da saúde mental para o público infantojuvenil em Fortaleza. Em 2023, a atenção à saúde mental foi fortalecida pela inauguração do terceiro Caps infantil de Fortaleza no bairro Granja Portugal", acrescentou.

Para ampliar os atendimentos à população, a Prefeitura de Fortaleza convocou 121 novos profissionais para atuação na rede Raps. A seleção dos servidores aconteceu por meio de concurso público e contemplou as áreas de enfermagem, psicologia, terapia ocupacional e assistência social. Quem possui alguma demanda de saúde mental, pode buscar 118 postos de saúde para avaliação e encaminhamento para uma unidade especializada. 

A Rede de Atenção Psicossocial (Raps) de Fortaleza é composta por 24 equipamentos, sendo 16 Centros de Atenção Psicossocial (seis gerais, três infantis e sete álcool e outras drogas), cinco unidades de acolhimento para dependentes químicos e três residências terapêuticas.

Na Rede Municipal, são ofertados 37 medicamentos voltados para a saúde mental, para os quais a receita médica é indispensável. O Município conta, também, com 25 leitos infantojuvenis para internação que são encaminhados via CAPS de acordo com a necessidade do usuário, conforme a Prefeitura.

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