Aluna, professora e diretora: cearense é eleita para a gestão de escola onde estudou na infância

Ex-aluna da EEMTI General Eudoro Corrêa retorna 30 anos depois como professora e começa 2024 como diretora da escola

Escrito por Gabriela Custódio , gabriela.custodio@svm.com.br
Montagem com fotos de Julçara Cavalcante criança (à esquerda) e adulta (à direita)
Legenda: Julçara Cavalcante é autora de uma das quatro obras cearenses selecionadas no Prêmio Carolina Maria de Jesus de Literatura Produzida por Mulheres, promovido pelo Ministério da Cultura
Foto: Acervo pessoal

Em 1982, aos 11 anos, a pequena Julçara Cavalcante nem imaginava, mas aquela escola, onde estudaria pelos próximos quatro anos, seria palco para novas histórias escritas três décadas depois. Já doutora em Literatura Portuguesa, ela retornou em 2012, agora como professora. Os anos passaram, assim como os cargos que ocupou, e 2024 chega com o desafio de estar à frente da instituição que ambienta inúmeras lembranças e aprendizados da infância.

A eleição, ocorrida no último 15 de dezembro, cravou os próximos passos de Julçara na Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) General Eudoro Corrêa, no bairro Parangaba. A nova diretora foi escolhida por estudantes e colegas com 81% dos votos válidos. “Fico contente porque mesmo aqueles que nunca tiveram uma aula minha também me deram o voto, assim como boa parte dos funcionários da escola. É gratificante”, diz.

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Reformar parte da escola, reorganizar os espaços de convivência, melhorar o planejamento das aulas e o uso dos espaços, reduzir faltas e saídas fora de hora, além de melhorar o cumprimento do horário e a distribuição da merenda, são algumas tarefas para a nova gestão. “E precisamos manter um diálogo constante, franco e direto com a Secretaria de Educação do Estado”, complementa.

Para além de mudanças na estrutura física e nos processos de trabalho da escola, a nova diretora espera que a comunidade escolar desenvolva a capacidade de aprender coletivamente. “Juntamente com os professores, temos grandes projetos para a arte, a dança, o esporte, a literatura… é preciso ter coragem e transformar a nossa escola em espaço de contínuo aprender, respeitando as diferenças e combatendo o preconceito.”

LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA

Carteira de identidade estudantil de Julçara Cavalcante quando criança, quando estudava na então Escola de 1º Grau General Eudoro Corrêa
Legenda: Julçara começou a estudar na Escola General Eudoro Corrêa em 1982, tempo em que a instituição oferecia apenas o 1º grau (Ensino Fundamental). Hoje, ela é uma Escola de Ensino Médio em Tempo Integral
Foto: Acervo pessoal

São muitas as lembranças de Julçara da infância na Eudoro Corrêa, onde estudou do 5º ao 8º ano do Ensino Fundamental. Os jogos de carimba, a biblioteca com poucos livros, a farda de tergal feita pela mãe, os tênis Kichute pretos, as mangueiras e as fugas da Educação Física seguem em sua memória. Também se lembra com carinho da professora Livramento, de Português, dos professores Almeida e Gerleon, de Matemática, e do professor Conrado, de Artes. “Maravilhosos e inesquecíveis”, diz.

Uma aula marcante foi a de técnicas agrícolas. “Capinávamos, aguávamos as hortaliças e plantas da escola, plantávamos batatas e rabanetes”, recorda Julçara. Ela também nutria interesse pelas aulas de flauta com o professor Conrado, mas admite que nunca se saiu bem na atividade.

Há muita coisa para recordar daqueles anos, inclusive a dureza dos nossos pais, professores e do próprio sistema. Não havia ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) nem tínhamos muitos direitos. No entanto, foi uma época que nos obrigou a termos responsabilidades, sermos fortes.
Julçara Cavalcante
Professora, escritora e diretora eleita da EEMTI General Eudoro Corrêa

TRAJETÓRIA ACADÊMICA E LITERÁRIA

Hoje a Eudoro Corrêa oferece ensino em tempo integral para 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio. A escola inclusive foi reformada e reinaugurada pelo Governo do Estado em 2021. Mas, na época em que Julçara era aluna, era ofertado apenas o primeiro grau, atual Ensino Fundamental. Com isso, ela deixou a escola aos 14 anos e seguiu para outras instituições: Colégio Justiniano de Serpa, Agapito dos Santos e Colégio Padrão.

Depois, prestou vestibular para Filosofia na Universidade Estadual do Ceará (Uece), onde se formou na licenciatura e no bacharelado em 1994. No ano seguinte, ingressou como graduada no curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC), concluído em 2000.

A vida acadêmica de Julçara seguiu por especializações, mestrado em Literatura Brasileira e doutorado em Literatura Portuguesa, além de uma terceira graduação — dessa vez em Direito, pela Universidade de Fortaleza (Unifor), que finalizou em 2020.

Ao longo de sua trajetória como professora, ela diz que sempre tentou ensinar aos alunos e alunas por meio do exemplo, mostrando sua origem e mantendo uma relação de respeito e cordialidade. “Quero que eles e elas acreditem que são capazes de construir um país grande a partir de uma vida de conhecimento e honestidade.”

Montagem com duas fotos da fachada da escola antigamente (à esquerda) e atualmente (à direita)
Legenda: Fachada da escola antigamente (à esquerda) e atualmente (à direita)
Foto: Reprodução

Em paralelo à vida acadêmica e à atuação em escolas públicas do Estado, Julçara Cavalcante é autora de contos, poemas e romances — assinados com o pseudônimo J. Cavalcante. Em dezembro de 2023, ela foi selecionada no Prêmio Carolina Maria de Jesus de Literatura Produzida por Mulheres, promovido pelo Ministério da Cultura, por “Guerra no Sertão”. A obra, segundo ela, une 11 pessoas em uma guerra no interior do Ceará.

“Eu sempre gostei de ler sobre Canudos, principalmente a obra Os Sertões, de Euclides da Cunha. No entanto, foi um trecho de A guerra do fim do mundo, de Vargas Llosa que fez com que eu tivesse um *click* para o mote do meu livro”, conta. Também no ano passado, ela lançou os romances “As pedras de sal não mentem” e “Dos olhos de Maria das Candeias”, além do poema "A cor de ser", na Antologia do Mulherio das Letras do Ceará.

Para ela, o prêmio representa “um degrau bastante grande” para a carreira de escritora. “A seleção do livro para o selo do MinC representa muito para mim. Primeiro, porque venho da mesma classe social que Carolina Maria de Jesus. Depois, porque, fui selecionada por mulheres que não me conhecem e nunca me viram. Gosto de saber que a seleção não teve favoritismos”, acrescenta.

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