Retrospectiva 2023: o papel social e afetivo da nossa memória

Se existe pra você um “tempo preferido” é possível situá-lo no tempo cronológico de nossos calendários? Dia, mês, ano, década, século. Um instante infinito?

Legenda: Onde estão as nossas memórias no compasso do tempo-que-não-para? O que nos toca quando nos lembramos de algo, de alguém?
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Memória é um dos temas sobre o qual talvez eu mais tenha escrito nessa coluna desde que a iniciei, há uns 4 anos. Memória de mim, dos meus; da minha cidade, de outras metrópoles; de fatos marcantes que nos derrubam, mas também daqueles que nos erguem o coração. 

De tanto relembrar, um dia me questionei o porquê de tanto rememorar. Descobri muitas coisas nessa travessia que faço rotineiramente dentro de mim, e uma delas é simples: eu gosto da minha história. E você?

Mas será que existe uma época da vida a qual a gente mais gosta de lembrar ? Acontecimentos, escolas, amores, celebrações; a rua da infância, o grupo de jovens da adolescência… são tantas as nossas referências. 

E se há para você esse “tempo preferido” é possível situá-lo no tempo cronológico de nossos calendários? Dia, mês, ano, década, século. Um instante infinito?

Onde estão as nossas memórias no compasso do tempo-que-não-para? O que nos toca quando nos lembramos de algo, de alguém? De espaços, sentimentos ou sensações. A música do grande amor. A poesia decorada para sempre. 

Mão segurando fotos polaroides na frente de um globo
Legenda: Onde estão as nossas memórias no compasso do tempo-que-não-para? O que nos toca quando nos lembramos de algo, de alguém?
Foto: Pexels

Já que o fim de ano é sempre aquele tempo de fazer os balanços das nossas vidas e encher os corações com nossas próprias promessas (metas?), por que não sermos um pouco mais profundos e refletir sobre o papel social e afetivo de nossas recordações?

Do quê nos lembramos e onde estão situadas as nossas memórias, no seio social da vida e na individualidade de nossos corações e mentes?

Para mim, que devo ser uma alma velha no mundo, vivendo quem sabe qual de minhas encarnações na Terra, recordar às vezes é algo tão profundo que pareço sentir e ressentir amores - e dores - de outras vidas. 

Mas consigo bem situar em mim qual tempo cronológico de minha história mais está presente em meu coração, minha mente e também nas sessões de terapia: a década de 1990. 

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Os porquês? São tantos, nem caberia aqui explicá-los. 

No entanto, sei que cada uma das memórias daquela década ainda guardadas em mim vêm associadas a referências sociais da época, em que a vida na rua era (ou parecia ser) mais segura; a escola tinha mais certezas e a saúde mental não era lá (deveria ser ?) uma preocupação de nossos pais. A mídia caótica e uns valores humanitários absurdos. O machismo adoecedor (como ainda o é). Tudo isso são fatos daquela época. 

Do lado de cá, dinheiro faltava, mas amor tinha de sobra. 

Mas há aquelas memórias que também me afetam a individualidade. Das flores apanhadas nas calçadas dos vizinhos, das gargalhadas nas madrugadas em redes de beliche entre primas, das peças de teatro na igreja e na escola, dos amores impossíveis, das cartas que escrevi - e nunca enviei - e da saudade imensa que sentia a cada mudança da colégio carrego minhas próprias lições. 

É tudo lição de vida, de amor. Porque, ainda que novas décadas tenham também me deixado marcas, sociais e afetivas, toda vez que me derreto entre palavras, memórias e canção, chego à mesma certeza com a qual iniciei esse texto: eu rememoro porque amo cada fragmento da minha própria história. Se é assim, por que não recordar 2023, 2015, 2006, 1995 ou 1993?



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