A uma altura dessas do auge da lógica das nossas urgências, nos parece clichê relembrar que estamos em meio àquelas tantas 'liquidez' de Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês. Mas a metáfora da sensação de que estamos perdendo algo, de que algo está nos escorrendo pelas mãos não é apenas senso comum na filosofia das nossas mentes, é real. Estamos perdendo muito. Vendo tanta coisa morrer.
Sim, as coisas morrem, inclusive dentro de nós. Coisas que são processos, sentimentos, sensações, experiências, atitudes. Coragens e desistências. Criatividades e conexões. Paixões e reinvenções de vida.
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A pressa com a qual temos plantado esperando a colheita é injusta; a urgência das nossas escolhas vira a ferida da ansiedade crônica e uma ingênua sensação de que vamos dar conta, o mais rápido possível. É mentira!
Não vamos alcançar porque, feito o conceito de utopia, do escritor uruguaiano Eduardo Galeano, tudo parece estar 2 passos à frente - ou dez a mais. Assim, jamais vamos chegar. Entretanto corremos, e não temos mais tempo de deixar a vida 'fermentar' nossas lições.
Estamos todos tão apressados, e é tudo tão urgente que o próprio decurso de deleitar-se sobre nossos processos morre antes de qualquer princípio das coisas. E morrem também porque são esquecidas por nós. Morrem porque de tanta informação para acumular na memória, temos esquecido cada vez mais coisas e mais rápido. E o que há pouco foi protagonista em nosso dia, agora não nos serve mais.
Não há tempo para pensar, mas temos que tomar decisões urgentes. Não conseguimos escolher muito bem algumas vivências simplesmente porque não temos tempo para refletir sobre os seus sentidos. Não sabemos porque estamos sem energia, no corpo e na mente, até porque não temos tempo de ter consciência do que estamos experimentando ao longo do dia, sejam curas ou feridas.
Culpamos a idade (!) pela fragilidade da nossa memória porque não queremos carregar mais esse peso de admitir que: nós esquecemos apenas porque não nos demoramos no processo de atentar para algo, de lembrar seus porquês. Não dá mais tempo sentir a morte de um ídolo porque há muitas urgências para darmos conta. Muitas outras mortes em vida, muitos lutos sem cura.
Focar em algo? Desperdício. Ilusão.
Estamos exaustos de nos sentirmos cansados. De darmos satisfação das nossas escolhas porque precisamos justificar cada passo do caminho. Ou mesmo nossas paradas. Dormir também é um fardo porque nem a Ciência legitima mais 8 horas de sono. Acordar no meio da noite com lista de afazeres não feitos - ou mal feitos - tem sido rotina?
Não vamos mais esquecer as respostas porque não nos lembramos das perguntas. Não conseguimos mais nem fazer anotações porque esquecemos as notas no caminho que vai da mente à ponta do lápis. Onde estão nossos lápis?
Nossos rascunhos têm dois modelos: ora estão em caos total, já que não nos concentramos mais em frases inteiras, perdemos pronomes e focamos nos verbos de ação, embora tantas vezes pareçamos inertes. Ora nossos rascunhos permanecem folhas em branco.
Não há mais tempo para a morte de ideias, porque não as temos deixado nascer. As coisas têm morrido muito rápido. Algumas vezes, antes de qualquer rastro de suas existências.